Dez anos volvidos, vários recursos depois e a Operação Marquês parece não ter fim à vista. O julgamento ainda não tem, sequer, data para começar e, agora, pode demorar ainda mais: o processo deixou de ser considerado prioritário pelo Ministério Público. Isto numa altura em que há vários crimes em risco de prescrever nos próximos meses..Em janeiro deste ano, o Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) mandou julgar o ex-primeiro-ministro José Sócrates (principal rosto do caso), bem como todos os outros 28 arguidos do processo. Na sequência da decisão - que Sócrates qualificava ao DN como sendo uma “desilusão” -, foi interposto um recurso junto da Relação..Esta quarta-feira, o tribunal decidiu “indeferir a reclamação” do ex-primeiro-ministro, que pedia a “declaração de nulidade do despacho”. De acordo com o TRL, “não é legalmente admissível a apresentação de sucessivas reclamações”. “Este tem sido o comportamento processual do reclamante/recorrente, pois apresenta sucessivas reclamações para a conferência, contra o despachos do relator e acórdãos”, sublinha o tribunal..Este modus operandi tem sido comum, com José Sócrates a já ter interposto vários recursos. Ouvido pelo DN, Vítor Magalhães, procurador, explica que o “sistema judicial português permite o recurso a toda uma série de expedientes dilatórios” (ou seja, que servem para retardar a decisão) e, ao aplicar a lei, passa a haver demoras. “Esse garantismo leva a demoras com a aplicação da lei”, acrescenta. Por seu lado, Mónica Quintela, advogada e uma das subscritoras do manifesto pela reforma da Justiça, explica que, do que conhece do processo, “há alguns recursos” que podem ter sido interpostos “sob alteração substancial dos factos”. Haverá, no entanto, outros que serão “meramente dilatórios, e esses deviam ter uma decisão muito rápida - sobretudo porque já estão decididos -, para que o julgamento comece”..Para a também ex-deputada do PSD, este processo é uma “excrescência” do sistema judicial português. De acordo com Mónica Quintela, a Operação Marquês é um “caso único” no sistema judicial, que, espera, não lhe dê um “rombo, designadamente na defesa dos direitos, liberdades e garantias do cidadão”. O megaprocesso “não tem nada a ver com aquilo que se passa no dia-a-dia, em todos os restantes processos que ocorrem nos tribunais”. E atira ainda: “Este processo não pode ser exemplo para legislar o que quer que seja. Tudo o que se passou no processo Marquês é absolutamente anormal. É uma excrescência do sistema jurídico, isto nasceu torto, está a crescer torto e vai morrer torto, não tenho dúvida nenhuma.”.Aliás, refere a jurista, “o sistema prevê que estes megaprocessos sejam desapensados, para que possam ser feitos julgamentos mais rápidos e com uma eficácia maior”, algo que, constata, tem um impacto na “credibilidade do sistema jurídico”. “É isso que está aqui em causa”, reitera. Na opinião de Mónica Quintela, “impunha-se que, efetivamente, o sistema judicial respondesse de forma credível ao que está em causa.”.Além disso, concluiu, “não se percebe por que motivo o processo deixou de ser prioritário. O próprio acórdão [do Tribunal da Relação, de janeiro, que pedia julgamento para os arguidos] alertava para o perigo de prescrição de futuros crimes. É evidente que tem de ser urgente”, afirma. Afinal, num “processo paradigmático, em que todas as pessoas que estiveram ao leme do país estão acusadas e com o julgamento a ainda nem ter começado”, isto representa “um grande desprestígio para a Justiça”.