Um quinto dos casais separa-se nos primeiros 12 meses de vida do bebé
Quando Afonso nasceu, a relação de Carolina e Tiago já não estava bem. "Existiam alguns problemas, que tomaram proporções gigantescas com o nascimento do bebé", recorda a mãe. Aos 23 anos, depararam-se com uma gravidez não planeada e nenhum dos dois estava "minimamente preparado emocional e psicologicamente para a chegada de um bebé" e para "todas as mudanças" que isso implicaria. "Começámos a discutir mais, a ser menos tolerantes um para outro. Eu sentia-me mais empenhada, mais madura e acabou por se abrir um fosso gigante entre nós, que nunca mais foi tapado", conta Carolina, agora com 35 anos.
Separaram-se quando Afonso tinha apenas seis meses. Para a mãe, o maior desafio era conciliar todos os papéis: "Tinha de tomar conta do bebé, ter tempo para mim, ter tempo e disponibilidade para a relação, para as lides domésticas e ainda para trabalhar". Tornou-se "muito difícil dar conta do recado. Algo tinha inevitavelmente de ficar para trás e no meu caso foi a relação". Carolina diz que "um bebé exige muito dos pais", mas "no caso da mulher ainda mais". Por um lado, "toda a atenção é canalizada para o bebé, depois a mulher está completamente alterada emocionalmente, com comportamentos que ela própria não reconhece em si, e isso leva muitas vezes a um afastamento do casal".
Na opinião de Carolina, "se não existir uma relação saudável baseada no respeito, compreensão, confiança plena, entreajuda e muito poder de encaixe, é muito difícil sobreviver aos primeiros meses". Uma perceção que é confirmada pela ciência. De acordo com um estudo feito no Reino Unido, com cerca de dois mil pais, um quinto dos casais termina as relações nos primeiros 12 meses após o nascimento de um bebé.
A mesma pesquisa, promovida pelo ChannelMum.com e pelo The Baby Show, refere que mais de seis em cada dez pais não estavam preparados para o impacto que a criança ia ter na relação e um terço dos casais assumiu ter problemas sérios nos meses seguintes ao nascimento de um filho. Citado pelo The Independent, o estudo refere que 30% dos participantes que terminaram as relações apontaram a "falta de comunicação" como o principal motivo e outros 30% justificaram o fim da relação com o declínio da vida sexual. Números que, de acordo com as especialistas ouvidas pelo DN, não devem andar muito longe da realidade portuguesa.
"De uma forma geral, os primeiros dois anos de vida da criança são os mais críticos e desafiantes para a conjugalidade", diz a psicóloga Filipa Jardim da Silva, destacando que "a taxa de separações e divórcios é muito elevada" nesse período. "O nascimento de uma criança é uma mudança, e uma mudança constitui uma crise numa dinâmica familiar e conjugal", explica.
Com a chegada de um novo elemento, há um convite "à redefinição de papéis e de rotinas, levantando-se problemas que até então não existiam". Multiplicam-se as noites sem dormir, fraldas para trocar, roupa para lavar, choro, birras. Filipa Jardim da Silva reconhece que "a privação de sono é um fator muito relevante" neste processo. Tal como "as alterações hormonais no pós-parto, que têm uma interferência muito preponderante" na relação. De acordo com o estudo britânico, o facto de o parceiro estar pouco envolvido nos cuidados do bebé também causa danos irreparáveis nas relações.
A família alargada, nomeadamente avós e tios, também "contribui para muitos atritos entre o casal". "Os familiares próximos acabam por querer fazer parte da educação da criança, opinam e interferem", pelo que é muito importante que o casal defina "de forma consistente o que é o espaço familiar e onde entram outros".
Se existirem problemas de comunicação, a probabilidade de o casal se separar aumenta exponencialmente. "Ambos devem convidar-se a falar sobre o que estão a pensar, a sentir, necessidades, limites. A comunicação deve ser assertiva, objetiva e eficaz. Não deve partir do princípio que o outro sabe o que está a sentir, ou que é óbvio". Até porque "é um período de aprendizagem, de adaptação" - é uma experiência nova para ambos.
Segundo Filipa Jardim da Silva, os problemas estão muitas vezes relacionados com a gestão de expectativas, nomeadamente quando os casais esperam que os filhos os unam ainda mais ou que ajudem a fazer as pazes em fases mais desafiantes. "Sem dúvida que um filho é um elo de ligação entre um homem e uma mulher, sem dúvida que é um legado que deixam e que pode ser fruto de um amor maior entre os dois. Mas, ao mesmo tempo, não é um salva relações, não é um elemento que garantidamente vá unir duas pessoas". E essa responsabilidade é dada ao bebé mesmo antes de nascer. "Isso pode acontecer ou não. Mesmo que aconteça, não é de forma mágica e linear".
