Depois de meses de especulação, o antigo jornalista e comentador de extrema-direita Éric Zemmour lançou ontem a sua candidatura oficial à presidência francesa. O anúncio, num vídeo de quase dez minutos publicado nas redes sociais, surge na véspera das primárias do partido Os Republicanos, procurando assim fazer sombra à escolha de qual será o candidato da direita às presidenciais de abril. Há cinco nomes na corrida, sendo o vencedor conhecido no sábado.."Já não é tempo de reformar a França, mas de a salvar. É por isso que decidi candidatar-me às eleições presidenciais", disse no vídeo Zémmour, de 63 anos. O seu principal alvo são os imigrantes muçulmanos. "A imigração não é a causa de todos os nossos problemas, mas agrava-os a todos", acrescentou, defendendo que os franceses se sentem como "estrangeiros" no seu país. "Não seremos substituídos", referiu, dizendo avançar "para prevenir que os nossos filhos e netos vivenciem a barbaridade, prevenir que as nossas filhas acabem com véus e os nossos filhos sejam subjugados". No passado, as suas declarações valeram-lhe duas condenações por incitação ao ódio..O imoderado que veio baralhar as contas dos franceses.O anúncio é feito de forma grave pelo candidato, filho de um casal de judeus argelinos que imigraram para França, num cenário que a imprensa francesa diz fazer lembrar o famoso discurso de 18 de junho de 1940 do general Charles de Gaulle, em que apelava à resistência contra os nazis. Numa biblioteca, Zemmour fala diante de um microfone de estilo antigo, colocado em cima da mesa, ao som da Sinfonia n.º 7 de Beethoven, com o vídeo a mostrar também imagens de violência e dos candidatos às primárias da direita, além da presidente da câmara de Paris, Anne Hidalgo, que venceu as primárias socialistas, e do próprio presidente Emmanuel Macron (que ainda não oficializou a sua recandidatura). "Percebi que os políticos são impotentes, Macron a síntese dos seus dois antecessores em pior", defendeu..A eventual candidatura do polémico comentador, que tem sido comparado a Donald Trump por ser antissistema, começou a ser falada há meses. O seu livro La France n"a pas dit son dernier mot (A França ainda não disse a sua última palavra), publicado em setembro, vendeu mais de 250 mil cópias. E nas sondagens de outubro chegou a passar à frente da líder do Rassemblement National (ex-Frente Nacional), Marine Le Pen, que tem sido o rosto da extrema-direita em França. As últimas sondagens colocam-no contudo em terceiro, com 14% a 15% das intenções de voto, atrás de Le Pen (19%) e de Macron (25%). O primeiro grande teste a Zemmour será o seu primeiro comício, este domingo, em Paris..A candidatura de Zemmour é uma má notícia para Le Pen (que ainda há dias tinha apelado a que ele desistisse), mas também para a direita tradicional. Cinco candidatos apresentam-se às primárias d"Os Republicanos, que começam hoje e se prolongam até sábado e envolvem duas voltas. O resultado da primeira votação dos cerca de 140 mil militantes (por voto eletrónico) é conhecido na quinta-feira às 14.30 locais (13.30 em Lisboa), com os dois mais votados a avançar para a segunda volta. A corrida está totalmente aberta entre todos..Michel Barnier, de 70 anos, é o mais conhecido no exterior, por ter sido o negociador europeu do Brexit. Inicialmente surgiu como favorito, mas foi prejudicado pelo mau desempenho nos debates (e estava previsto um último ontem à noite). Já Xavier Bertrand, de 56 anos, é o atual presidente da região de Hauts-de-France e foi ministro do Trabalho e da Saúde de Nicolas Sarkozy. Surge nas sondagens como o mais bem colocado numa primeira volta das presidenciais..Outro candidato é Éric Ciotti, deputado por Nice. Tem 56 anos e algumas posições próximas de Zemmour - em quem disse que votaria caso houvesse uma segunda volta contra Macron. Já Philippe Juvin, de 57 anos, é autarca de um subúrbio de Paris e dirige os serviços de emergência de um hospital da capital, sendo o menos experiente na política. Ganhou popularidade com os comentários sobre os problemas que o sistema de saúde enfrenta, em plena pandemia..A única mulher na corrida é Valérie Pécresse, de 54 anos, que está à frente da região de Île-de-France (que inclui Paris). Tem uma posição mais de centro, defendendo que, com Macron, a França "perdeu cinco anos"..susana.f.salvador@dn.pt