Jesus Cristo voltou... foi fotografado e até usa as redes sociais

Jonas Bendiksen, fotógrafo norueguês da Magnum, correu o mundo para documentar a fé palpável e tangível dos novos messias.
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Mais de dois mil anos depois, Jesus Cristo volta a caminhar entre os comuns mortais. Aliás, e independentemente de a opção ser venerar ou rir em tom jocoso, são vários os messias, em todo o mundo, que afirmam ser a reencarnação do filho de Deus. Cristo na Terra, uma vez mais. Foi isso que Jonas Bendiksen quis imortalizar através das suas lentes e das suas câmaras fotográficas, projeto que o levou a fazer um périplo por diferentes locais do globo.

O fotógrafo norueguês da Magnum Photos, de 40 anos, pegou no último verso do Novo Testamento, a profecia de que Jesus Cristo iria voltar a caminhar entre os humanos, e começou o projeto em 2014.

Mas a fé, e o processo de acreditar em algo, era uma realidade que estava totalmente fora da vida de Jonas. "Não cresci rodeado de fé, na minha família não éramos religiosos. Sempre foi um mistério para mim: acreditar e a fé. O que é a fé? Como é acreditar e se podemos ou não acreditar? Queria explorar isso", afirmou ao DN, por telefone, a partir de Itália, onde se encontrava de férias.

Após uma estada na Rússia, aos 19 anos, quando tentava afirmar-se como fotógrafo profissional, ouviu falar do messias da Sibéria (Vissarion), Jesus Cristo na terra novamente. Quando embarcou neste projeto, que resultou num livro ao qual chamou The Last Testament (O Último Testamento), lembrou-se de pesquisar por ele.

"Há três anos, quando pensei que queria explorar o tema da fé, ele estava sempre na minha cabeça. Googlei e achei-o", conta.

"Os cristãos estão há dois milénios à espera do regresso do Messias, altura em que ele trará o fim dos dias, julgará a humanidade e corrigirá a nossa existência com falhas e sem esperança. Sempre me questionei sobre o que diria Jesus do mundo contemporâneo se ele voltasse e o que as pessoas de hoje diriam e pensariam do filho de Deus", afirma Jonas.

[citacao:O meu objetivo é abrir um debate sobre a fé. É mais estranho seguir um messias siberiano do que o Papa?]

Pelo caminho, no entanto, e enquanto tentava contactar Vissarion, encontrou "várias outras pessoas que afirmavam o mesmo". Foi aí que Jonas pensou: "Se quero saber algo sobre fé, porque não ir ter diretamente com Jesus?"

Surgiu então a ideia de documentar o máximo que pudesse sobre a fé, a crença e as várias pessoas que se consideram ser Jesus e que afirmam representar o regresso do mesmo à Terra.

E assim foi, mas não só na Sibéria, também em Inglaterra, Brasil, África do Sul, Zâmbia, Japão e Filipinas. Nestes sítios, encontrou sempre o mesmo: alguém que afirmava ser Jesus Cristo e uma legião de seguidores, agarrados à fé e à vida em sociedade em torno do seu Deus de carne e osso.

"Enquanto a minha história é sobre quem afirma ser Jesus, o tema dominante é a mecânica da religião em si. O meu objetivo é abrir um debate sobre a fé. É mais estranho seguir um messias siberiano do que o Papa? A crença religiosa ainda é um dos poucos temas sociais em que é politicamente incorreto debater de forma crítica. Quero encorajar uma reflexão e discussão e, ao mesmo tempo, entreter através de uma história única", afirma Jonas.

Fé "palpável e tangível"

Não tendo uma relação próxima com a fé, fez sentido perguntar a Jonas Bendiksen se encontrou uma fé, que pudesse considerar tangível, nas comunidades em torno destes homens. A resposta é clara. "Nessas sociedades e comunidades encontrei uma fé absoluta e tangível. Podemos tocar e sentir. Eu certamente consegui, de certa forma, ver e sentir. Como eles têm o divino entre si, a crença não lhes é abstrata. Mesmo que não me tenha mudado, sente-se de forma bastante forte, porque a energia e aquilo em que eles acreditam é muito forte. Para mim, é mais fácil perceber estes discípulos e a fé no seu deus do que a fé tradicional e convencional", afirmou.

