Can You Hear Me? Dos Blasted Mechanism para o Major Bowie
"Can you hear me, Major Tom?" pergunta, olhando para cima, Guitshu, dos Blasted Mechanism. Pergunta improvável de ser lançada ao meio-dia num pavilhão de ensaios - numa aldeia em São Domingos de Rana -, não fosse a banda portuguesa, cujas máscaras alienígenas não permitem qualquer confusão em palco, tocar dali a minutos, canções como Heroes ou I"m Afraid of Americans. David Bowie. Era ele, que morreu a 10 de janeiro último, quem Guitshu, a voz dos Blasted, evocava. E quanto a essa canção que citava, Space Oddity, hão de cantá-la hoje, na Casa da Música, no Porto, e na sexta-feira, no Estúdio Time Out do Mercado da Ribeira, em Lisboa.
Aconteceu que o dia em que lhes ligaram para falar do projeto da associação CAIS, Mais Música Mais Ajuda, fosse "aquela segunda-feira", 10 de janeiro. A proposta envolvia uma reinterpretação, em concerto, de um artista ou de um disco. E Bowie como que se impôs. "A morte dele convidou?", parodia o baixista Ary dirigindo-se a Guitshu, o vocalista dos Blasted Mechanism, que contava a história e falava da "mutação, da parte camaleónica dele", a propósito das afinidades entre a banda e o Starman - There's a starman waiting in the sky, cantava David Bowie.
Combinaram, entre os seis músicos que formam a banda que conta já duas décadas de existência, trazer as canções "lá de casa" e, depois disso, lançar-se-iam ao trabalho. "É um bocado aquela aritmética do: ah, eu se calhar não conheço muito bem o David Bowie, e depois pões-te a ver e conheces de cor uns 25 temas. Qualquer morte causa esse tipo de "ah, agora já não tenho". Por isso é que os artistas ficam muito mais valiosos depois de morrerem", diz Zymon, o guitarrista e sitarista.
Lançaram-se, então, ao trabalho - tudo isto a pouco mais de um mês dos concertos. Tal significa dizer, como o disse Ary: "Agarrar nelas [canções] e fazer um esqueleto no nosso amigo computador." E depois tocá-las. Tocar Heroes, Space Oddity - Can You Hear Me, Major Tom?, Rebel, Rebel ou Suffragette City. "Eu, por exemplo, nunca tinha mergulhado no Bowie. E não é um Bowie, são muitos Bowies, em termos musicais e artísticos globais", continuava o músico. Tudo muda quando são as próprias mãos ou a própria voz a tocar e cantar Bowie, afirmam. "Há músicas que nos são muito familiares. Ao agarrar nelas enquanto músicos percebemos o acorde, o ritmo, pensamos bem na letra: é isto que ele diz? Desde que tinha 11 anos nunca me tinha apercebido", nota Zymon. Pensaram levar ao palco o último álbum de Bowie, Blackstar, "porque é uma coisa que não vai acontecer", mas não houve tempo.
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Quando souberam que iam representar um artista, a convite do projeto Mais Música Mais Ajuda, pensaram que era desta que teriam de ir buscar "umas jeans e uma T-shirt", diz Ary. Que era desta que deixariam as máscaras alienígenas, como aquelas que usam quando tocam o seu mais recente álbum, Egotronic (2015), pretas, pontuadas por desenhos brilhantes em luz negra. Mas não.
"Com o David Bowie e com este repertório acho que faz todo o sentido fazermos o nosso aparato cénico. Vai ser igual ao espetáculo que estamos a apresentar." "Vai ser mesmo Blasted Mechanism does David Bowie", lança Zymon.
Depois deste tributo, diz ainda: "Acho que o pessoal vai começar a fazer mais notas." E, se não se registar propriamente uma descoberta na sonoridade dos Blasted Mechanism quando da sua jornada pelo planeta de Bowie, há, pelo menos, uma constatação: que os Blasted são uma banda transformista e de fusão, que funde estilos."
Chegam as cordas de Valdjiu, a bateria de Fred "Sync" Stone e a percussão de Winga. É estranho vê-los vestidos assim, vestidos "à civil", sem máscaras. Começa o ensaio. Ouve-se God Is An American. Antes de Heroes, o cão de Fred passeia-se pelo estúdio, cumprimentado pela guitarra de Zyumon.