Agente da Amadora condenado pela segunda vez por agressões

A sentença que condenou um dos agentes agressores foi lida nesta semana. A direção nacional da PSP já tinha afastado o homem da atividade operacional, mas depois de a sentença transitar em julgado pode ser expulso da policia.
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Um agente da PSP da Amadora foi condenado a dois anos e oito meses de prisão - suspensos por dois anos - por ter agredido violentamente um homem durante o trajeto para a esquadra e depois nas instalações policiais. Vai também pagar dez mil euros de indemnização à vítima.

Filipe foi espancado, despido e obrigado a fazer flexões para gozo dos polícias. Eram vários, mas só um foi condenado: Vítor Bárcia, que já tinha antes sido condenado a pagar uma multa de 680 euros por ter dado uma chapada a um rapaz, sem motivo comprovado.

O agente da esquadra de Alfragide está desde a data dos factos, em 2015, afastado de funções operacionais e foi transferido para outro comando, onde faz trabalho de secretaria. A direção nacional da PSP instaurou-lhe um processo disciplinar e, segundo adiantou fonte oficial desta força de segurança ao DN, "após a notificação formal da sentença transitada em julgado", será apreciado "em sede de processo interno a pena a aplicar ao polícia".

Na prática, caso se mantenha a sentença após todos os recursos esgotados, Vítor Bárcia "poderá ser expulso da polícia ou ser sujeito a uma suspensão agravada de funções - seis meses sem trabalhar nem receber salário".

A sentença lida nesta sexta no tribunal de Sintra - onde também será lida a sentença de outros 16 agentes da mesma esquadra que foram acusados de tortura e racismo por outras agressões no mesmo ano - remete para maio de 2015, quando Bárcia e outros agentes entraram num restaurante na Amadora, para fazer uma fiscalização, pelas 23.20.

"Cambada de burgessos" e "broncos"

Um dos policias gritou "tudo lá para fora já, caralho!" a quem ali se encontrava. Um dos clientes, Filipe Reis, que estava a jantar, já tarde, depois de um longo dia de trabalho, foi encostado a uma grade no exterior e revistado. Filipe não gostou e reclamou. "Isto é uma atitude de broncos" e "cambada de burgessos", exclamou para os polícias.

Logo ali foi mandado algemar e levado para a esquadra. Uma agente, Ana Teixeira - também julgada neste processo, mas absolvida - empurrou-o contra a grade e deu-lhe uma pancada nas costas antes de o prender com as algemas. O tribunal considerou ainda como provado que, dentro da carrinha, os polícias desse grupo de fiscalização "desferiram vários murros na cabeça do ofendido e, fazendo uso das botas que calçavam, pisaram o mesmo na zona da cabeça e da face". Filipe "virou a cabeça para baixo para se defender" e gritava por "socorro".

Nessa altura, é descrito no acórdão do tribunal, Vítor Bárcia "inclinou-se para o ofendido e rodeou o pescoço do mesmo com os braços, apertando-o, causando-lhe dificuldade em respirar, ao mesmo tempo que afirmava que o iria matar".

Nu, espancado e a fazer flexões

Já na esquadra - a antiga de Alfragide onde está instalada a Esquadra de Intervenção e Fiscalização Policial, a mesma dos factos do megaprocesso de racismo - Filipe foi recebido, logo que chegou, com um pontapé na barriga da parte de Bárcia. Foi acompanhado à casa de banho, por um agente que a investigação do Ministério Público (MP) da Amadora que não conseguiu identificar, mandado despir "até ficar integralmente nu e fazer flexões de pernas".

Depois, vários agentes "começaram a desferir pancadas no corpo" de Filipe "com os cassetetes que possuíam atingindo-o na zona da cabeça, dos ombros e da perna". Até o advogado chegar ficou sentado num banco, enquanto vários agentes, entre os quais Vítor Bárcia, o atingiam com "bofetadas de mão aberta" quando se cruzavam com ele.

Perto das duas da manhã foi "levado de urgência para o hospital" com vários hematomas, traumatismos e escoriações. As dores "perduraram com mais intensidade durante duas semanas, bem como a angústia e o receio pela própria vida", e passou a ter "dificuldades em conciliar o sono por um período de tempo não apurado, bem como sentimentos de insegurança relativamente a abordagens e intervenções policiais".

Agentes mentiram

Os juízes ouviram várias testemunhas, incluindo os polícias que tinham participado na fiscalização, tendo concluído que os agentes, "a par de contradições insanáveis dos seis depoimentos, conjugados entre si e também à luz das declarações dos arguidos", demonstraram "ter apresentado de modo deliberado uma versão factual parcialmente falsa" dos acontecimentos.

Na sentença é sublinhado o facto de o comissário Carlos Catana, que comandava aquela esquadra - e que foi também uma das testemunhas abonatórias dos 16 agentes que aguardam a sentença pelas agressões a seis jovens da Cova da Moura -, ter mostrado no seu depoimento em tribunal "não possuir qualquer razão de ciência quanto aos factos em apreço, limitando-se a abonar favoravelmente os arguidos como pessoas e profissionais da PSP".

Antes deste julgamento, Filipe tinha sido obrigado a ir a tribunal, acusado pelos polícias por três crimes de ofensa à integridade física qualificada e dois de injúrias agravadas. Os agentes mentiram nas declarações do auto de notícia. Acabou por ser absolvido de todos os crimes, à exceção de um de injúria, pelo qual foi sancionado com uma admoestação.

Foi nesta altura que o MP da Amadora decidiu extrair uma certidão e dar uma volta de 180 graus no processo, embora apenas tenha conseguido acusar Bárcia e Ana Teixeira.

Apesar de já ter sido antes condenado por agressões, como essa sentença ainda não transitou em julgado, o tribunal atenuou a pena a Bárcia pelo facto de "não ter antecedentes criminais". Ainda considerou excessivo o pedido de 40 mil euros de indemnização requerido por Filipe Reis, reduzindo o valor para dez mil euros.

"O arguido agiu no exercício das suas funções de agente de uma força de segurança pública, em conjunto com vários outros elementos desta, com elevada agressividade física e verbal, ademais claramente despropositada, alheado dos seus deveres de proteção do cidadão e da comunidade enquanto polícia", é escrito no acórdão. Vítor Bárcia "procurou fazer vingar uma versão dos factos que sabia não corresponderem à verdade, denotando incapacidade de interiorizar a ilicitude da sua ação. O dolo com que o arguido atuou foi direto e, portanto, de intensidade elevada".

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