Na fase de mania (euforia), o mundo é maravilhoso, vamos aproveitar todas as suas possibilidades. Se tivermos dinheiro, o dinheiro vai. Há energia, criatividade. Sei que depois vem a depressão, o cansaço, a tristeza. E que a seguir à depressão vem a mania. São ciclos muito rápidos. O pior é o preconceito, não só em relação à doença bipolar como às doenças mentais em geral. As pessoas não percebem que é muito ténue a linha que nos separa de uma doença mental. Todos temos propensão para a desenvolver: só que em alguns manifesta-se, noutros não.".Marta Gomes, 42 anos, é doente bipolar, vive entre a alegria extrema (euforia) e a tristeza profunda (depressão). Detetaram-lhe a doença há 19 anos e só fala dela com os mais íntimos. No trabalho descobriram há três anos, não por ela. "Tive uma depressão brutal." Prefere que não saibam da sua doença por ouvir nas costas dos outros o que pensa dizerem de si quando não está presente. "O que é que lhe aconteceu? Fritou da pipoca outra vez.".Marta quer contribuir para a desestigmatização da doença e acha que é importante dar o testemunho, mas não quer ser identificada nas fotos. Teme que a tratem como "maluca", não gosta de que a olhem como especialmente frágil. É bom sentir a preocupação dos outros, é mau ouvir: "É fraquinha da cabeça, coitada, não se aguenta.".Tinha 23 anos quando ultrapassou essa "linha ténue que nos separa de uma doença mental". Licenciara-se em Gestão e Recursos Humanos, conciliou os estudos com o trabalho e uma vida social intensa. O copo transbordou quando foi ao casamento de um amigo no Canadá, em Toronto. "Até comentei com a minha mãe: se não tivesse comprado a viagem, não ia.".Pouco dormiu nesses dias. No regresso da viagem apenas descansou um dia. Voltou ao trabalho no dia seguinte e quando regressava a casa, de comboio, perdeu a noção do tempo. "Acordaram-me a dizer que era a última paragem, dormi das 19.00 à 01.00, entre o Rossio e Sintra. Tive um burnout (esgotamento físico e mental). Apanhei um táxi e fui para casa. Estava branca, não falava, os meus pais levaram-me para o hospital pensando que tinha tomado alguma coisa. A médica disse que era do foro psicológico. Estive dez dias a dormir consecutivamente.".Tinha alucinações e procurou um psiquiatra que lhe disse não ser possível ser tratada na consulta mas no hospital. Esteve internada um ano na ala psiquiátrica. Foi a primeira e a última vez, apesar das crises. As causas da sua doença são hereditárias, como na maioria dos casos..Ao fator hereditariedade, juntam-se causas sociais, como o stress e o excesso de trabalho. Atinge ambos os sexos e qualquer classe social. A sociedade atual é um problema e contribui para o aumento do número de doentes. Estima-se que existam 200 mil doentes bipolares em Portugal, com maior prevalência no escalão 18-34 anos..Ana, nome fictício, fala de como vive a doença do marido, mas sem serem identificados. Comenta na despedida: "Pode ser que daqui a uns anos estejamos a falar da doença e eu possa dizer o meu nome e o do meu marido. Gostava de que isso acontecesse, mas ainda não chegámos aí." É docente e investigadora, tal como o marido, ambos na casa dos 50 anos. Profissionais conhecidos e reconhecidos, que restringem a doença ao âmbito privado, alguma família e amigos. Fala para combater o estigma, para mostrar que se pode ter vida apesar da doença..Alerta: "É uma doença fácil de encobrir. Quando está doente, a própria pessoa percebe e calibra, disfarça, por outro lado, na maior parte dos períodos não está doente." O marido soube que tinha a doença há dez anos. Pertence à minoria que não tem causa hereditária conhecida. Teve duas crises, uma quando lhe foi diagnosticada a doença e outra há meses. Nunca esteve hospitalizado. Ana explica como se desenrola todo o processo: "Excesso de trabalho, muito stress, ansiedade, problemas de sono, surge a mania." Foi precisamente na fase de mania que se aperceberam de que algo não estava bem. O investigador tinha muita energia, falava de uma forma mais acelerada. Procuraram informação na internet, um especialista.. Mel Gibson, Mariah Carey, Rita Lee.O DN entrevistou cinco pessoas que, direta ou indiretamente, sofrem com a doença