O primeiro-ministro francês abandona hoje funções, resultado da sua entrada nas eleições presidenciais de 2017. Decisão que Manuel Valls justificou ontem por se sentir "revoltado" com o estado da esquerda no país..A esquerda francesa não só se encontra dividida entre diferentes correntes e projetos concorrentes no interior do Partido Socialista e noutros setores desta família política como as sondagens, em resultado desta pulverização e do desempenho do presidente François Hollande, têm dado como adquirido, até agora, que não haverá um candidato de esquerda na segunda volta das presidenciais, marcada para 7 de maio do próximo ano. Valls considerou inconcebível que a esquerda "esteja ausente" de um ato eleitoral como as presidenciais..Valls anunciou a candidatura ao Eliseu numa intervenção na Câmara de Evry, subúrbio de Paris, a que presidiu entre 2001 e 2012. Na ocasião, garantiu que quer "conduzir a esquerda à vitória" e evitar o "traumatismo de 2002", quando o líder da extrema-direita, Jean-Marie Le Pen, passou à segunda volta afastando o socialista Lionel Jospin..A intervenção de Valls foi claramente à esquerda, contrastando com as referências a que surge habitualmente conotado entre os socialistas, onde Valls é visto como um liberal em questões económicas e um conservador em matéria de segurança e liberdades públicas. Esta inflexão de discurso é fundamental para garantir o apoio dos socialistas numas primárias em que, notava-se ontem nos media franceses, aparece como claro favorito entre outras sete presenças confirmadas, que vão de socialistas a elementos de outros partidos, como os ecologistas e o centro-esquerda do MoDem. O outro candidato de maior peso é Arnaud Montebourg, antigo ministro da Economia que se demitiu em 2014, pouco depois de Valls assumir a chefia do executivo, por considerar que este enveredara por políticas de direita..Uma sondagem do último fim de semana no Journal du Dimanche mostrava que o eleitorado prefere ver na segunda volta das esquerdas Valls, com 51%, e Montebourg, com 49%. Números que sugerem não ser um dado adquirido a vitória do primeiro-ministro demissionário..A somar a este quadro, para contrariar no plano dos factos aquilo que Valls definiu como a inevitabilidade "de a extrema-direita estar na segunda volta (...) e François Fillon ser presidente", aquele tem de conquistar votos à esquerda para além dos socialistas, o que não é um dado adquirido. O seu perfil de governante sempre foi criticado no partido como, principalmente, na restantes esquerda. Mas ontem Valls cultivou um discurso otimista, declarando "nada está escrito de antemão"..A capacidade de recolher votos na esquerda é determinante para Valls ter hipótese de passar à segunda volta, neutralizando as pretensões de figuras como o antigo ministro da Economia Emmanuel Macron, que se desvinculou dos socialistas e se apresenta com um programa mais centrista e que está a originar alguma turbulência nesta área. A direção do partido ameaçou com sanções e a expulsão os quadros e militantes que apoiem Macron. O que parece não ter intimidado os que, até agora, fizeram esta opção..[artigo:5530099]