Mais vale ser direto e avisar à partida que Ma Rainey's Black Bottom vai ser sobretudo falado por incluir a interpretação final da estrela Chadwick Boseman, falecido este ano. E a verdade é que o filme de George C. Wolfe merece ir para além disso, mesmo considerando que a sua grande força esteja nas performances dos atores, as de Chadwick e Viola Davis. Performances mais do que interpretações. São atores a representar com uma inspiração nos limites, com sangue e suor. Ele já com sinais de deterioração física (estava nos tratamentos derradeiros do seu cancro no cólon), ela a espantar por um olhar e voz rasgados e tristes..YouTubeyoutubeJzXB1xhAV30.Baseado na peça teatral de August Wilson, esta é a história de uma sessão de gravação de um disco da mítica Ma Rainey, a primeira diva dos blues a ter a sua voz gravada em disco e percursora de um estilo. A história anda à volta das picardias com o estúdio, os ciúmes entre os músicos e os bastidores de um dia quente na grande cidade. No centro de tudo está a pose orgulhosa e caprichosa de Ma Rainey, alguém que é capaz de ter birra quando não lhe dão Coca Cola ou quando duvidam das capacidades de apresentador do seu sobrinho. Por outro lado, Ma enfrenta também Levee (Boseman), o seu trompetista ambicioso, alguém fascinado pelo seu próprio talento e com delírios de grandeza. A dada altura, devido a um novo arranjo de um tema, entra em rota de colisão com a sua cantora..A câmara de Wolfe folheia com classe e aprumo um imaginário de histórias lendárias do mundo dos "blues". Mesmo em modo de "huis-clos"- quase tudo se passa dentro de um estúdio velhinho de Chicago - há um olhar com intenções de cinema, mesmo no modo de captar a música e a sua respiração. Uma autenticidade que não colide com o próprio jogo de rimas de espaços cénicos. O teatro está lá mas a montagem traz um dinamismo que nunca se deixa cair no mero "teatro filmado". Aliás, os clímaxes dramáticos são tantos que até parecem ganhar uma carga de suspense. Nesse aspeto, é um filme da mesma família de Vedações (adaptação também de August Wilson), de Denzel Washington, por sinal, aqui nas funções de produtor..Se por vezes, estamos na presença de um conto sobre a incomunicabilidade entre músicos que apenas se entendem quando os instrumentos tocam, Ma Rainey- A Rainha do Blues, escapa ao libelo do filme com "tema do passado para falar do presente". E ainda bem, por muito que o exemplo de Ma Rainey sirva para vincar o racismo na indústria discográfica. George C. Wolfe prova ser um cineasta mais interessado no fogo e na vibração do confronto de egos e da evocação de uma tradição da sub-cultura musical. E fá-lo com uma noção insidiosa de conto sobre a miséria humana, tão compacta que se torna impossível tirar os olhos do ecrã..Nesta altura, nas conjeturas da campanha dos Óscares que já começaram, Ma Rainey- A Mãe do Blues estará longe dos mais cotados, mas nas categorias de melhores atores, Chadwick Boseman e Viola Davis estão mais do que garantidos. São soberbos, ficam na história....*** Bom