UHF: 40 anos depois ainda dizem "bora lá"

Músico António Manuel Ribeiro, único elemento da formação original da banda, recorda os nervos do primeiro concerto e fala do próximo disco, que será lançado em 2019.
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Na noite de 18 de novembro de 1978, António Manuel Ribeiro (voz e guitarra), Carlos Peres (baixo), Américo Manuel (bateria), Renato Gomes (guitarra) e mais um grupo de amigos apanharam o barco de Almada para Lisboa e depois o metro até à Avenida de Roma, onde ficava a discoteca Browns. Chegados à porta, foram barrados. "Mas nós somos os UHF e vamos tocar aqui esta noite", explicaram. "Tantos?", questionou o porteiro. "Sim, são os nossos roadies." António Manuel Ribeiro ainda hoje se ri com esta história: "Era o nosso primeiro concerto e nós estávamos cheios de nervos. Queríamos meter lá a nossa malta para nos sentirmos mais acompanhados", recorda. Era também a primeira vez que António Manuel assumia o microfone, até aí limitava-se a tocar guitarra e "fazer uns coros". "Um sonho simples e eu tão nervoso", cantou, depois, no tema O Primeiro Concerto, que fala desse momento.

Os UHF tocavam antes dos Minas e Armadilhas e dos Aqui d"el-Rock. "Chegámos lá com muito pouca bagagem. Só tínhamos cinco ou seis músicas, não mais, e eram todas parecidas. Mas tocámos com uma atitude do caraças", conta o músico ao DN. "No final, tivemos de vir logo embora porque tínhamos de apanhar o barco para casa e se ficássemos mais tempo teríamos de dormir ao relento. Só depois é que soube que havia pessoas a perguntar quem eram aqueles tipos. Foi o nosso lançamento."

Desses primeiros tempos, António Manuel Ribeiro, atualmente com 64 anos, recorda uma grande força de vontade: "Nós queríamos tocar rock. Só isso. E estávamos dispostos a fazer muitos sacrifícios para juntar todo o dinheiro para comprar umas baquetas novas ou uma pele para a bateria. As guitarras eram muito más mas eram as que tínhamos. Era tudo muito caro e muito difícil", conta. "Éramos muito certinhos. Eu obrigava-os a uma certa disciplina", ri-se. Nessa altura, o músico já era casado e tinha filhos, tinha tirado umas "férias sem vencimento" do seu trabalho para se dedicar à música. "Dei a mim próprio um ano para experimentar. Mas tinha responsabilidades, portanto não era a mesma coisa de ser adolescente e ter uma banda." Havia muito rock "n" roll mas não havia drogas: "Nós praticamente pagávamos para tocar. Se nos oferecessem uma cerveja já era ótimo. Não tínhamos dinheiro para whiskey e muito menos para drogas."

Poucos meses depois, em abril, os UHF entravam no estúdio para gravar os primeiros temas. E, mais uma vez, era tudo novo. "Parecia que estávamos a entrar numa câmara de tortura. Estávamos habituados a ensaiar numa garagem, com imenso eco. E ali o som era abafado. Pensei que tinha perdido a voz", recorda António Manuel Ribeiro. "Tivemos de fazer uma aprendizagem total." O resultado dessas primeiras sessões num estúdio em Campolide chegou às lojas em outubro de 1979: o EP Jorge Morreu.

No ano seguinte, Cavalos de Corrida fazia a revolução na vida destes músicos da Margem Sul: "Passámos do oito aos 800 sem parar no 80", conta António Manuel. Apesar de tudo, o músico considera que viveram o sucesso "com bastante equilíbrio". "Sempre vivi assim: um dia de cada vez. As coisas aconteciam e nós queríamos mais, queríamos cimentar uma carreira, e por isso continuávamos a trabalhar."

Pouco depois, em 1981, aconteceu aquele que terá sido um dos grandes concertos dos UHF: na Festa do Avante!, no Casalinho da Ajuda, perante 120 mil pessoas. O recinto estava completamente lotado e "a Festa ficou bloqueada, era impossível as pessoas deslocarem-se de um lado para o outro", conta António Manuel Ribeiro, que se recorda de como os seguranças tiveram imenso trabalho a tentar evitar que a multidão subisse para o palco.

Quando olha para estes 40 anos - cheios de sucessos e também de momentos menos bons, muitos deles contados no livro Por trás do Pano, que AMR lançou em 2014 -, o músico, que é o único dos fundadores que se mantém ainda hoje nos UHF não esconde um certo orgulho neste percurso. "O segredo é simples: se não houvesse canções importantes e se não houvesse fãs que pegaram nessas canções e as transformaram em hinos não haveria UHF", explica. Canções como Rua do Carmo, Rapaz Caleidoscópio ou Matas-me com o Teu Olhar, que ainda hoje são cantadas pelos mesmos fãs que agora vêm aos concertos com os filhos pequenos, que também já as sabem de cor.

"Quando olho para trás e revejo o caminho, vejo um puto audaz a seguir o instinto", canta António Manuel Ribeiro na música nova, que foi mostrada recentemente num concerto no Fórum Almada e que deverá integrar o próximo disco da banda. O tema chama-se Hey! Hey! Bora lá e é, explica ele, "uma radiografia poética destes 40 anos": "Quando tínhamos alguma dificuldade, havia sempre alguém que dizia bora lá, porque essa é a única maneira de viver, sem desistir."

Com vários concertos marcados até ao final do ano - incluindo a 22 de dezembro na Aula Magna, em Lisboa, e a 29 de dezembro na Casa da Música, no Porto -, os UHF esperam depois começar a gravar os novos temas para o disco, que deverá ser lançado, na melhor das hipóteses, em fevereiro. Será, como sempre, um disco de rock "n" roll, assegura António Manuel Ribeiro: "Estamos a fazer o que nos apetece, e nem podia ser de outra maneira. É isso que os nossos fãs esperam de nós."

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