Dizem que Macbeth é uma peça amaldiçoada - foi com ela que os Lisbon Players se despediram, em 2019, da sede que ocupavam desde 1947. Passado mais de um ano, continuam sem teto para atuar. Mas esta é uma história sem bruxas nem profecias, só uma realidade bastante prosaica: a companhia teatral teve de deixar o Estrela Hall, o edifício onde esteve durante mais de 70 anos, na sequência da venda do chamado quarteirão inglês a um investidor privado. Os edifícios do quarteirão vão agora ser transformados num condomínio privado. Sem espaço para a companhia..Stephen Bull e Jamie Darke, membros da associação teatral, contam ao DN que a solução que se desenhou por altura da venda dos edifícios (em 2016) e que passava pela disponibilização de um espaço alternativo - ou no próprio quarteirão inglês ou numa localização próxima - nunca se concretizou. Fechada essa porta, ainda em 2019 começaram as conversas com a Câmara de Lisboa no sentido de encontrar outro local para sediar o grupo. Até agora sem respostas concretas. Chegou a ser ponderada a hipótese de uma igreja desativada no bairro da Graça, mas ambos argumentam que os custos de readaptação do edifício para teatro seriam incomportáveis..O grupo alugou, entretanto, um espaço à Associação Desportiva e Cultural da Encarnação e Olivais, onde guarda os equipamentos, adereços, cenários, o guarda-roupa, o que sobrou do bar e da cozinha que havia no Estrela Hall, mais os 99 assentos que lá existiam. É para este edifício que o grupo de teatro olha agora, na perspetiva de encontrar novo poiso. A associação tem um antigo cineteatro, agora "sem licença para apresentações", que os Lisbon Players admitem que poderia ser uma solução. Mas o edifício e a envolvente estão em mau estado, à espera de uma avaliação da Proteção Civil, e a precisar de uma requalificação - e neste ponto teria de entrar a autarquia. O DN pediu informação à Câmara de Lisboa, mas não obteve resposta..Lisboa. Quarteirão inglês será convertido em condomínio privado.Companhia de teatro amadora, onde a regra é o voluntariado ("não temos ninguém pago"), os Lisbon Players são uma associação cultural sem fins lucrativos, com representações em língua inglesa. Stephen Bull faz questão de sublinhar que não se trata de teatro para ingleses - "O teatro é em inglês, não é para ingleses. 55% dos nossos membros são portugueses, 25% a 30% ingleses, os restantes de outras nacionalidades". O público, garante, também é maioritariamente português. "Muitos atores portugueses começaram ou passaram pelos Lisbon Players - Catarina Wallenstein, Filomena Cautela, Paula Lobo Antunes [que protagonizou o último Macbeth]". À lista pode somar-se Simão Cayatte, Maya Booth, Victoria Guerra - vários desses nomes juntaram-se em 2016 no Estrela Hall, num apelo que se revelaria infrutífero ao não encerramento do espaço. Shakespeare, Samuel Becket (a estreia de À Espera de Godot teve direito a uma visita da PIDE, que deu autorização à encenação por ser num "idioma estrangeiro"), George Bernard Shaw, Ionesco, Edward Albee ou Harold Pinter foram alguns dos dramaturgos encenados..O início da história que haveria de levar os Lisbon Players ao Estrela Hall em 1947 é quase contemporâneo de Shakespeare. O edifício tem nas traseiras o Cemitério Inglês, que resulta de um tratado assinado em 1654 pelo governo de Oliver Cromwell e D. João IV, que previa a criação de um espaço para a sepultura de não católicos. Mais tarde juntam-se-lhe os terrenos contíguos, cedidos pela Coroa portuguesa, onde vêm a ser construídos o Hospital Inglês e o Estrela Hall. Em 2009 a embaixada inglesa invoca usucapião (uma figura legal que se sustenta num uso de longa duração) para reclamar a propriedade desses terrenos. À data, a antever o desfecho que se viria a concretizar uma década depois, os Lisbon Players contestaram a decisão, mas perderam - a propriedade inglesa foi reconhecida judicialmente..Em 2013, conhecida a intenção de venda dos edifícios, o caso chegou à Câmara de Lisboa, que qualificou a companhia teatral como uma instituição de "elevado interesse cultural" para a cidade. A Assembleia Municipal aprovou então por unanimidade uma recomendação em que apontava os Lisbon Players como a "mais antiga companhia teatral em atividade contínua em Lisboa", "parte integrante e insubstituível da vida cultural de Lisboa". O documento recomendava que a câmara exercesse o direito de opção sobre o negócio e que não permitisse a conversão para outro uso do Estrela Hall, classificado como um equipamento..Não aconteceu nem uma coisa nem outra (o edifício foi reconvertido para habitação) e o contrato fiduciário que a companhia tinha no Estrela Hall não permitiu outro desfecho que não a saída. Sem teto, os Lisbon Players deixam um apelo: "Precisamos de uma base permanente, mas sozinhos não conseguimos. Se não tivermos ajuda vamos morrer"..susete.francisco@dn.pt