"Os filhos são ótimos para os casais, mas o aparecimento de um filho é um dos momentos em que o casal é posto à prova", reconhece Catarina Mexia. Segundo a psicóloga e terapeuta familiar, "há uma necessidade de adaptação muito grande". Numa família tradicional, é a passagem de um modelo de duas pessoas para um de três. "Por muito desejada que a criança tenha sido, obrigada a um investimento num terceiro elemento e a um desinvestimento na relação a dois".
No caso da mulher, a modificação do papel - para mãe - "é mais evidente" e esta está "fisiologicamente mais preparada para responder às necessidades do bebé". Por outro lado, o papel do homem na relação é posto em causa: "No primeiro ano de vida, a mulher está completamente apaixonada pelo seu bebé. O homem tem um grande competidor". Uma realidade à qual ambos os membros do casal têm de estar atentos. Ao mesmo tempo, com o passar do tempo surgem frases como "estou cansada, vai lá tu", que "podem ser entendidas como guerras de poder".
Se o casal não se constitui de uma "forma boa, para estar atento às necessidades de cada elemento, para conversar de forma consistente e não de ataque", é natural que surjam mais complicações na relação.
Os casais que já tinham dificuldades em "estabelecer um 'nós' consistente e rico são aqueles que vão ter mais problemas com a chegada de um bebé". Segundo a terapeuta familiar, "são aqueles que vão à consulta e queixam-se que ele/a sai muito com os amigos, não participa nas tarefas de casa ou continua muito ligado à família". No fundo, explica, "são aqueles que mantêm uma postura mais individualista".
A falta de tempo e disponibilidade para o sexo é um dos motivos que conduz ao término das relações. "A questão sexual põe-se porque existe o cansaço. Quando estamos cansados, o sexo entra na última das prioridades. E a isto junta-se o facto de algumas crianças terem problemas de sono, de aparecimento dos dentes e outros", diz Catarina Mexia. Mas este não será um fator determinante. "A questão sexual costuma estar presente, mas não aparece isolada como sendo a gota de água. Muitas vezes, já existiam alterações na frequência e no desejo de um ou de outro".
No decorrer da gravidez, diz, a mulher sofre mudanças importantes ao nível da imagem corporal, o que não está relacionado apenas com o aumento do peso. "Não é só o que vemos no espelho. É o que sentimos e o que ficou registado. A adaptação às alterações no corpo leva algum tempo. E isso pode complicar a vida sexual, porque a mulher fica menos disponível para a sexualidade", esclarece a psicóloga. Além disso, sublinha, essa vontade "tem muito de psicológico". "Quando há tensão constante, agudiza mais a falta de disponibilidade sexual".
Para que a parte sexual não venha a ser um problema, Filipa Jardim da Silva diz que o "autocuidado" é essencial: "Cuidar da mulher e do homem que já existiam antes de ser pai e mãe, cuidar do sistema que se cria e da terceira entidade - o nós". Para isso, "é fundamental que haja tempo a dois". "E é importante que seja definido em agenda. Se ficar à espera do momento ideal, não vai acontecer". Pode ser um dia por semana ou de 15 em 15 dias para jantar fora, estar com amigos ou para outra atividade que quebre a rotina.
Um quarto dos entrevistados admitiu já ter problemas antes da chegada do bebé, que pioraram nos primeiros meses após o nascimento. Quando já existem atritos ou conflitos, Filipa Jardim diz podem ocorrer vários cenários: "Ou o nascimento da criança agudiza os desencontros e conflitos e o casal fica ainda mais separado; ou o casal coloca o máximo foco no papel da parentalidade e, durante algum tempo, mais do que homem e mulher, funcionam como pai e mãe; ou passam a ter uma motivação maior para ultrapassar o que os separa e resolver as diferenças".
Como a percentagem de relações que não resiste ao nascimento de um bebé é significativa, Filipa Jardim da Silva conta que os pediatras começam a trazer este assunto para as consultas periódicas, perguntando aos pais como estão enquanto casal, como está a comunicação". Até porque "a consistência entre o casal vai ser fundamental para o respeito pelas regras e a estabilidade emocional da criança".