Estamos muito longe de Los Angeles ou Nova Iorque, cidades que respiram o skate. É numa paisagem improvável, Cabul, que um grupo de meninas aprende a colocar-se em cima da prancha de rodas e a sentir algo parecido com o sabor da liberdade, mesmo que confinadas ao ambiente fechado de um pavilhão. Não o podem fazer na rua, debaixo do sol, como aconteceria em qualquer lugar do mundo, porque têm de se manter longe das vistas. Mas essa limitação dos preceitos culturais pouco ou nada altera o espírito das aprendizas. "Não quero crescer, para poder andar de skate para sempre", diz uma delas. E é possível ler a felicidade nos seus rostos, apesar do dia-a-dia tomado pelo medo das explosões numa zona de conflito..Learning To Skateboard In a Warzone (If You"re a Girl) - em tradução literal, Aprender a Andar de Skate numa Zona de Guerra (Se és uma Rapariga) - vai ao Afeganistão recolher um retrato inesperado. Este documentário de 40 minutos (TVCine Edition, 22.00) é a janela aberta para uma realidade que traz um brilho de esperança ao cenário devastado de um país onde a maioria das mulheres não aprende a ler e são muitas vezes forçadas a casar prematuramente. A lente da realizadora Carol Dysinger começa por percorrer algumas ruas, captando os olhares masculinos que parecem desconfiar dessa presença "estranha", de uma mulher atrás da câmara, mas o que lhe interessa aqui filmar é a dinâmica da turma de raparigas que, para além do skate, estão a aprender a ler e a escrever. Trata-se de mostrar a ação de uma organização internacional de ensino sem fins lucrativos - o Skateistan -, espécie de segredo bem guardado algures em Cabul, que visa ajudar crianças pobres a aceder ao sistema da escola pública..Entre a vivência na sala de aula e pequenas entrevistas, de professoras e alunas que levantam o véu sobre contextos domésticos e familiares conservadores, o filme segue os gestos da aprendizagem como uma forma de resistência no feminino. Não por acaso, numa das aulas explora-se o significado da palavra "coragem", e esta surge sempre ligada à própria experiência que aquelas meninas estão a partilhar. Elas são corajosas porque estudam e estudar dá-lhes ferramentas para lutar pelos seus direitos. Uma coisa leva à outra..Já as aulas de skate, cujo progresso vai marcando os capítulos, são um verdadeiro treino para a vida - e as quedas também contam. Lição a lição, o desporto que assenta no desafio pessoal torna mais fortes cada uma destas jovens de palmo e meio. Por isso, quando uma delas cai e se põe em jeito de pranto, a professora insiste naquela expressão geralmente aplicada aos rapazes: "não chores". As raparigas do Skateistan não choram. A liberdade pode vir aos trambolhões, mas vem. E para ter coragem é preciso ganhar calo..É particularmente bonito testemunhar a leveza que é possível trazer aos semblantes de quem atravessa o quotidiano com o perigo à espreita. A alegria modesta das crianças, a sua atitude espevitada, ao mesmo tempo, consciente de uma condição feminina e confiante no futuro, nasce de uma visão realista que deixa entrar qualquer coisa da matéria dos sonhos cor-de-rosa. Ou talvez seja mesmo um otimismo corajoso; acima de tudo, necessário. Carol Dysinger mantém-se ao nível dessa visão, com um orgulho feminista a passar nas entrelinhas..No discurso de aceitação do Óscar de melhor documentário de curta-metragem por este Learning To Skateboard In a Warzone (If You´re a Girl), a realizadora, que trabalha no Afeganistão desde 2005, sublinhou a ideia de uma "carta de amor" que quis dedicar às raparigas desse país. E de facto será este o melhor termo para explicar a afeição que se sente num filme capaz de extrair um retrato auspicioso do seio de uma sociedade marcada pela guerra, quando parece quase impossível encontrar pérolas entre as ruínas da própria mentalidade dominante. Um skate não é apenas um skate.