Foi em 1888 que Alfred Jarry, um dos mais excêntricos e criativos nomes da dramaturgia francesa, decidiu escrever , com apenas 15 anos, sobre o seu esquisito e grotesco professor de Física, alvo do ridículo por parte dos alunos. Assim nasce o Ubu Rei. Estreado em Paris, em 1896, a peça foi considerada um verdadeiro escândalo, sem se saber, contudo, se algum dia o tal professor chegaria ao topo! Mas este Rei Ubu sim. E não o faz com meias medidas. Usurpa o trono ao anterior, assassinando-o, comete todo o tipo de crueldades, é desumano quanto baste com os que estão perto e longe, e, de forma brutal e sanguinária, deixa o país na miséria..O Mestre Ubu é então uma figura monstruosa e covarde, ao ponto de nos pôr às gargalhadas, tal é o traço nonsense do tirano que pratica uma política catastrófica em torno do seu próprio interesse, causando a ruína ao redor. Um verdadeiro absurdo que pretende ser uma metáfora assustadora e cíclica com eco na realidade política internacional, até porque qualquer semelhança com a realidade não é aqui pura coincidência. Uma criação do Teatro do Bairro, onde o encenador António Pires pretende provar isso mesmo neste Ubu Rei, da autoria de Alfred Jarry, autor pioneiro do Teatro Absurdo, a partir da versão e adaptação de Alexandre O"Neill e Luís Lima..Foi Luísa Costa Gomes, com quem António Pires trabalha no Teatro do Bairro, que o incentivou a conhecer a tradução de O"Neill e Lima cuja publicação foi censurada em 1962. Segundo o próprio autor, a peça chegou a ser ensaiada por um grupo de amadores do Porto, mas travada pela censura na altura..António Pires contextualiza. "Eles sabiam perfeitamente que a peça nunca passaria na censura e então divertiram-se (...) isto é tudo feito com base no divertimento e na sátira, este texto é um bocadinho surreal, tem um lado absurdo e de sátira bem real", revela. O próprio cenário não é um palco qualquer, há uma espécie de tanque ou espelho de água como elemento fulcral nas cenas - "ainda pensei em fazer com petróleo, mas ia ficar muito caro" - e há um gato que passa lá atrás e gaivotas a sobrevoar a noite de verão lisboeta, não assim tão quente para agosto. A Lua também está na ficha técnica. "Ontem a Lua apareceu por aqui dentro do espelho de água, hoje não a vi!", diz o encenador, entre risos..Depois do ensaio de imprensa, em pleno "palco" do Museu Arqueológico do Carmo, ao ar livre, recorda o momento em que se lembrou automaticamente do personagem, na miscelânea entre o real e o fictício ou vice-versa."Isto é sobre o Trump! Quando ele ganhou as eleições, lembrei-me logo desta peça, aliás, até foi antes, quando ele começou a publicar no Twitter, são coisas absolutamente incríveis, é o ridículo agarrado ao poder, quase uma birra de miúdo, à descarada, sem vergonha, e a fazer-nos rir!", contou o encenador após o ensaio de imprensa, dizendo que não é só Donald Trump que figura na lista dos supostos "reis Ubus" atuais..Para este Ubu Rei, em cena no Museu Arqueológico do Carmo até 20 de agosto, António Pires contou com os alunos finalistas da Act School como parte do elenco que se mistura com os atores profissionais Alexandra Rosa, João Barbosa, Mário Sousa e Rafael Fonseca.