José Xavier tinha “21 ou 22 anos” quando pisou a Antártida pela primeira vez. Desde aí nunca mais parou. “Fui em 1999, 2009 e 2019. Mas vários alunos meus vão todos os anos”, diz o professor associado na Universidade de Coimbra. O objetivo? “Perceber como é que a Antártida e, em particular, o Oceano Antártico, está a lidar com vários níveis de stress”, desde as alterações climáticas ao degelo.Ainda assim, esta ligação ao continente gelado “surgiu muito por acaso”. Natural do Ribatejo, o professor associado na Universidade de Coimbra foi estudar Biologia Marinha no Algarve, porque sempre gostou “muito” do mar. Após os “anos fantásticos” do curso, José Xavier foi convidado para um projeto da Universidade de Cambridge, onde trabalhou “com um investigador que estudava os cefalópodes [lulas] no Polo Sul”. Entrou depois no doutoramento e o resto é história.Entretanto, José Xavier e a sua equipa de investigação já fizeram mais de 10 expedições na Antártida, com resultados palpáveis em diferentes áreas, desde o estudo do degelo e dos impactos das alterações climáticas passando, por exemplo, pela migração de espécies aquáticas de outros mares até às imediações da Antártida (serve para equilibrar as cadeias tróficas, que estabelecem e organizam as relações de alimentação entre espécies num ecossistema).A equipa do investigador concentra-se, sobretudo, “no estudo dos pinguins, das focas, das baleias, dos peixes e lulas” e tenta perceber como estas espécies lidam com a pressão exercida nos ecossistemas. .“A grande missão é perceber que estamos todos no mesmo barco e que é preciso proteger o planeta.”José Xavier, investigador, que esteve na Antártida pela primeira vez em 1999.. Uma das alunas, revela, vai em breve para a Antártida para estudar a influência dos microplásticos nas espécies. Afinal, um dos artigos científicos feito pelos investigadores portugueses “foi o primeiro a mostrar que existe microplásticos na dieta dos pinguins”. “Fomos os primeiros e esta aluna está a seguir esse segmento de investigação. Estão a analisar os próprios elementos que os microplásticos podem libertar”, explica, acrescentando outro exemplo: o estudo das colónias de pinguim-imperador, espécie que se reproduz durante o inverno e que é o principal foco do trabalho de José Xavier.Sendo a Antártida “do tamanho da Europa”, a monitorização é feita através de imagens de satélite. “Dá quase para identificar cada pinguim e ter uma estimativa da população. Depois, através das fezes, do guano, consegue estimar-se, mais ou menos, a dieta deste animais. Isto faz-se comparando a cor dos dejetos no gelo.”Logística e financiamento: os desafiosMas organizar uma destas expedições à Antártida não é fácil e envolve cooperação entre várias entidades nacionais e estrangeiras. Ao nível do financiamento - “um dos desafios” -, este é garantido em “dois níveis”: pela “própria universidade” - que tem “algum financiamento” através da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) - e através do Programa Polar Português, o ProPolar.Na passada quinta-feira, o programa fez o seu 13.º voo antártico, num avião que fretou, e que transportou 99 cientistas e técnicos de diferentes nacionalidades entre o Chile e a Ilha Rei Jorge, nas Ilhas Shetland do Sul, a 120 quilómetros da Península Antártica, onde a temperatura média, nesta altura do ano (verão no hemisfério sul), ronda os 28 graus negativos.Criado em 1959 (mas em vigor desde 1961), o Tratado da Antártida estabelece o continente como uma “reserva natural dedicada à paz”, onde existe liberdade científica, ao mesmo tempo que estabelece que não pode haver novas reivindicações territoriais (atualmente feitas por Argentina, Austrália, Chile, França, Nova Zelândia, Noruega e Reino Unido). Isto permite que um país como Portugal (que ratificou o tratado em 2007) - sem instalações científicas próprias - possa colaborar livremente com outros, de modo a apoiar as suas expedições científicas no continente gelado.Assim, é tudo feito “muito ao nível de cooperação”. Por exemplo: “Se há um cientista que está numa equipa e precisa de ir a um outro local, o nosso representante no Conselho de Gestores dos Programas Nacionais Antárticos poderá falar com um outro programa científico, de modo a organizar as viagens, que normalmente são de barco ou de avião.”Isto tudo em nome de três “grandes pilares” estabelecidos pelo tratado: “A cooperação internacional, a ciência e a proteção ambiental, ao mesmo tempo que se minimiza o impacto humano, enquanto conhecemos melhor a Antártida.”O desconhecido e a proteção do continente geladoApesar de todas as expedições e, até, das instalações científicas de vários países na Antártida (o que permite a permanência a tempo inteiro de cientistas), o desconhecimento ainda é grande.Ainda “há uns anos”, cientistas fizeram “um buraco no gelo e meteram uma câmara e conseguiram identificar peixes da Antártida que faziam ninhos”. “Isto só se descobriu porque se fez aquele buraco no gelo. Agora, imaginemos o que era passarem ali barcos com redes de pesca e que devastam aquilo tudo. Não é comum peixes fazerem ninhos, isso era desconhecido até então”, exemplifica José Xavier.Como se pode, então, preservar o único continente sem presença humana permanente? A primeira forma seria fortalecer “o Tratado da Antártida, que é dos mais bem-sucedidos de sempre, e é preciso reforçar os seus valores de sustentabilidade e proteção”.Depois, acrescenta o investigador, “há que reforçar o papel de Portugal e da comunidade científica”, dando “capacidade crítica às gerações de cientistas, de advogados, de comunicadores de ciência, da panóplia de elementos e de profissões” que já foram à Antártida. E, por fim, “é preciso perceber o que se pode fazer no dia a dia. A Antártida está longe, mas, por exemplo, se se largar uma garrafa de plástico no Tejo esta vai para o mar e pode chegar lá. A grande missão é perceber que estamos todos no mesmo barco, que é preciso proteger o planeta, saber o que se está a passar com as alterações climáticas e que as várias ameaças ambientais são reais”, conclui José Xavier.