Uma estrela feita em "esparguete". Ou uma nova descoberta sobre os buracos negros

Cientistas viram pela primeira vez como um buraco negro expele, sob a forma de luz, parte da estrela (idêntica ao Sol) que engoliu. Investigador do Técnico integrou equipa.
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Nem de propósito. Menos de uma semana depois de os buracos negros terem sido verdadeiras estrelas dos prémios Nobel deste ano, chega mais uma novidade sobre estes objetos cósmicos, que mostra preto no branco aquilo de que eles são capazes, e confirma uma vez mais as previsões teóricas dos astrofísicos.

Desta vez, os cientistas conseguiram observar em grande detalhe, como nunca antes tinha acontecido, a forma brutal como um buraco negro supermassivo engole uma estrela idêntica ao Sol: à sua aproximação, desfá-la, e depois incorpora uma parte do seu material e emite a outra parte sob a forma de um imenso clarão de luz.

Esta última fase foi agora observada pela primeira vez, graças à mobilização dos cientistas, que apontaram os mais potentes telescópios do mundo ao alvo para poderem seguir o acontecimento a par e passo. Os cientistas consideram que este é um marco para o estudo deste tipo de eventos no futuro.

"Tivemos sorte, porque conseguimos detetar o fenómeno muito cedo e pudemos observá-lo desde o início, como nunca antes tinha acontecido", conta ao DN Santiago González, do Centro de Astrofísica e Gravitação (CENTRA) do Instituto Superior Técnico (IST), da Universidade de Lisboa, um dos investigadores que participaram no estudo - e na descoberta.

O jovem cientista colombiano, que há três anos trabalha em Lisboa, não podia estar mais satisfeito. Desde logo pelo avanço que o trabalho representa, já que as observações permitiram ver em estreia a emissão de parte do material da estrela destroçada pelo próprio buraco negro.

"Foi muito interessante e uma grande oportunidade participar neste estudo, que está na fronteira do conhecimento. Vimos agora coisas que nunca tinham sido observadas antes", diz o jovem investigador do CENTRA. "Para mim, é uma grande satisfação, sobretudo depois de na semana passada o Prémio Nobel ter distinguido a previsão teórica e descoberta observacional dos buracos", sublinha.

Os resultados do estudo são publicados hoje na revista científica Monthly Notices of the Royal Astronomical Society.

Diz a teoria que à aproximação de um buraco negro, uma "infeliz estrela", como lhe chama Santiago González, é sujeita aos seus fortes efeitos gravitacionais e acaba "desfeita em correntes de matéria, num efeito que é conhecido por esparguetização".

Os restos estelares são então engolidos pelo buraco negro, mas, quando alguns daqueles fios de material estelar ali caem ainda durante o processo de esparguetização, liberta-se então um clarão de luz. Esse clarão já tinha sido observado antes, mas não o que está na verdade na sua origem.

Apontando a um buraco negro situado a 215 milhões de anos-luz de distância da Terra, os maiores telescópio do mundo - entre os quais os Very Large Telescopes (VLT) e o New Technology Telescope (NTT), ambos do ESO, o Southern European Observatory -, os astrofísicos puderam então observar tudo o que estava a acontecer.

"Os restos da estrela, que é parecida ao nosso Sol, são engolidos pelo buraco negro, que é um milhão de vezes mais massivo do que a estrela, o que faz que ele emita parte do material dela. Foi isso que conseguimos ver pela primeira vez", resume o investigador do IST.

A equipa observou o fenómeno "numa galáxia em espiral na constelação de Erídano, durante um período de seis meses, vendo o clarão luminoso aumentar de intensidade e depois desvanecer-se", explica o ESO num comunicado sobre a descoberta.

"Vários rastreios do céu registaram a energia emitida pelo evento muito cedo após a estrela se ter desfeito," conta por seu turno, citado no mesmo comunicado, Thomas Wevers, atual bolseiro do ESO que estava no Instituto de Astronomia da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, quando foram feitas as observações.

"Começámos imediatamente a apontar um conjunto de telescópios, tanto terrestres como espaciais, nessa direção para vermos como é que a luz estava a ser produzida."

O que viram então foi a tal esparguetização da estrela, como prevê a teoria, com uma parte desse material a ser engolido e outra a ser transformada num clarão de luz.

Para o futuro, diz a equipa, esta observação pode tornar-se a "pedra de Rosetta" que vai permitir interpretar novas observações deste tipo de eventos. Os buracos negros não param de surpreender os cientistas.

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