Dizem que Macbeth é uma peça amaldiçoada - foi com ela que os Lisbon Players se despediram, em 2019, da sede que ocupavam desde 1947. Passado mais de um ano, continuam sem teto para atuar. Mas esta é uma história sem bruxas nem profecias, só uma realidade bastante prosaica: a companhia teatral teve de deixar o Estrela Hall, o edifício onde esteve durante mais de 70 anos, na sequência da venda do chamado quarteirão inglês a um investidor privado. Os edifícios do quarteirão vão agora ser transformados num condomínio privado. Sem espaço para a companhia..Stephen Bull e Jamie Darke, membros da associação teatral, contam ao DN que a solução que se desenhou por altura da venda dos edifícios (em 2016) e que passava pela disponibilização de um espaço alternativo - ou no próprio quarteirão inglês ou numa localização próxima - nunca se concretizou. Fechada essa porta, ainda em 2019 começaram as conversas com a Câmara de Lisboa no sentido de encontrar outro local para sediar o grupo. Até agora sem respostas concretas. Chegou a ser ponderada a hipótese de uma igreja desativada no bairro da Graça, mas ambos argumentam que os custos de readaptação do edifício para teatro seriam incomportáveis..O grupo alugou, entretanto, um espaço à Associação Desportiva e Cultural da Encarnação e Olivais, onde guarda os equipamentos, adereços, cenários, o guarda-roupa, o que sobrou do bar e da cozinha que havia no Estrela Hall, mais os 99 assentos que lá existiam. É para este edifício que o grupo de teatro olha agora, na perspetiva de encontrar novo poiso. A associação tem um antigo cineteatro, agora "sem licença para apresentações", que os Lisbon Players admitem que poderia ser uma solução. Mas o edifício e a envolvente estão em mau estado, à espera de uma avaliação da Proteção Civil, e a precisar de uma requalificação - e neste ponto teria de entrar a autarquia. O DN pediu informação à Câmara de Lisboa, mas não obteve resposta..Lisboa. Quarteirão inglês será convertido em condomínio privado.Companhia de teatro amadora, onde a regra é o voluntariado ("não temos ninguém pago"), os Lisbon Players são uma associação cultural sem fins lucrativos, com representações em língua inglesa. Stephen Bull faz questão de sublinhar que não se trata de teatro para ingleses - "O teatro é em inglês, não é para ingleses. 55% dos nossos membros são portugueses, 25% a 30% ingleses, os restantes de outras nacionalidades". O público, garante, também é maioritariamente português. "Muitos atores portugueses começaram ou passaram pelos Lisbon Players - Catarina Wallenstein, Filomena Cautela, Paula Lobo Antunes [que protagonizou o último Macbeth]". À lista pode somar-se Simão Cayatte, Maya Booth, Victoria Guerra - vários desses nomes juntaram-se em 2016 no Estrela Hall, num apelo que se revelaria infrutífero ao não encerramento do espaço. Shakespeare, Samuel Becket (a estreia de À Espera de Godot teve direito a uma visita da PIDE, que deu autorização à encenação por ser num "idioma estrangeiro"), George Bernard Shaw, Ionesco, Edward Albee ou Harold Pinter foram alguns dos dramaturgos encenados..O início da história que haveria de levar os Lisbon Players ao Estrela Hall em 1947 é quase contemporâneo de Shakespeare. O edifício tem nas traseiras o Cemitério Inglês, que resulta de um tratado assinado em 1654 pelo governo de Oliver Cromwell e D. João IV, que previa a criação de um espaço para a sepultura de não católicos. Mais tarde juntam-se-lhe os terrenos contíguos, cedidos pela Coroa portuguesa, onde vêm a ser construídos o Hospital Inglês e o Estrela Hall. Em 2009 a embaixada inglesa invoca usucapião (uma figura legal que se sustenta num uso de longa duração) para reclamar a propriedade desses terrenos. À data, a antever o desfecho que se viria a concretizar uma década depois, os Lisbon Players contestaram a decisão, mas perderam - a propriedade inglesa foi reconhecida judicialmente..Em 2013, conhecida a intenção de venda dos edifícios, o caso chegou à Câmara de Lisboa, que qualificou a companhia teatral como uma instituição de "elevado interesse cultural" para a cidade. A Assembleia Municipal aprovou então por unanimidade uma recomendação em que apontava os Lisbon Players como a "mais antiga companhia teatral em atividade contínua em Lisboa", "parte integrante e insubstituível da vida cultural de Lisboa". O documento recomendava que a câmara exercesse o direito de opção sobre o negócio e que não permitisse a conversão para outro uso do Estrela Hall, classificado como um equipamento..Não aconteceu nem uma coisa nem outra (o edifício foi reconvertido para habitação) e o contrato fiduciário que a companhia tinha no Estrela Hall não permitiu outro desfecho que não a saída. Sem teto, os Lisbon Players deixam um apelo: "Precisamos de uma base permanente, mas sozinhos não conseguimos. Se não tivermos ajuda vamos morrer"..susete.francisco@dn.pt