bipolar, mas apenas duas aceitam divulgar o rosto. Uma delas é Delfim Oliveira, um dos fundadores da Associação de Apoio aos Doentes Depressivos e Bipolares (ADEB), em 1991, e seu presidente desde 2000. Mas a nível internacional há cada vez mais celebridades a dizer que são bipolares: Rita Lee, Demi Lovato, Mariah Carey, Mel Gibson, Britney Spears, Russell Brand, Catherine Zeta-Jones, Sinéad O'Connor e a já falecida Carrie Fisher, entre outros. Em Portugal, apenas o escritor Pedro Paixão e o fadista Carlos do Carmo o revelaram. Florbela Espanca, Abel Salazar, Mário de Sá-Carneiro e Antero de Quental, já falecidos, foram outros casos..O psiquiatra António Sampaio defende que deveria haver campanhas para que os bipolares falassem abertamente da doença, como acontece com a diabetes ou o cancro, por exemplo. "Seria uma ajuda vital, porque esta doença mata mais do que o cancro.".Delfim Oliveira tem 72 anos, 32 dos quais com o diagnóstico de bipolar, 12 anos depois ajudou a fundar a ADEB, por necessidade. "Fundámos a associação para conhecer outras pessoas com a mesma patologia e que andavam à procura da cura. Percebemos, depois, que não tem cura (é uma doença crónica), mas tem tratamento.".Organizaram grupos de autoajuda, convívios, atividades ao ar livre. Em 1998 implementaram novas valências, nomeadamente o atendimento individual e as vertentes clínica e social. Vivem muito do voluntariado. Têm unidades dedicadas ao emprego e à reabilitação psicossocial (psicologia e psicoterapia). Os sócios pagam uma quota anual de 40 euros (há comparticipação consoante os rendimentos) e têm acesso aos serviços. Pagam nove euros por uma consulta na associação e têm desconto em médicos privados..A ADEB tem cinco mil sócios, mas destes só 10% a 15 % participam nas atividades. Ainda assim, diz Delfim Oliveira, é a associação na área da saúde mental com mais membros..Delfim tem sintomas da doença desde os 18 anos, mas só aos 40 descobriram o que tinha, durante uma crise de mania. Também no seu caso foi o "ritmo de trabalho infernal" que o levou ao limite. Esteve quase três meses sem dormir, demorou seis anos para estabilizar. "Há quem compare a fase de mania a tomar uma dose de cocaína, há médicos que dão essa representação. Há euforia, alegria, expansividade, atividade. Esse estado não dura sempre e, se não houver intervenção médica, pode ir para a depressão. Só aí é que reconhece que está doente", explica..Tem a doença bipolar I, tal como todos os outros casos aqui relatados. As crises graves oscilam entre a mania (que clinicamente não é entendida como uma obsessão, mas como euforia, alegria excessiva) e a depressão, ou tem sintomas mistos (depressão e mania misturados). Na bipolar II, a pessoa tem crises depressivas graves e fases leves de elevação de humor (hipomania). À depressão, segue-se uma energia e alegria fora do normal..Dora Paulo, 44 anos, jurista na administração pública, acabou de sair de um internamento hospitalar. É a sexta vez que é internada e na sequência de uma crise de mania. "Normalmente, estou três semanas no hospital, fico um mês em casa e depois vou trabalhar. Nesta última vez, fiquei dois meses em casa, porque tive dois internamentos seguidos", conta..Também Dora coloca o estigma com que é vista a doença entre os principais problemas. "As pessoas têm medo de falar abertamente sobre a doença, não têm de o ter. Toda a gente tem problemas, a doença só me faz ser um pouco diferente em relação aos outros. Não têm de se autoestigmatizar, há uma panóplia de artistas bipolares.".Diagnosticaram-lhe a doença há sete anos, tem causas hereditárias. Dora era chefe de divisão, trabalhava dez a doze horas por dia, às vezes, aos sábados e aos domingos. Coincidiu com a venda de uma casa que herdara do pai, entre outras "asneiras" que cometeu. Comprava compulsivamente coisas para os amigos que diziam ter dificuldades - a um ofereceu um computador de 1200 euros. De repente, toda a felicidade e agitação se apagou, teve um burnout. "A família internou-me contra a minha vontade.".Dora não para. Fundou as bases de um partido, uma associação, é ativista nas redes sociais, escreve poesia e, agora, tem um romance em mãos. "Os médicos