"Como músico russo, quero criar pontes e quebrar gelo"
Cantaram aqui em Cascais a Canção do Mar. É a primeira vez que incluem uma música portuguesa num concerto, e logo um fado?
Quando preparávamos a nossa vinda, pensámos em como agradar aos compatriotas na assistência, mas também ao público português. E fizemos um grande esforço para encontrar a canção certa. Penso que se a tivéssemos já cantado mais vezes teria tido mais sucesso. Foi mesmo a primeira vez que cantámos a Canção do Mar num concerto.
Cantaram Bela Ciao, portanto uma música italiana, Somebody to Love, dos Queen, também o clássico brasileiro Suíte do Pescador, uma música em espanhol igualmente. Como escolhem o repertório? Procuram acrescentar às canções russas um lado mais internacional?
Cada um de nós tem uma experiência própria, há alguns casos com mais de 20 anos, e como profissionais trazemos para o espetáculo aquilo que achamos interessante, aquelas músicas que achamos que vão ser para sempre, que daqui a muitos anos continuarão famosas e a entrar no coração do público.
O Somebody to Love ou a ária Toreador, da Carmen, são frequentes nos vossos concertos?
Sim, mas nós, no total, temos umas 500 canções. Poderíamos, passadas 24 horas, dar novo concerto aqui e não repetir nenhuma canção.
São, de qualquer forma, um grupo russo e a maioria das músicas são russas. Pelo que percebi da reação do público, e estavam muitas famílias da comunidade russa a assistir, apostam muito nos clássicos que toda a gente conhece?
O ponto de partida é sempre o nosso público. Quando vamos a caminho de uma cidade para um concerto, decidimos o que cantar em função das expectativas. Aqui sabíamos que iríamos ter muitos russos a assistir e por isso muitas músicas russas. Mas temos na equipa pessoas que falam várias línguas, capazes de cantar em várias línguas, e por isso adaptamo-nos.
Como surgiu este Coro Turetsky, liderado por si e com o seu nome?
É uma história longa. Existimos há 30 anos e o início foi como um coro judeu, música espiritual. Neste momento é um misto de vários estilos musicais, interpretados por várias vozes, e somos capazes de interpretar uma grande variedade.
Em Cascais, estiveram homens e mulheres em palco, mas o Coro Turetsky continua a ser masculino.
Sim, são dois grupos diferentes: o Coro Turetsky e o Soprano, do qual sou o produtor. Mas trabalhamos muito bem juntos.
Quando apresentou os músicos, e de onde vinham, notou-se que eram de várias partes da Rússia, mas também de algumas antigas repúblicas soviéticas. São muito populares naquilo que chamamos o antigo espaço soviético?
Imensamente. Antes da pandemia, chegávamos a fazer 200 concertos por ano na antiga União Soviética.
Quando atuam na Europa Ocidental ou nos Estados Unidos, sentem-se embaixadores da cultura russa?
Sim, sentimo-nos comunicadores da cultura russa e a receção é sempre muito boa, mesmo quando o público não é de falantes de russo. Por vezes, sentimos falta da cobertura das televisões dos países para maior divulgação, muitas vezes por causa da reputação da Rússia ser complicada nalguns países da União Europeia ou na América. Mas queremos com a música sempre construir pontes e quebrar o gelo.
Se tivesse de sugerir uma grande voz russa para os portugueses, qual seria?
Recomendo, como voz, que ouçam as gravações de Dmitri Hvorostovsky. Mas creio que uma introdução à música russa deverá ser através do bailado e dos coletivos que cantam o género das marchas militares e das canções da Grande Guerra Patriótica.
Também cantaram em Portugal algumas dessas músicas patrióticas. São sempre um sucesso?
Sim, mas o meu patriotismo aqui é mostrar profissionalismo, vozes profissionais, que sobem ao palco e apresentam um produto de alta qualidade. Não fazemos propaganda, mas sim mostramos um produto russo de alta qualidade fora do país. Eu, que sou judeu nascido na Rússia e que considero esse país a minha pátria, amo o meu país e claro que promoverei todos os produtos de qualidade do meu país. Mas não sou um ideólogo.
leonidio.ferreira@dn.pt