Porque a memória tende a trair-nos à medida que os anos vão passando, proponho uma curta viagem sob a sua orientação..A última Grande Guerra Mundial assinalou o início da renovação política europeia. A partir daí os Estados Democráticos empenharam-se com afinco para manter a estabilidade no pós-guerra, sendo que grande parte dessa missão se fez com recurso ao apaziguamento das ideologias mais extremistas..Os extremismos, quer sejam de esquerda ou direita, marcaram a história contemporânea da Europa. E continuando amparado pelos trilhos da memória, os feitos da extrema-direita e extrema-esquerda europeias, sobretudo no Séc. XX, não se desvaneceram. O sofrimento causado, os milhões de vidas reclamadas, fosse do outro lado da Cortina de Ferro, onde "uma morte era uma tragédia, um milhão uma estatística", ou a partir do centro do Reich que governaria por mil anos, as visões mais afuniladas não trouxeram nada de bom ou estruturante..O impacto desses modelos governativos autocráticos causou tal aversão e receio, que os Estados Democráticos ocidentais se organizaram para criar outras correntes doutrinárias..O Socialismo Democrático, a Social Democracia e a Democracia Cristã, pautadas por mais equilíbrio, bom-senso, respeito pelas diferenças e pelo outro, conseguiram afirmar-se como as novas forças políticas. Ainda que entre si existissem consideráveis diferenças, não estivesse em causa a esquerda e a direita, Liberais e Conservadores, todas essas correntes tinham em comum o que os extremos não tiveram - e não têm..O resultado dessa reforma partidária levou os Estados da Europa - Portugal incluído - a colocar os cidadãos no centro da sua ação política. O mesmo é dizer que, ligeiramente mais à esquerda ou direita, entre eles partilham uma agenda onde as Pessoas aparecem em primeiro lugar. Portanto, a Europa passou a ter uma agenda social na qual se afigura a Escola Pública, a Segurança Social ou o Serviço Nacional de Saúde..Se tudo parecia conforme, a questão que paira no ar é o porquê do surgimento de alguns movimentos extremistas por essa Europa fora - Portugal incluído. Outro dogma passa por enquadrar a maior aceitação dos extremos à esquerda do que à direita..Talvez se deva a dois fatores essenciais. O primeiro será de ordem ideológica, isto é, as ditaduras de direita põem em prática as suas convicções e o resultado obtido é aquele que se prevê. Já os regimes ditatoriais de esquerda não aplicam a génese da ideologia, mas sim a condução de uma prática ideológica abusiva. O segundo fator, menos doutrinário, alicerça-se no facto da Europa ter estado sob o jugo do poder autoritário da extrema-direita há apenas 75 anos. Por isso há ainda uma nuvem negra que não se dissipa..Voltando ao crescimento atual dos extremos, há desde já um dado que pode ser elevado: os Estados precisam de rever e atualizar as prioridades que definem para os seus cidadãos..É essencial fortalecer o sentimento de inclusão e representação nos rumos da nação. As Pessoas precisam de sentir que o Estado "toma conta delas", tanto no plano individual como coletivo. E no coletivo inserem-se todos os cidadãos, sem exceções. O indivíduo não procura romper com o sistema, mas sim reconciliar-se com ele..Quando se repriorizar e a reconciliação for alcançada, o Estado e cidadãos deparar-se-ão com uma estrada bifurcada: por um lado, crescerão os deveres das Pessoas para com o Estado, numa relação que se espera mais dinâmica e participativa, por outro o Estado e seus representantes têm de conseguir a credibilização dos seus atos através do mérito exemplar e do bom-senso..Finda a viagem pelo hipocampo, vislumbra-se o óbvio: o radicalismo não é solução para coisa nenhuma. A resolução dos problemas e insatisfação das Pessoas faz-se por via da perceção do contexto em que se inserem, das suas necessidades, do envolvimento e proximidade. Não se fará com proibições partidárias, com respostas imediatas ou retaliações à moda da Lei de Talião. O caminho é dos extremos para o centro. Onde todos somos precisos e a tolerância e respeito pelo próximo são o denominador comum.