têm de acalmar o meu cérebro para passar toda aquela euforia, receitam o lítio, que funciona como um travão, atua no meu neurotransmissor de serotonina, o neurotransmissor da felicidade. Desta vez, o médico deu-me um antidepressivo novo, que me dá esta energia, que é o que me falta quando tomo o lítio.".Não gosta de ficar muito parada, demasiado calma, e por isso deixa de tomar os medicamentos. Este é o principal problema no tratamento. As pessoas entram em euforia, o que até pode prolongar-se por dois a três meses, mas levam o dobro do tempo a recuperar, avisa Delfim Oliveira, que toma lítio há 32 anos..Luís Oliveira, 47 anos, é secretário da direção da ADEB e dá consultas. A sua formação é de neuropsicologia, está a tirar o doutoramento em Ciências da Educação, encontrando-se a desenvolver uma investigação que pretende avaliar O "impacto da aplicação de um programa de neuropsicoeducação/estimulação cognitiva em pessoas com diagnóstico de perturbação bipolar".Também faz estímulo cognitivo, através da pintura, do desenho, da música, do ioga, da dança e do teatro, etc. Cientificamente, estuda a tomada de decisão, a memória, a organização, "áreas muito afetadas quando as pessoas estão em depressão ou em fase de mania e hipomania", diz..Explica: "A pessoa bipolar perde a capacidade de atenção, fica dispersa, a memória episódica desvanece-se. A sua capacidade de decisão está muito afetada, tem de decidir com base em elementos que não correspondem à realidade. Tanto pode achar que as pessoas não gostam dela, que não vale a pena, como achar que é extraordinária e vai fazer um grande negócio, ou que é um pássaro. Tem comportamentos de risco.".Os medicamentos pretendem equilibrar esses estados de espírito, são estabilizadores de humor, normalizadores. O lítio (um mineral) é um estabilizador, utilizado na medicina desde 1949. Continua a ser o mais usado e é para a vida, a par de outros remédios, nomeadamente antipsicóticos e antidepressivos.. Chegar ao diagnóstico e aceitar.Luís é filho de Delfim Oliveira, conhece a doença do ponto de vista familiar e profissional. Sublinha que o fundamental é aceitar o diagnóstico, que considera ser uma proteção para o doente. "Caso contrário, terá crises, e cada crise deixa uma cicatriz no cérebro. Há quem não aceite, famílias que não percebem o que é a doença, o estigma está na própria pessoa, no trabalho, no local onde vive. A pessoa descompensa, entra numa espiral.".No campo do diagnóstico tem havido melhorias, embora Ana sublinhe que esta é uma doença que não tem um fator visível. "O diagnóstico é feito com base em sintomas, perceber que estar em baixo ou muito energética são fatores da doença. Se é um especialista, chega lá, caso contrário, é muito difícil. E se uma pessoa não acredita que tem a doença, pode omitir as evidências.".Há 20,30 anos, o diagnóstico chegava em média dez anos depois dos primeiros sintomas (confundiam com a esquizofrenia). Esse tempo reduziu para metade, também melhorou a terapêutica, assegura o presidente da ADEB. "Continua a haver muitos doentes que não estão diagnosticados, mas o conhecimento da sintomatologia da doença evoluiu muito e há muita informação na net, formas de fazer a autoavaliação. E as pessoas procuram mais precocemente um médico.".O marido de Ana é um caso de sucesso em vários capítulos, provavelmente porque aceitou o diagnóstico desde o primeiro momento. Em dez anos, apenas teve duas crises. O segredo: "Uma pessoa bipolar tem de ajustar o comportamento para prevenir as crises. Ajustar as exigências profissionais de forma a não perturbar os ritmos de sono (oito horas diárias), ter um estilo de vida saudável. É muito importante estar informado, ser responsável pela sua saúde, porque há sinais de alarme. Nenhuma pessoa acorda num episódio de mania ou de depressão, é gradual. Há aplicações para bipolares muito úteis, não dá para fazer uma avaliação e prevenir as crises", argumenta Ana..Numa viagem de Lisboa para Nova Iorque, por exemplo, o primeiro dia no destino é para regularizar o sono. Ela é que não aceitou a doença, ao contrário do marido. "Senti que o tinha perdido, foi um luto. A minha falta de informação e a minha ignorância sobre