Os dias são de ansiedade, à espera do momento em que todos aqueles anos passados a sonhar ser médico culminam na entrada na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. As colocações no ensino superior público só serão conhecidas este fim de semana, mas António Santos, de 18 anos, está confiante de que não precisa de esperar pela sentença. Afinal, concorre com uma média de 18,5 valores, num curso que no ano passado se situou, na primeira fase, nos 18,1. Por isso mesmo, antecipou-se na batalha de procurar um quarto para alugar. Desde julho que o jovem de 18 anos viaja entre Aveiro, de onde é natural, e Porto, ao encontro do quarto ideal. "Avisaram-me: ou procurava com antecedência ou quando entrasse na faculdade já não teria quartos nem bons, nem baratos, nem junto à faculdade", conta.."A oferta é cada vez menor" no Porto e o fenómeno "acontece há sensivelmente três ou quatro anos, depois de ter disparado o boom turístico na cidade", diz o presidente da Federação Académica do Porto (FAP). João Videira explica que as novas plataformas vieram revolucionar e facilitar o alojamento local, "mais atrativo para os senhorios" do que o aluguer a estudantes. "Conseguem fazer numa semana, com um turista, o que fazem com um estudante durante um mês", deixando sem resposta os 35% de universitários deslocados na cidade..A falta de alternativas "ainda é a grande questão" para os jovens que escolhem as universidades dos grandes centros urbanos. Quem o diz é a presidente da Federação Académica de Lisboa, Sofia Escária, confirmando assim a tendência também em Lisboa, onde 30% dos alunos são deslocados..As estatísticas não deixam mentir. De acordo com os dados da Uniplaces, plataforma online de arrendamento estudantil, apenas 38% dos proprietários dizem preferir alugar apenas a estudantes e 60% admitem alternar entre estudantes e turistas..O fenómeno reflete-se nos quadros de cortiça dos supermercados, nos painéis de anúncios das faculdades, nas paredes das ruas, nas redes sociais e nas plataformas de arrendamento. Por esta altura, todos os anos, estes espaços enchem-se de anúncios de aluguer para estudantes universitários. Na Associação de Estudantes da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, os quadros que antes eram cobertos de propostas são agora um vazio na parede. "Cada vez há menos anúncios de casas ou quartos", confirma a vice-presidente Sónia Andrade. E "os que existem oferecem preços muito elevados", acima de 400 euros. Já "os que parecem mais acessíveis não têm despesas incluídas"..Na internet, "os anúncios eram poucos", por isso, António foi até ao Porto, correu os postes de iluminação e digitou vezes sem conta a imensidão de números de telemóvel impressos em anúncios de papel. Viu "de tudo": quartos baratos, mas em fracas condições; quartos caros com despesas à parte. Até encontrar aquele onde ficará, um T2 partilhado com outro estudante, mesmo junto à Faculdade de Medicina, por 375 euros..Estrangeiros inflacionam preços.Nem só as escolhas dos senhorios têm ditado a escassez do mercado para os universitários. Aqui, os estudantes estrangeiros cativados para as instituições de ensino superior portuguesas também contam como um peso de larga medida."Estamos a falar de estudantes com uma capacidade financeira muito superior à dos estudantes portugueses", diz o representante da FAP. "Acabam mesmo por inflacionar os preços das casas e dos quartos, porque estão disponíveis para pagar valores altos.".O número de estrangeiros que escolhem estudar em Portugal é uma linha em crescimento, tendo duplicado na última década. Atualmente, são 50 mil e representam 13% do total de alunos do ensino superior. Além disso, tudo indica mesmo que continuará a aumentar: neste ano, a Universidade de Lisboa contabilizou o triplo de colocados internacionais nas primeiras fases de candidatura, comparativamente ao período homólogo..Chegam em massa e estão a mudar o mercado. Segundo o presidente da