Um renascimento do trabalho pós-covid?
Embora uma ou mais vacinas comecem a estar disponíveis em breve, a covid-19 continuará a prejudicar a economia global no próximo ano. E isso significa um ano difícil para os trabalhadores de todo mundo.
A boa notícia é que a pandemia destacou o papel vital desempenhado pelos trabalhadores essenciais em setores como a saúde e a logística, especialmente aqueles em empregos precários e mal pagos. Em 2020, muitos no mundo desenvolvido perceberam que a sua saúde e a sua riqueza dependem em parte de as escolas públicas permanecerem abertas para que os pais possam trabalhar. As pessoas também viram como as economias podem sofrer com a falta de uma baixa médica remunerada, sindicatos fracos, a ausência de padrões de segurança no local de trabalho para doenças infecciosas e a erosão da proteção do rendimento básico quando o trabalho remunerado não está disponível.
A má notícia é que reconhecer esses problemas não os altera. À medida que milhões de pessoas irão procurar ativamente trabalho em 2021, muitas descobrirão que os empregadores estão cada vez mais em vantagem, principalmente nos EUA. Em suma, os trabalhadores americanos estão prestes a ser pressionados ainda mais, a menos que o governo do presidente eleito, Joe Biden, faça alguma coisa a esse respeito.
Isso reflete o aumento de mão-de-obra excedentária (em outubro de 2020 havia dez milhões de americanos a menos a trabalhar do que em fevereiro), a ausência de políticas vigorosas de pleno emprego e seguros de desemprego, pensões e cobertura de saúde inadequados. Além disso, a recessão induzida pela pandemia está a aumentar o poder dos monopólios e monopsónios - principalmente nos EUA, mas também noutros lugares - e a acelerar o declínio de longo prazo na participação do trabalho no rendimento nacional total.
Nas últimas décadas, os ganhos de produtividade dos EUA foram cada vez mais para o capital e não para o trabalho. Entre 1979 e 2018, a produtividade líquida cresceu 69,6%, mas o salário dos trabalhadores típicos aumentou apenas 11,6%, ou seja, apenas um sexto desse valor.
A dissociação entre salário e produtividade pode ser vista em toda a OCDE. Na Polónia, por exemplo, a produtividade cresceu 2% a mais do que os salários por ano entre 1995 e 2013. Essa diferença foi de 1,3% nos Estados Unidos, 0,7% no Canadá, 0,5% no Japão e 0,2% na Alemanha no mesmo período. A média ponderada da OCDE foi de 0,7%.
Steven Strauss, de Princeton, argumenta que a covid-19 está a encetar uma era de maior concentração industrial. Altos retornos para o comércio eletrónico, a automação e a tecnologia deixarão menos concorrentes em vários mercados, com cadeias de lojas corporativas a substituir muitas pequenas empresas locais. Essa tendência vai impedir ainda mais a capacidade dos trabalhadores de pressionar por melhores salários e condições de trabalho. O recente sucesso de empresas como a Uber e a Lyft em garantir a aprovação da Proposta 22 na Califórnia - permitindo que as empresas de trabalho precário continuem a tratar os seus motoristas como trabalhadores independentes em vez de empregados - pode ser apenas o início de uma nova pressão antitrabalho.
Quando a participação do trabalho no PIB cai, a procura agregada, o investimento, a produtividade e o crescimento económico sofrem. Os legisladores dos EUA devem, portanto, começar a reverter com urgência essa tendência de décadas. Para começar, o Congresso deve aprovar novos pagamentos de estímulos aos trabalhadores, restaurar os benefícios federais de desemprego suplementares e providenciar mais recursos para as escolas públicas.
A administração Biden ainda terá margem de manobra mesmo se o Senado permanecer sob o controlo republicano após os dois segundos turnos eleitorais na Georgia em janeiro de 2021. Deve restaurar o poder dos sindicatos através de medidas do poder executivo que facilitem a negociação coletiva e fortaleçam a aplicação de regras de defesa dos direitos dos trabalhadores. Isso ajudará a aumentar a participação do trabalho no rendimento nacional, aumentando a remuneração dos trabalhadores de baixo e médio rendimento. A nova administração também deve implementar proteções de pagamento de horas extras e impedir os empregadores de impor cláusulas de não concorrência àqueles que eles classificam como trabalhadores independentes.
