Um cardume sem medo do risco para ser de ouro
"A marcha é um risco: ou se corre o risco ou não se corre. E nós achamos que devemos corrê-lo." É de supetão que Américo Silva, ensaiador do conjunto da Bica, comenta aquele que talvez seja o momento mais arriscado da atuação do grupo que coreografa - a formação de uma pirâmide humana. A poucos dias da primeira exibição "para nota" - agendada para domingo, no MEO Arena (antigo Pavilhão Atlântico) -, são ainda vários os pormenores a acertar... com a entreajuda entre os marchantes a ser visível.
"Alinha", grita um dos participantes, sem que os músicos - o cavalinho - parem de tocar. Os passos estão já memorizados, mas são muitos os jovens que, sem interromperem a coreografia, vão falando entre si, em busca da perfeição. Aqui e ali, são percetíveis os movimentos em modo piscícola, numa ligação natural ao tema de este ano da Marcha da Bica: "O nosso rio é de ouro, mas o peixe é de prata."
A contradição aparente é uma referência direta aos tempos de crise que se vivem e ao empenho das gentes da Bica na construção da sua marcha, organizada pelo Marítimo Lisboa Clube. "É tudo feito dentro do bairro", assegura Pedro Duarte, responsável pelo conjunto e membro daquela coletividade, salientando que 90% do trabalho é gratuito. "Só os músicos é que são pagos", garante, o entusiasmo pelo cargo que desempenha a transparecer na sua voz.
"Já sou incapaz de deixar a marcha", sintetiza Cláudio Rações, 24 anos e integrante, pela nona vez, do conjunto popular. A estreia aconteceu após começar a namorar "por brincadeira" com Sara, uma rapariga do bairro... que hoje é sua mulher e mãe do seu filho, Gustavo. O pequeno tem apenas um ano, mas o lisboeta já se imagina a marchar lado a lado com o seu rebento. "Ele também é o motivo para eu estar aqui", explica.
O outro é a alegria de desfilar na Avenida da Liberdade. "Há mais motivação, mais energia", descreve, sem esconder que não é fácil verbalizar o que sabe que vai sentir na quarta-feira. Até lá, o grupo vai trabalhar "para ganhar", ainda que uma boa atuação baste para ficar contente.
Padrinhos: Lídia Franco e Tiago Torres da Silva