O líder da Assembleia Nacional da Venezuela, Juan Guaidó, precipitou-se ao declarar-se presidente interino? Não, não se precipitou. Jogou uma carta importante num momento em que podia fazê-lo, na qual se juntava uma intensa pressão internacional, que vinha a aumentar, com uma intensa pressão interna. Havia uma janela de oportunidade e ele aproveitou, num momento em que o seu papel à frente da Assembleia Nacional galvanizou a oposição. Agora tudo depende do que fizer o Exército..O ministro da Defesa, Vladimir Padrino, já disse que as Forças Armadas estão ao lado de Nicolás Maduro... Bom, isso está no guião. Que Padrino e os generais digam que apoiam o presidente estava no guião. Ninguém esperava outra coisa, especialmente se tivermos em conta que a maior parte dos ministros são generais, que a maior parte dos governadores são generais, que a maior parte dos altos cargos do regime são militares. E que há militares acusados de narcotráfico que beneficiam com a concessão de autorização para comprar divisas a taxas preferenciais. A simbiose entre os militares e o governo de Maduro é muito estreita e isso faz que esta declaração esteja dentro das margens previstas..Então as mudanças terão de vir das bases. Isso é possível acontecer? É o que toda a gente especula. Evidentemente os militares são bastante sensíveis às mudanças de vento e neste momento o vento está a mudar de direção. E sabem que se continuam aferrados em Maduro, não têm um caminho muito longo pela frente. A questão é saber quanto pode durar isto e quão intensa e sangrenta vai ser a transição. O que vamos ver nos próximos dias será um pingar de reações, e teremos de ver se esses pingos chegam para fazer transbordar o copo ou não. E até que ponto há uma fratura dentro do chavismo, por um lado, e dentro das Forças Armadas, pelo outro..Acha que o chavismo está dividido? Sim. As sanções, tanto dos EUA e do Canadá como da União Europeia, dirigidas contra cargos específicos dentro do chavismo estão a dar resultados. Muitos veem que as suas tradicionais fontes de rendimento já não existem, ou estão comprometidas, que a sua situação é mais delicada do que no passado. Muitos têm famílias a viver no estrangeiro e estão em dificuldades para as manter... Tudo isso faz que a situação seja cada vez mais complicada e tenha o seu efeito..Da parte da comunidade internacional, as reações são mais ou menos as esperadas. Os EUA foram os primeiros a reconhecer Guaidó, seguidos de vários países do Grupo de Lima, enquanto Maduro mantém o apoio da Rússia, da China, da Turquia, de Cuba. A União Europeia teve uma posição dúbia... Não considero assim tão dúbia. Acho que a única maneira eficaz de sair desta situação e que supõe um menor custo de vida e económico é a negociação. A tentativa da UE de manter abertos canais de diálogo parece-me plausível, sobretudo se tivermos em conta as experiências recentes de tentativas de transição de governos autoritários ou ditatoriais para a democracia, como foi o caso da Líbia, do Egito ou da Tunísia, que foi o mais favorável. Mas as grandes expectativas que tinha causado a Primavera Árabe em vários países levaram-nos onde nos levaram. E isto, evidentemente, complica um pouco as coisas. Até que ponto esta tentativa de transição vai terminar bem ou, pelo contrário, pode dar lugar a um Estado falido... Já está bastante falido, mas poderá ficar ainda mais complicado, com confrontos muito mais graves e fratura social..Pode a Venezuela tornar-se a Síria da América? Não exatamente como a Síria. Mas, evidentemente, se a transição fugir das mãos, é preciso ver como se produz a fratura dentro do chavismo e das Forças Armadas. Sempre tendo em conta que além das Forças Armadas existem os coletivos, os paramilitares do chavismo que estão armados e que isso podia levar a uma situação de guerra civil. O que não vai haver é um enfrentamento entre o povo e as Forças Armadas, porque o povo está desarmado. O que pode acontecer é uma situação na qual parte das Forças Armadas queiram acabar com o governo, pelo menos promover eleições livres ou um governo de transição, e se encontrem diante destes coletivos armados e isto seja a origem de um confronto mais sério..Falei na Síria também porque é um país onde os interesses estrangeiros misturam-se... Mas o que acontece é que a situação da Síria, o seu posicionamento no Médio Oriente, o tema de Israel, fazem que seja um caso muito diferente da Venezuela. Porque a China, por exemplo, que tem muitos interesses económicos na Venezuela, não creio que tenha a intenção de se envolver num conflito que suponha a defesa de Maduro. De facto, já houve negociações entre a oposição com os chineses para garantir que os seus investimentos vão continuar, que não se vai tocar nisso..Uma intervenção militar estrangeira, dos EUA ou de qualquer outro país, está fora de questão? De momento não se espera uma intervenção. Desde logo dos EUA, porque isso não combina com Trump. Quer dizer, Trump está a querer sair de todo o lado, não acho que queira meter-se no ninho de vespas da Venezuela, pelo menos com uma intervenção com tropas no terreno, que seria a única maneira de solucionar isto. Por outro lado, nenhum país latino-americano, nem sequer o Brasil, está em condições de liderar e promover uma intervenção militar na Venezuela..Quais podem ser os próximos passos de Guaidó e de Maduro? Não faço ideia. Qualquer coisa que Guaidó faça sem o apoio dos militares é condenar a sua gente a um banho de sangue. Então, Guaidó e a oposição em geral estão à espera para ver o que vai acontecer com os militares. Está toda a gente a desfrutar da margarita e a ver o que vai acontecer com os EUA. Maduro deu 72 horas para os diplomatas saírem, mas não vão sair. Vai expulsá-los, não vai expulsá-los? Evidentemente, se lhes põe a mão em cima poderia levar a uma resposta mais séria da parte dos EUA, o que também não interessa a Maduro nem aos militares. Acho que estão todos a tentar nadar e a guardar a roupa ao mesmo tempo, como diz o ditado [agir de forma adequada aos próprios interesses e proteger-se de consequências negativas]. Como vai terminar tudo isto, acho que ninguém sabe.