O edifício do MAAT explicado pela arquiteta que o imaginou

A arquiteta Amanda Levete conduz uma visita guiada pelo edifício do Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia, que abre ao público na quarta-feira. Na era da Internet e das comunicações à distância, quis criar espaços que levem as pessoas a encontrarem-se

Se o novo edifício do Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia (MAAT) passar despercebido, a arquiteta que o pensou sentir-se-á elogiada. Era exatamente isso que a britânica Amanda Levete tinha em mente. "A ideia é que pareça a paisagem, deixando a vista livre para a cidade e para o rio".

O MAAT, que Amanda garante que só poderia estar aqui, em Lisboa, é inaugurado na terça-feira e estará aberto ao público, gratuitamente, na quarta-feira, feriado, com uma extensa programação. Ontem, a agitação atingia picos elevados. Tão elevados como o número de pessoas que, este fim de semana, trabalha na obra - a assentar mosaicos, calçada, a limpar, a montar palcos, encarregues do catering, da montagem de exposições, da segurança. Abrirá pronto? "Já vi milagres maiores acontecerem", diz a arquiteta espanhola Maria Alvarez-Santullano, gestora deste projeto do AL_A. Nos últimos dois anos, desde que a obra começou, veio a Portugal todos os meses, depois de duas em duas semanas e agora ao ritmo três dias por semana".

Recue-se a 2011, ao dia em que o presidente da EDP, António Mexia, entrou no atelier de Amanda Levete para lhe falar deste projeto. A arquiteta recorda a história à medida que nos aproximamos da construção, ultrapassando montes de areia, carros de mão, carrinhas de materiais de construção e cabos. Começa-se aqui, junto ao Tejo, por sugestão da própria. O diretor do atelier AL_A, Max Arrocet, acompanha-a.

Esmagados pela luz

Amanda Levete, 61 anos, recorda a primeira visita ao local. "Ficámos esmagados pelo local e pela luz". "Devíamos ter ficado duas horas mas ficámos umas oito e assistimos ao sol a pôr-se". Este é o seu primeiro projeto de grande impacto em Lisboa, mas é a segunda vez que trabalhar em Portugal. Participou num projeto da Corticeira Amorim com a Experimenta Design, em 2013. O objetivo era usar a cortiça de formas distintas e a arquiteta, e designer, fez uma estante modular.

Aqui, o programa era diferente. "Queríamos um espaço onde as pessoas pudessem vir não apenas como um museu mas um local de espaços públicos, onde as pessoas se podem encontrar, nesta época em que se comunica à distância", explica. "Isso é mais importante do que os próprios edifícios". Mais tarde, já dentro do MAAT, há de frisar que lhe parece um "exemplo" que o projeto seja público, mas financiado por uma instituição privada. António Mexia apontou para os 19 milhões de euros de investimento, no anúncio do projeto.

Os sete mil metros quadrados de construção somam-se a um jardim público que estará pronto a usar em março de 2017, tal como a ponte que ligará este lado do rio a Belém, em forma de boomerang. Ultrapassar o facto de terem uma frente ribeirinha cortada pela linha do comboio impôs-se sem esforço nos esboços do AL_A. "Sabíamos que tínhamos de lidar com isso no programa".

A cobertura do MAAT une-se às zonas comuns e pode ser atravessada e usada, como zona pública. "Queria que o edifício não atrapalhasse a vista da zona histórica nem tapasse o rio", frisa a arquiteta.

Não desafiar a Central

Outro elemento a ter em conta era a velha central elétrica, velhinha de 100 anos em 2018, herança industrial do país. "O que fizermos, não pode desafiar este edifício", pensou então. Amanda Levete diz que aqui tudo se tratou de "usar a topografia". As obras começaram em 2014 e foi ponto assente que o edifício teria de refletir a luz do lugar, aquela espécie de escamas brilhantes que se formam à tona. Foi conseguida com os azulejos que revestem o edifício do MAAT. "Conseguimo-lo com mosaicos tridimensionais", diz Arrocet, falando o revestimento da fachada. Ontem era branco, mas as fotografias que tem guardadas no telemóvel mostram um tom dourado semelhante ao que se vê nas imagens computorizadas que eram até agora o que se conhecia do novo edifício do MAAT. "Vai variar muito consoante a hora do dia, a estação do ano...", acrescenta. Ali mesmo, Amanda chama a atenção para as variações. Sob a entrada, o reflexo dá-lhe tons prateados.