a doença fizeram que entrasse em pânico, chorei como se ele tivesse morrido. Ele teve uma reação muito mais construtiva." Tudo isso foi ultrapassado e, hoje, Ana fala do tema com uma grande sabedoria e lucidez. Muita da informação encontrou-a na internet, nos médicos, também na ADEB, onde frequenta o grupo de ajuda de familiares de doentes bipolares..Dora Paulo não aceitou logo. "Andei seis meses num psicólogo para perceber se tinha a doença, achava que o médico no hospital tinha sido demasiado rápido a fazer o diagnóstico." A família percebeu e tem sido fundamental na sua vida, apesar de todos os dissabores que reconhece ter-lhes provocado..Paula (nome fictício), 60 anos, comerciante, frequenta o grupo de familiares de bipolares na ADEB e também as consultas de psicoterapia. É a filha que é bipolar e não toma a medicação. "Sou bipolar, mas gosto mais de mim sem medicação, consigo fazer mais coisas", explicou ela à mãe..A rapariga trabalha na área da saúde, o diagnóstico surgiu quando gastou as suas poupanças num negócio da internet, o que a desestabilizou completamente. "Fez tratamento durante algum tempo, mas depois o médico não lhe deu a devida atenção e embirrou com ele, deixou de tomar a medicação", diz a mãe..Foi num momento de desespero que Paula contactou a instituição, há três anos, cuja existência até lhe foi comunicada pela filha, embora não a queira frequentar. "Um amigo suicidou-se e, depois disso, não conseguia contactar a minha filha. Liguei para a associação, desesperada, passaram-me logo à psicóloga. Não sei o que disse, mas falou-me de uma maneira que era a necessária", descreve Paula. Liga sempre que está mais preocupada, a última vez foi quando soube que a filha estava grávida..Encontrar-se com pessoas que têm os mesmos problemas, com os especialistas, é a grande valia que Paula atribui a este tipo de organizações. Antes, sentia que "chateava as amigas" com a sua história e os conselhos delas não a ajudavam. Está a aprender a lidar com a doença da filha, sobretudo com os seus maus-tratos verbais. "Foi mágico, agora vou uma vez por mês à consulta de psicologia, inicialmente era de 15 em 15 dias.".A psicóloga clínica Renata Frazão dá consultas na ADEB e é uma das dinamizadoras dos grupos de autoajuda. "Normalmente nos primeiros anos é difícil aceitar, depois há uma maior adequação da medicação, a pessoa estabiliza e tende a aceitar. E há quem nunca aceite, este é um processo muito individualizado, mesmo a terapêutica vai sendo ajustada caso a caso, consoante a altura do ano, a fase em que a pessoa está", diz..Utentes, especialistas e dirigentes associativos lamentam a falta de recursos. Os medicamentos são comparticipados, o problema são as consultas, caras no privado e raras no público, em que há pouca oferta de consultas da especialidade (psiquiatria e psicoterapia). Defendem que estes doentes não deveriam ser hospitalizados na ala psiquiátrica e pedem que a lei dos cuidados continuados e saúde mental tenha maior aplicabilidade.."A saúde mental continua a ser o parente pobre da saúde", critica Delfim Oliveira..Emprego e família são os primeiros a desabar."Não é fácil viver com um doente bipolar, acredito que seja motivo de separação", comenta Ana. Não é o seu caso. O marido sofre da doença e o casal tem mantido a família unida, o que parece ser uma exceção entre os doentes bipolares. "É difícil para todos. Temos dois filhos adolescentes e que foram informados numa forma adequada às suas idades. Estão mais preparados para se protegerem, até porque uma das causas da doença é o fator genético, embora não seja esse o caso do meu marido", explica..A investigadora nunca foi tentada a bater com a porta. Faz yoga e meditação, o que ajuda muito. E aprendeu a ultrapassar os desafios diários, com regras. Tudo o que sejam decisões importantes não devem ser tomadas de impulso. Deixa-se "marinar a ideia, depois ela equilibra". Não tem dúvidas de que manter um grupo familiar e social coeso ajuda a ultrapassar os momentos mais difíceis. "A primeira camada de proteção é a família, a segunda são os amigos, estou a falar de dois ou três, a quem ligo às duas da manhã a pedir ajuda.".Já o presidente da ADEB, Delfim