"Um doente em Vila Real é tratado como em qualquer parte do mundo"

A oferta de serviços de saúde na região está ao nível das melhores práticas. Maiores problemas passam, por exemplo, pelas dificuldades económicas da população. Diagnóstico precoce é uma das preocupações.
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As assimetrias no acesso aos cuidados de saúde e a tratamentos urológicos que existem na região transmontana não se devem à falta de serviços ou condições hospitalares", começa por explicar Filipe Avelino, diretor do serviço de urologia do Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro. Médico há quase 30 anos, conhece como poucos as necessidades e a oferta desta zona do país para tratar as doenças da próstata. "Considero a capacidade de resposta que aqui temos adequada. Vila Real dispõe de unidades de saúde com diferenciação em urologia e oncologia capazes de responder a todas as situações". O distrito tem cerca de 185 mil habitantes, mas o número de pessoas abrangidas pelos serviços de saúde de Vila Real chega a duplicar porque a área de influência se estende a outras geografias como o sul do distrito de Bragança e o norte de Viseu e ainda a franja leste do distrito do Porto. Mesmo com essa pressão, o urologista diz ter condições para trabalhar. "Temos diferentes tipos de diagnóstico e tratamento, desde os mais antigos às abordagens imagiológicas mais recentes, como é o caso da ressonância magnética multiparamédica da próstata. Existe capacidade cirúrgica, radioterapia e também temos possibilidade de tratamento hormonal de primeira linha, assim como quimioterapia em todas as vertentes", justifica considerando que as dificuldades de acesso à saúde e à urologia em concreto são motivadas por outras condições. A falta de recursos económicos da população mais envelhecida, com pouca literacia em saúde e dispersa pelas diversas latitudes do distrito e ainda a falta de uma rede de transportes adequada para deslocações são considerados os maiores problemas. Estivessem resolvidas essas barreiras e Filipe Avelino mostrar-se-ia ainda mais satisfeito porque "um doente em Vila Real é tratado como em qualquer parte do mundo".

Para a descrever e exemplificar, e fazendo alusão à época e à produção transmontana, o diretor do serviço de urologia do Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro ri-se e compara a glândula acessória do sistema sexual masculino a uma castanha. "É parecida, mas com o vértice invertido, ainda que a textura seja mais como uma noz. Tem um miolo e uma casca. O miolo é a parte que envolve a uretra onde habitualmente surge a doença benigna, a hiperplasia benigna da próstata. Na parte da casca, a cápsula prostática, é onde ocorrem 70% dos tumores, o chamado cancro da próstata." Esta "castanha masculina" por estar numa zona periférica é acessível e detetável através do toque retal.

A próstata aumenta de tamanho com o envelhecimento. É quando surgem as complicações. Com a população portuguesa a tornar-se cada vez mais idosa e a esperança média de vida a crescer, a questão, dizem os especialistas, torna-se um problema de saúde pública. Anualmente são diagnosticados cerca de 6600 novos casos de carcinoma da próstata, como tecnicamente é designado o tumor.

A frase do satírico Mário de Carvalho no livro de contos Casos do Beco das Sardinheiras, da década de 80 do século passado, serve de bom exemplo para ilustrar a confusão que o tema continua a suscitar. Vamos por partes e tentar perceber as diferenças entre a hiperplasia benigna da próstata e o cancro da próstata. O médico explica: "Todos os homens acabam por ter hiperplasia benigna da próstata. A partir dos 30/35 anos registam-se alterações prostáticas, mas apenas em alguns se manifestam os sintomas que se agravam com o avançar da idade. Por sua vez, o cancro não dá sintomas na fase inicial e quando surgem é porque já está numa fase adiantada, ou seja, numa zona mais interior da próstata." Acrescenta Filipe Avelino que continua a prevalecer a ideia muito errada de que uma doença benigna caminha para maligna e, por essa razão, há muitos doentes que tentam forçar uma cirurgia desnecessária imaginando que estão a prevenir um potencial cancro.

"São duas doenças distintas que ocorrem em zonas diferentes da próstata. Ter dificuldades em urinar não quer dizer que tenha cancro e depois de tratar esse problema não significa que esteja a salvo do cancro." O especialista defende a necessidade de manter vigilância médica ativa para esses casos. A deteção precoce de tumores permite quase sempre uma intervenção com maior taxa de sucesso porque o tratamento é iniciado mais cedo. Cerca de 85% dos homens diagnosticados em fase inicial conseguem eliminar o cancro da próstata. A dificuldade em Vila Real, nota o médico, é o desconhecimento desta realidade por parte dos mais idosos que recusam os exames porque até surgirem os problemas mais graves não sentem qualquer sintoma. "Não é por dificuldade no acesso ao diagnóstico precoce", deixa claro Filipe Avelino. "Há essa preocupação entre os médicos de família que os referenciam à especialidade, mas na verdade quando chegam ao hospital muitas vezes já descobrimos a doença em estado muito avançado."

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