Começaram por ser três, depois oito e, em menos de um ano, já são 110. Voluntários digitais, assim se definem. Fazem parte da Vost Portugal - Voluntários Digitais em Situações de Emergência. Na última crise energética, em abril, criaram a plataforma online #JánãoDáparaAbastecer, que foi consultada por mais de um milhão de pessoas. Com o pré-aviso da greve dos motoristas de matérias perigosas estão novamente no terreno, ou melhor, na internet, a informar os portugueses dos locais onde já não há combustível, mas também a "fazer pedagogia". Insistem: ainda não há greve, pode nem sequer haver, não é necessário esgotar o combustível e as televisões podiam evitar passar imagens da primeira paralisação e das filas para abastecer. É com este tipo de conselhos e explicações que fazem posts na página do Facebook e no Twitter, onde têm mais de 12 mil seguidores e onde tudo começou..Os três fundadores iniciais da Vost Portugal - Jorge Gomes, Marco Maia e Duarte Sousa - encontraram-se na rede social por altura dos incêndios em Monchique, no verão de 2018. Mas foi durante a passagem por Portugal da tempestade Leslie, em outubro desse ano, que se organizaram como grupo de voluntários. "Fazíamos o mesmo tipo de trabalho - recolher e partilhar informações úteis - e decidimos unir esforços", diz Jorge Gomes, um empresário de 48 anos, nascido no Alentejo mas a viver no Algarve..Todos os voluntários da Vost trabalham sem receber qualquer contrapartida financeira. São designers, informáticos, marceneiros, psicólogos, pilotos de aeronaves, bombeiros, elementos da Proteção Civil e das forças de segurança, empresários e estudantes. No início eram muito críticos das autoridades, principalmente da Proteção Civil, mas mudaram de registo. "Somos totalmente apolíticos. Por exemplo, não temos uma opinião sobre esta greve, é algo entre privados, vamos esperar que encontrem algum consenso. Mas se não encontrarem estamos preparados", afirma Jorge..Se houver greve, serão 60 os voluntários que irão ter como tarefa validar toda a informação recebida, como as bombas que já estão sem combustível e aquelas que podem servir de recurso. Desta vez querem ser ainda mais rigorosos. Em abril, houve quem desse informação errada de propósito. "Chegámos a ouvir, no café, pessoas dizer que iriam informar que determinada bomba já estava sem gasolina para poderem abastecer ao pé de casa e sem filas.".Quatro meses depois, a Vost tem mais gente a ajudar na validação das informações. Estão espalhados e até há voluntários que irão ajudar a partir de Bruxelas ou de um acampamento de escuteiros, como é o caso de Mário Santos. Os voluntários comunicam através de um servidor do Discord - uma plataforma utilizada por jogadores online. Usam os grupos de chat para alinhar posições, dividir tarefas, partilhar ideias. Poucas vezes usam o telefone e raras vezes se viram pessoalmente..Isabel Silva, psicóloga, também faz parte do grupo inicial de fundadores da Vost Portugal - são oito, no total. Companheira de Jorge Gomes, acabou por integrar a organização levada pelo entusiasmo do empresário. É a psicóloga quem traça o perfil dos voluntários. "São maioritariamente homens, jovens entre os 20 e os 30 anos, ligados às tecnologias e à meteorologia. São pessoas muito interessadas em emergência, em cuidar dos outros, querem fazer a diferença de alguma forma", diz..Cabe aos fundadores - aos oito voluntários iniciais - gerir a rede de colaboradores da Vost, um trabalho nada difícil, apesar de estes ultrapassarem a centena. "Gerimos pessoas altamente motivadas, por isso basta haver uma divisão clara de tarefas, um fio condutor, e tudo acontece", diz a psicóloga..Patrício Torres, de 47 anos, trabalha em informática e é também bombeiro voluntário. Juntou-se à organização em outubro de 2018, depois da tempestade Leslie. Diz que o motivo para o fazer é o mesmo que o leva a ser bombeiro. "Para ajudar o próximo." Não lhe sai da cabeça o horror dos incêndios de 2017, "onde a falta de informação e aviso à população podem explicar, em parte, a magnitude da catástrofe". Patrício