Oliveira, divorciou-se pouco tempo depois de saber que tinha a doença. "Ela já não me aturava e eu também não." Fala da sua separação sem dramas, mas reconhece que é muito importante ter uma retaguarda familiar. Tem três filhos..Dora Paulo e Marta Gomes também acabaram por se divorciar, mas se Dora se pode apoiar nos pais, tios e primos, Marta não pode dizer o mesmo. "Tenho um primo na Bélgica e é como se fosse um irmão, mais ninguém." Ficam os amigos, alguém a quem pode entregar o cartão de crédito quando está na fase de mania. O consumo compulsivo é um sinal de alerta. "Somos muito manipuladores", admite Marta. Recorda um dos muitos episódios: "Fui à Baixa com o meu pai e gostei de uns sapatos, pedi-lhe para mos comprar. Respondeu que tinha muitos em casa. Atirei com os sapatos e disse: "Já não tenho." Ele teve força suficiente para me colocar no sítio.".Há casos em que é o doente que não aceita o apoio da família. Renata Frazão, psicóloga clínica, explica: "Temos muitas situações em que primeiro vem o familiar e só dois a três anos depois vem o doente. Aconselhamos que não seja o familiar o nosso interlocutor, mas um amigo, um médico, uma pessoa em quem o doente confie.".A filha de Paula é bipolar e tem uma relação difícil com a doença e mais difícil ainda com a mãe. "Sou o alvo, tanto me trata muito mal como quer proteger-me." Tiveram mais de dois anos sem se falarem, o que Paula até achou benéfico. Tem mais um filho, de quem tem dois netos, com quem se dá "muito bem"..Vidas muito complicadas.Marta Gomes sofreu abusos sexuais na infância. Os pais tiveram doenças complicadas que lhe trouxeram mais sofrimento. Tem uma relação conturbada com o irmão, mais velho, que inclui processos nos tribunais. Foi casada durante seis anos, mas não resultou. Recorda uma relação platónica de 17 anos e um companheiro que a abandonou quando soube da sua doença. Atualmente, está numa relação e diz-se "muito feliz". "Tenho perfeita consciência de que as minhas crises são motivadas por fatores externos. Caso contrário, consigo controlar. Aliás, a maioria das pessoas não imaginam que tenho esta doença", argumenta Marta, que faz biodanza, psicoterapia, medicina tradicional chinesa, arranjos florais e yoga..Já a Dora Paulo, que tem um filho, vale-lhe a família para a apoiar nas crises que já a levaram a seis internamentos. É a mãe quem paga quando está pior. "Quando estou na fase de mania, estou cheia de razões", diz. Promete não voltar a deixar de tomar a medicação, não quer perder o filho.."Transportam-se os conflitos para o trabalho, trazem-se os conflitos para a família, uma pessoa é posta à margem da sociedade", diz Delfim Oliveira. Resume numa frase o que considera serem os dois grandes problemas destes doentes bipolares: o divórcio e o desemprego. Reformou-se aos 43 anos. "Tinha um bom cargo e um bom ordenado, mas não aguentava o ritmo. Não consegui encontrar um emprego ao mesmo nível, acabei por me reformar. Trabalho como freelancer, temos de ser criativos.".Na administração pública ainda há compreensão para com os bipolares, "desde que não arranje conflitos". "Não é bem assim no privado", diz Delfim.."O mais comum é, depois de uma crise, a pessoa não conseguir acompanhar as tarefas e isso levar a uma situação de desemprego. Se tem um trabalho precário, é despedida. Se não é o caso, é o próprio que se despede por sentir que não é capaz", explica Carmem Gonçalves, responsável pelo Gabinete de Apoio e Orientação Profissional da ADEB. Acompanha 50 sócios, entre os 30 e os 50 anos. A taxa de sucesso na integração profissional é de 10% a 15 %. "O mais difícil é explicar a situação da pessoa às empresas. Vamos tendo alguns parceiros, o que nos possibilita a colocação mas ainda há muito estigma em relação à depressão e à doença bipolar", lamenta..Quando estes doentes conseguem estabilizar a doença, podem ser de uma grande mais-valia profissional. "As pessoas que têm mania de forma saudável são muito compensadas pela sociedade. Há quem tenha muito sucesso, como o meu marido [professor e investigador"., explica Ana. Marta, por exemplo, não abdica da "sensibilidade incrível" que ganhou com a doença. Já Dora destaca a sua criatividade.