Os azulejos vêm de Barcelona, feitos pela mesma empresa familiar que trabalhou com o catalão Antoni Gaudí, a Cumella, e ainda trabalha na Sagrada Família.

Têm 60 centímetros de altura e estão assentes em placas de metal e são perfurados "para serem mais leves", completa Amanda. Minúsculos pontinhos castanhos fabricam a ilusão dos brilhos. Dentro de pouco tempo, vão começar a estalar. É de propósito, garantem os dois arquitetos. "Evoca a descoberta, por acidente, há milhares de anos, pelos chineses", diz Levete.

A cerâmica da fachada é uma piscadela de olho à tradição portuguesa. Como as escadas que chegam ao rio e que se vão mostrar, ou esconder, conforme as marés, "que vimos no Terreiro do Paço", conta Max Arrocet. Ou a pedra lioz usada na entrada ou nos corrimãos no interior. "A magia do local está expressa nos materiais e na maneira como os moldamos. Enraízam o edifício no sítio". Mais à frente na conversa, reforça: "Há um diálogo entre materiais muito antigos que pertencem a esta parte do mundo".

Aproximamo-nos da entrada. "Este edifício só funcionaria aqui", sublinha Amanda Levete, sob a sombra da pala, criada com um gigantesco tubo da equipa portuguesa de engenharia Afa Consult. Tanta Amanda como Max, frisam outro dado, em momentos distintos: "Não há colunas neste edifício". O peso é suportado por este tubo, invisível para o visitante.

Os arquitetos entusiasmam-se com os detalhes técnicos. Por exemplo, diz Arrocet, "não há luz natural", por ser um museu, exceto uma luz difusa conseguida em algumas horas do dia, em algumas épocas do ano". No telhado, criado ao estilo de um anfiteatro, mas com degraus mais subtis, Max levanta uma tampa do chão para mostrar que lá em cima, "está tudo preparado para ser usado" como mais uma galeria. "Temos água, luz, dados". Amanda dá uma ideia: "Se quiserem um restaurante pop up". Tem outra, ainda: "Sugerimos que projetassem um filme aqui", diz, olhando para o casario, de costas para o rio.

No atelier, tentamos sempre, mesmo que de maneira modesta, fazer avançar o debate

Uma vez no interior, descemos pela rampa da esquerda até ao centro da galeria oval, batizada a partir da sua forma elíptica. "Lisboa tem sete colinas, a acessibilidade é muito difícil. Queríamos que este edifício fosse muito inclusivo". É a mais alta do museu. O teto é "como o dos teatros".

"É onde confluem as três ideias do edifício - arte, arquitetura e tecnologia", sublinha Amanda. "Queríamos criar fluidez de movimentos, espaço para trabalhos experimentais, para que os artistas pudessem fazer obras específicas". A instalação Pynchon Park, da francesa Dominique Gonzalez-Foerster em montagem ontem, ilustra as suas palavras: é de grandes dimensões, está a ser preparada para este local e para a inauguração do MAAT. "Quando descemos somos visitantes, dentro da jaula somos protagonistas", resume Levete.

A galeria principal fica abaixo do nível do rio. "Aqui foi onde fomos contra-intuitivos", afirma Levete. "Fomos para baixo, em vez de ir para cima". Sabe, da sua pesquisa para este projeto, que nem sempre os edifícios em altura foram bem acolhidos nesta zona. "No ateliê tentamos sempre, mesmo que de maneira modesta, fazer avançar o debate". Se o conseguiu, só saberá na terça-feira, mas já teve pelo menos uma boa reação. "O motorista que tem andado comigo, agradeceu-me pelo que fiz pela cidade. Podia ter-me desmanchado em lágrimas".

[alterado no dia 3/10/2016 para corrigir o nome da empresa de engenharia]

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