Torres participou como voluntário nas operações em Oliveira do Hospital. "Ouvi testemunhos de pessoas que viveram situações indescritíveis." Fala também "do natural esgotamento da capacidade de resposta dos meios de socorro, naquela situação absolutamente excecional"..Foi convidado para se juntar à Vost e nem pensou duas vezes. Tal como os outros sete fundadores, colabora "nas operações diárias de vigilância das notícias, redes sociais, internet" e ainda "na conceção e produção de conteúdos e tecnologia de suporte às nossas operações". Para esta "ativação" - é assim que chamam ao trabalho que fazem em situações de emergência - vai ajudar "a manter os pratinhos todos a rodar", que é o mesmo que dizer que irá recolher informação, validá-la e transmiti-la aos seguidores da Vost - e são cada vez mais (em dois dias o site foi visitado por 165 mil pessoas, segundo estatística da plataforma)..Uma gerigonça tecnológica.O que está a Vost a fazer com esta anunciada crise energética é, uma vez mais, tentar "minimizar uma situação preocupante na vida das pessoas", explica Patrício Torres. "Sabendo onde há combustível é algo que tranquiliza as pessoas, e sabendo onde não há evita deslocações desnecessárias.".O trabalho de melhoramento da plataforma #JánãoDáparaAbastecer começou em abril, após o final da primeira greve dos motoristas de matérias perigosas, e cinco voluntários ficaram responsáveis pelo projeto. Mas foi um estudante de Engenharia Eletrotécnica e de Computadores, de 20 anos, que passou três semanas a criar o novo site. "O Miguel Santos foi quem levou este projeto às costas, é ele o pai desta nova versão", admite Jorge Gomes..O grupo de programadores da Vost criou ainda uma ferramenta exclusiva para entidades oficiais - a API. "É uma gerigonça tecnológica que permite a qualquer entidade oficial usar os nossos dados ou colocar lá os seus dados, e terá sempre prioridade", diz o empresário..A relação com as autoridades melhorou, depois de uma fase inicial em que não pouparam críticas, por exemplo, à Proteção Civil. Terá ajudado a entrada de voluntários vindos das forças de socorro e segurança. "Hoje temos uma ótima relação com a Proteção Civil e os canais abertos. Muitas vezes as instituições parecem-nos lentas, pesadas, e parece ser tão difícil a mudança, mas depois encontramos pessoas tão válidas que é um gosto trabalhar com elas. Temos de destacar a disponibilidade que têm tido em validar a nossa informação."."Calma aí com os jerricãs".Tal como Torres, que já era bombeiro voluntário e estava habituado a lidar com situações de emergência, Marco Maia pertence ao grupo identificado pela psicóloga Isabel Silva. Tem 23 anos e foi o seu interesse pelos fenómenos meteorológicos - colaborava com o site MeteoPT.com-pt - que o levou a encontrar os outros dois fundadores da Vost no Twitter. Desde outubro do ano passado, quando os fortes ventos e chuvadas trazidos pela Leslie derrubaram árvores e inundaram estradas que, apesar de viajar diariamente do Entroncamento, de onde é natural, até Coimbra, onde está a estagiar, não deixa de se preocupar e contribuir para a organização.."Na última semana, todas as horas livres serviram para ajudar o grupo a ultimar a plataforma. O meu trabalho é supervisionar e acompanhar o trabalho dos voluntários, gerir as redes sociais e garantir que estamos a comunicar bem", explica. À margem da crise energética que domina o espaço público por estes dias, o grupo de voluntários continua a publicar diariamente alertas meteorológicos, pedidos de ajuda para encontrar pessoas desaparecidas e também tenta dissuadir a população de mimetizar comportamentos que instalam o caos.."A greve ainda não começou e já está a decorrer", ironiza Maia. Durante o dia de ontem, a Vost Portugal partilhou vários tweets a apelar ao bom senso dos portugueses, enquanto vão traduzindo as informações das autoridades. "A declaração do estado de emergência energética pelo governo não quer dizer que não há combustível. Aliás, neste momento nem há greve em curso. Calma aí com os jerricãs...", pediam.