Exigir que todos os empregadores providenciem baixa médica remunerada deve ser outro dos objetivos da nova administração. As atuais grandes lacunas na oferta são uma ameaça à saúde pública, porque o risco para as finanças familiares dos trabalhadores os desencoraja a ficar em casa ou a procurar tratamento médico. É exatamente por isso que os Centros para Controlo e Prevenção de Doenças dos EUA, e não o Departamento do Trabalho, guardam os dados sobre baixas pagas por doença.
O Congresso pode aumentar o poder de negociação dos trabalhadores agravando as penalizações para os empregadores que classificam erroneamente os trabalhadores e violam as leis do trabalho. Da mesma forma, o governo federal poderia bloquear empregadores que violem cronicamente as leis do trabalho e do emprego, externalizem empregos, aumentem os dividendos ou se envolvam em recompra de ações. E com a aprovação em vários estados de um salário mínimo de 15 dólares por hora - o mais recente foi a Florida, que o presidente dos EUA, Donald Trump, ganhou em 2016 e 2020 -, alguns senadores republicanos podem ser persuadidos a aumentar o salário mínimo federal para esse nível.
Além disso, mudanças permanentes nos programas de segurança social dos EUA fortaleceriam a segurança económica dos trabalhadores. Pensões mais altas ajudariam a evitar o risco de dezenas de milhões de trabalhadores mais velhos, financeiramente frágeis, inundarem o mercado de trabalho enquanto esvaziam as suas contas poupança para a reforma. Evitar este cenário reduziria, por sua vez, a pressão descendente sobre os salários e as condições de emprego dos trabalhadores mais jovens. Da mesma forma, a elegibilidade para benefícios de desemprego deve ser dramaticamente ampliada (incluindo os trabalhadores precários) e os níveis dos benefícios aumentados.
Os empregadores deveriam ter maneiras mais fáceis de licenciar, em vez de dispensar funcionários durante crises agudas, ou oferecer acordos de partilha de trabalho, como defende o economista da Universidade de Massachusetts Arindrajit Dube. Finalmente, se o pleno emprego fosse a principal prioridade da política, o governo tornar-se-ia o empregador de último recurso. Empregados de bar despedidos podem tornar-se rastreadores de contactos de doenças ou assistentes de professores, por exemplo.
Os economistas poderiam ter-se saído melhor na recessão originada pela pandemia, mas os seus modelos complicados, mais uma vez, provaram ser muito facilitadores. Eles procuraram maximizar dois objetivos - saúde e riqueza - modelando como gerar o máximo de atividade económica com o mínimo de doença possível. Mas deveriam ter incluído um terceiro objetivo: a equidade.
Se os decisores políticos na maioria dos países ricos tivessem levado a equidade em consideração, todas as escolas e todas as empresas, exceto as menos valiosas e as mais sujeitas ao vírus, teriam permanecido abertas. Máscaras obrigatórias, multas para grandes reuniões, equipamento de proteção individual adequado e empregos para os desempregados como assistentes de saúde pública e escolares teriam sido medidas essenciais de saúde pública. Em vez disso, o fecho de escolas agravou a desigualdade social. Muitas crianças que não têm acesso à escola privada (ou a mecanismos de educação em casa), à internet e à supervisão de um adulto serão deixadas para trás.
Os EUA e outras economias correm o risco de operar bem abaixo do pleno emprego em 2021, devido aos menores gastos de famílias, empresas e governos. Os decisores políticos devem, portanto, usar todas as alavancas para impulsionar a procura agregada, sustentar o pleno emprego e corrigir o atual desequilíbrio de poder no mercado de trabalho. Quatro décadas de políticas fiscais pró-empresas, uma regulamentação financeira frouxa e um preconceito antissindical significam que os empregadores não tiveram de competir muito pelos trabalhadores. A erosão das pensões, o crescimento baixo ou negativo do emprego no setor público e o subinvestimento em educação ajudaram a enfraquecer a posição dos trabalhadores que, de outra forma, assumiriam riscos para mudar de emprego ou exigiriam melhores remunerações.
Mas, pelo menos agora, o trabalho e os seus interesses estão a receber a atenção que merecem. Em contraste com a recessão que se seguiu à crise financeira global de 2008, a queda da economia provocada pela covid-19 gerou um forte apoio público aos trabalhadores. Talvez, finalmente, esse sentimento se traduza em medidas concretas que beneficiem os trabalhadores e ponham um travão ao bem-estar das empresas. Para garantir uma recuperação sustentável da crise atual e para mitigar as consequências económicas da próxima, os legisladores em todo o mundo devem pôr os trabalhadores em primeiro lugar.
Professora de Economia na The New School for Social Research.
© Project Syndicate, 2020