Vítor Gaspar. Dívida e défice vão ser muito maiores do que se diz, sobretudo na Zona Euro
O peso da dívida pública e do défice orçamental (em função do produto interno bruto, PIB) vai ser muito superior ao que se prevê atualmente, avisou nesta semana o ex-ministro português das Finanças, Vítor Gaspar, no Fórum do Banco Central Europeu (Fórum BCE). Não se referiu ao caso português, mas estava a falar da Europa e da Zona Euro.
No seu comentário a um artigo científico da economista espanhola Evi Pappa apresentado no Fórum BCE (encontro anual que costuma acontecer em Sintra, mas que este ano teve de ser online por causa da pandemia), o agora diretor do departamento de assuntos orçamentais do Fundo Monetário Internacional (FMI), deixou bem claro que a situação económica e orçamental da esmagadora maioria dos países vai piorar bastante antes de melhorar.
Gaspar apontou o dedo à segunda vaga da covid-19. Os perigos para a economia e o emprego são reais e cada vez maiores, fez saber. E a incerteza é enorme, outra vez.
O responsável não se referiu à fermentação de uma recessão em W (duas quedas muito graves do PIB por causa das duas vagas da pandemia e consequentes confinamentos), mas deixou pistas nesse sentido. Parece que está a acontecer, segundo a bateria de dados e a análise do economista do FMI.
Nas últimas projeções do FMI para as quase 200 economias que existem no mundo (a recessão é a grande marca de 2020, mas 2021 parece agora mais incerto. Pode ser pior do que se imagina.
Gaspar referiu-se às últimas e recentes projeções para a atividade económica e para as contas públicas, mas disse que devemos começar a "considerar cenários alternativos".
Existe o tal cenário de base, central, mas "infelizmente, alguns riscos já se materializaram". O pior cenário está a concretizar-se aos poucos.
O antigo ministro do governo PSD-CDS, que aplicou o programa de ajustamento da troika entre 2011 e 2014, lembrou que "do lado positivo, o crescimento superou as expectativas no terceiro trimestre de 2020".
No entanto, "as últimas semanas estão associadas a uma segunda vaga de covid-19 na Europa".
"Confinamentos parciais foram adotados em muitos lugares" e "as respostas orçamentais públicas para apoiar as condições de vida resultarão em aumentos substanciais nos défices e nas dívidas".
Assim, concluiu, "a atividade económica e o emprego também serão afetados negativamente" e "o horizonte de médio prazo está, portanto, sujeito a incertezas particularmente agudas".
Na intervenção no Fórum BCE, Gaspar voltou a aparecer em defesa do investimento público para ajudar as economias nesta etapa tão difícil. E pediu para que se use o dinheiro disponível (os fundos europeus, subvenções ou empréstimos, e o ambiente de juros ultra reduzidos do Banco Central Europeu) de forma "produtiva", em "projetos de elevada qualidade" e que tudo seja feito com "transparência e responsabilidade".
O investimento de alta qualidade é aquele que é sustentável, gera crescimento e emprego no futuro e ajudará, assim, a pagar a dívida, referiu.
Nesse sentido, o ex-ministro tentou aliviar alguma pressão de curto prazo que os governantes possam sentir e pediu para estes não se precipitarem.
O FMI, que fazia parte da troika em Portugal, nem sempre advogou esta linha de pensamento. Durante os anos de chumbo do plano de austeridade até subestimou o efeito de medidas de corte na despesa pública e de aumento de impostos nas economias. É célebre a surpresa do FMI quando se deu conta no efeito enorme que algumas das suas políticas tiveram na subida em flecha do desemprego. Disse que tinha subestimado os "multiplicadores" no seu modelo.
E, dito isto, remeteu para o seu colega Alfred Kammer, diretor do departamento europeu do FMI, que se referiu ao caso de Portugal, nos encontros do FMI, em outubro.
"Portugal tem uma grande indústria turística. Isso significa que haverá efeitos domésticos. Portugal também é muito afetado pelas restrições nas viagens e pelas restrições em outros países. Por isso, o turismo é um dos setores que temos estudado de perto para ver como será afetado. E a segunda parte no que se refere a Portugal, são os desenvolvimentos em Espanha, que afetam também a evolução económica portuguesa", referiu Kammer a 21 de outubro.
"Nas nossas projeções, assumimos uma recuperação mais gradual do que a do governo português para o segundo semestre, mas depois assumimos também uma recuperação mais forte em 2021. Diria que são diferenças marginais que por vezes exprimem-se em diferenças maiores nos números, mas há muita incerteza em relação a todos os números de que estamos a falar", avisou o chefe do departamento europeu.
O governo espera uma recessão de 8,5% este ano, o FMI diz que pode chegar a uma quebra de 10%.
Segundo o ministro das Finanças, João Leão, o défice deve subir para 7,3% do PIB em 2020. Já o FMI estima 8,4%.
Na dívida, nova divergência. As Finanças apontam para um fardo de 134,8% do PIB, o FMI diz 137,2%.
Luís Reis Ribeiro é jornalista do Dinheiro Vivo