Ainda dentro da mesma lógica, Jonas pergunta, tendo em conta que muitas pessoas se poderão rir dos messias com os quais conviveu, se "estas pessoas estarão mais delirantes do que o Papa". "Não encontro qualquer razão para que estes messias possam ser mais improváveis. E essa é a grande questão. Isto é diferente da religião convencional? No meu trabalho não consigo encontrar a diferença. A fé tradicional também é sobrenatural, porque envolve rezar e falar com Deus, tem milagres e vida depois da morte. É mais estranho acreditar que Ele já chegou?", questiona o fotógrafo norueguês.

E acrescenta ainda: "As pessoas têm a mania de se rir destas situações, dizem que as pessoas são loucas. Mas onde está exatamente essa fronteira entre a fé, o delírio e a insanidade?"

Discípulos com "sentido de vida"

Jonas levanta muitas questões porque é esse mesmo o objetivo deste seu projeto. "Alimentar o pensamento", refere. "Isto sou eu a explorar as coisas, a levantar questões. Eu quero perguntar "porque se estão a rir", "porque é que isto é engraçado". Porque havemos de pôr de lado este tipo de fé e aceitar os outros como garantidos?", pergunta mais uma vez.

Jonas admite, inclusivamente, que sentiu que poderia viver em várias destas comunidades, que são "muito focadas em viver como tal e em comunhão com a natureza". "Na Sibéria, por exemplo, eu senti que, quer ele seja ou não o Messias, tinham uma comunidade bastante atrativa, uma espécie de utopia hippie. Há algo lá que é atrativo, apesar de eu nunca ter tido fé na minha vida", diz Jonas Bendiksen.

"Quando se conhece os discípulos eles têm muita beleza. Criaram muita beleza e vivem como uma comunidade. De certa forma, têm uma vida rica que eu admiro. Encontraram alguma paz, alguma paz que talvez eu não tenha. Eles têm um sentido de vida porque têm uma parte importante no final da narrativa humana", afirma.

Para Jonas, estes novos e modernos discípulos encontraram um "sentido de vida" porque podem ver e tocar no seu Deus. Ter, no final de contas, uma relação pessoal com a entidade divina que lhes dá ainda mais sentido à vida.

O fotógrafo encontrou ainda uma espécie de update religioso, visto que muitos destes messias são ávidos utilizadores das redes sociais e dos meios digitais como forma de espalhar a sua mensagem e comunicar com os seus seguidores. Além disso, existe o que Jonas chama de "flexibilidade" relativamente ao tradicional. "A religião baseia-se em documentos antigos e estas pessoas atiram um pouco isso fora, porque tudo o que está nesses documentos pode ter sido lá posto devido a agendas ou à vontade do poder de então", frisa.

"A religião é maléfica"

"INRI Cristo [líder religioso brasileiro, 69 anos] diz que a religião é uma coisa maléfica. Está entre Deus e as pessoas. A única coisa que interessa, diz ele, é a ligação entre o indivíduo e Deus", conta Jonas. Ainda sobre INRI Cristo, e quando questionado sobre o uso dos novos meios de comunicação por parte destes messias, o fotógrafo volta a recorrer ao Jesus brasileiro e à forma "curiosa" como ele lhe falou desta questão.

"Ele disse-me "diz-se que Jesus viria nas nuvens ou algo assim, e portanto já há o avião e eu espalhei a minha mensagem. Também é dito que todos os olhos o vão ver. É um malentendido dizer que ele viria depois do computador, do YouTube, do Facebook"", explica Jonas. E acrescenta: "Todas as pessoas do mundo podem seguir a sua mensagem sem pagar nada. Ele [INRI Cristo] pega nas coisas bíblicas e torna-as mais práticas, o que faz sentido. Se toda a gente usa as redes sociais, por que não as usaria Jesus quando voltasse?"

"Seria absurdo que, quando o Messias regressasse, em 2017, não usasse todas as opções disponíveis para espalhar a sua mensagem", afirma. Jonas faz o paralelo com a "altura em que Jesus Cristo viveu, quando tudo era baseado na oralidade, com histórias que passaram por gerações". Nos dias de hoje, "todas as pessoas podem acompanhar as mensagens" do seu messias, "de forma gratuita", argumenta ainda.

Resultado deste seu périplo pelo mundo, o livro The Last Testament foi publicado em setembro pela Aperture/GOST Books e custa 45 euros. É o terceiro livro de Jonas Bendiksen, fotógrafo já distinguido com vários prémios, depois da edição dos seus dois anteriores trabalhos, Satellites e The Places We Live.

The Last Testament deu origem, inclusivamente, a um documentário televisivo de quatro partes, transmitido pela NRK, televisão pública da Noruega.

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