Se um dia for feita uma banda sonora dos primeiros meses de pandemia em Portugal, lá pelo meio ouvir-se-á com certeza o tema Fogo Fera, à boleia do qual o álbum 100% Carisma, o segundo de Vaiapraia, se tornou num caso sério de popularidade. E só não o foi mais porque faltou aquele passo fundamental para a afirmação de um disco, o palco, especialmente para um trabalho assim, cheio de nervo, sem falsos pudores e direto ao assunto. "Ainda demos alguns concertos depois do primeiro confinamento, com lotações limitadas e toda a gente de máscara, mas ficou a mesmo sensação de que este álbum merecia muito mais palco", admite Rodrigo Vaiapraia, cuja vida também mudou muito desde o início da pandemia..Logo em março de 2020, a seguir ao início do primeiro confinamento, soube que tinha entrado para um mestrado em escrita criativa em Glasgow, com uma bolsa da Gulbenkian. Uma mudança que seria temporária, mas acabou por se tornar um pouco mais permanente, como conta ao DN: "Conheci lá o meu atual namorado e decidi ir viver com ele para Londres". Como consequência de todas estas mudanças, o projeto Vaiapraia ficou em pousio, tal como a música. "Em Glasgow ainda fui fazendo algumas coisas, mas depois desliguei-me um pouco da música, até porque estava a estudar escrita e o meu foco era outro", recorda. Durante este período fez apenas a banda sonora da peça teatro Essa Coisa Chamada Amor (Dez anos Depois), para o coletivo multidisciplinar Plataforma 285, que, por coincidência, também estreou a semana passada no CCB, em Lisboa.."Agora já me sinto mais à vontade para trabalhar à distância e depois, se calhar, vir cá passar algum tempo com a banda, até porque sinto muitas saudades de escrever e cantar em português", assume. E o facto de viver já há mais de um ano no Reino Unido também lhe aumentou a vontade de cantar em inglês, mas isso, reconhece, "já não seria Vaiapraia", seria outra coisa. "Gosto muito de escrever em inglês, até porque isso me permite descobrir outros caminho também em português, mas ainda não sinto muita vontade de escrever canções em inglês", afirma..Ricardo estreou-se enquanto Vaiapraia em 2016, na companhia das Rainha do Baile, com quem coassinou o álbum 1755, um registo cru e direto sobre a realidade queer, que à época representou algo completamente novo na música independente nacional, até pela mensagem assumidamente feminista. Quatro anos mais tarde, 100% Carisma, elevava mais uma vez a fasquia, com uma produção mais cuidada a demonstrar que a música (e letras) de Vaiapraia sobrevivia à visceralidade punk do primeiro disco, embora sem nunca a renegar, através de uma produção mais cuidada, a cargo de Luís Severo e do brasileiro Adriano Cintra, cofundador do grupo Cansei de Ser Sexy.."A ideia é ainda apresentar este disco durante mais algum tempo, mas não sabemos quando nem como", refere. E é também por isso que este concerto no Musicbox, em Lisboa, é tão especial, por ser, para já, único. "Vai ser uma mistura de apresentação do disco com uma grande festa, porque já não tocamos há tanto tempo que, só por isso, vai ser muito bom", sublinha, prometendo um espetáculo à imagem de Vaiapraia, "simples, despido e muito à vontade". E até confessa algum nervosismo, mas apenas porque ainda não recuperou totalmente de um acidente que teve no verão passado. "Parti o tornozelo no verão e ainda estou um pouco limitado fisicamente, mas ao mesmo tempo isso também é um desafio, que me obriga a pensar o palco de outra maneira, talvez de um modo até mais performático", considera. Quanto ao resto, depende do momento: "Tenho de ler a sala, perceber como está o público, como eu próprio me sinto e do que aconteceu à minha volta e no mundo nesse dia, porque uma pessoa não se desliga e tudo influencia o que acontece em palco"..Musicbox, Lisboa. 6 de dezembro, segunda-feira, 22h. €7.dnot@dn.pt