federação, João Videira, "o mercado dos estudantes também está a ser aproveitado por operadores privados que criam residências premium (de luxo)". São ocupadas "maioritariamente por estudantes estrangeiros", que "pagam anualmente, em média, cinco mil euros de propinas, e procuram vir com o pacote completo"..O Porto já está a estrear duas destas residências privadas, no polo universitário, com "quartos para custar, no mínimo, 500 euros". Uma delas, diz o representante, "já fechou 70% da ocupação"..Novas residências não chegam.As residências universitárias costumam ser o primeiro recurso para alojamento dos estudantes bolseiros, mas também uma das principais reclamações na luta estudantil, devido à escassez de camas disponíveis..No final de agosto, o Ministério do Ensino Superior anunciou mais 595 camas para este ano, de norte a sul do país, no âmbito do Plano Nacional para o Alojamento no Ensino Superior (PNAES). O total de camas passou, assim, de 15 370 para 15 965, com Porto (261) e Lisboa (186) como as regiões mais reforçadas. São seguidas pelo Minho e Trás-os-Montes (34), centro (52), Alentejo e Algarve (44), bem como Açores (18). Mas a oferta continua a ser "claramente insuficiente" face à procura, lamenta a presidente da Federação Académica de Lisboa, Sofia Escária..Uma visão partilhada pelo representante da FAP. "Obviamente que qualquer coisa a mais é melhor do que nada, mas não chega. 261 camas em cerca de 1300, com perto de 23 mil deslocados, não chega", sublinha. João Videira sublinha ainda que "nenhuma destas camas é obra e graça do governo e daquilo que tem feito pelo alojamento (estudantil), que é praticamente nada", mas sim "da boa vontade de entidades como a Santa Casa da Misericórdia e da Diocese", no caso do Porto. "O governo e as instituições de ensino superior sempre confiaram no mercado privado para resolver o problema do alojamento.".Fora das residências, ainda há milhares de estudantes obrigados a pagar alugueres a preços "insuportáveis". Estudantes estes que podem mesmo desistir do ensino superior devido às elevadas despesas, remata..As cidades com as rendas mais altas.Lisboa, Porto e Coimbra não são só consideradas as três cidades tradicionalmente mais académicas do país. São também as mais caras. Na primeira, a renda média de um quarto é de 367 euros, enquanto na segunda é de 284 e na última de 197. Os dados são da plataforma online de arrendamento Uniplaces, relativamente ao trimestre que antecedeu o início do ano letivo 2018-2019..O relatório dá ainda conta de que a grande maioria das pesquisas no site, nas três cidades, é por "um quarto privado em casa partilhada com outros estudantes". Mas em Coimbra, com a renda mais baixa entre este núcleo, a procura de propriedade completa é "superior à registada nas cidades de Lisboa e Porto"..E há zonas mais populares em cada uma, normalmente devido à proximidade das instituições de ensino superior ou de uma qualquer rede de transportes. Na capital, por exemplo, Arroios é a mais procurada, seguida da zona do Saldanha e da Alameda. Já no Porto, é em Paranhos, junto ao polo universitário, onde mais se concentram os estudantes. Depois, em Cedofeita e também Bonfim, já mais próximas de outras faculdades não pertencentes ao polo. Em Coimbra, as zonas mais procuradas são Montes Claros, Baixa e Cidral..Ainda de acordo com os dados divulgados pela Uniplaces, no seguimento de um inquérito realizado junto de estudantes que utilizaram a plataforma, os universitários indicam a proximidade à universidade (15%), ao centro (14%) e aos transportes públicos (15%) como prioridades na hora de escolher um quarto para alugar..Embora a maioria (86%) admita estar satisfeita com o seu apartamento, aponta como principais reclamações fatores como o preço, o tamanho e a antiguidade do local onde residem..Segundo os resultados do inquérito feito pela plataforma, a renda ideal para um estudante seria de 300 a 350 euros, já com despesas incluídas.