"Trump é racista e vigarista." As acusações que incriminam o presidente americano
"Trump é um racista, é um vigarista, é um embuste". Estes são os três adjetivos que marcam o testemunho que Michael Cohen, antigo advogado do atual presidente dos Estados Unidos da América, vai levar esta quarta-feira ao Congresso, em Washington. Uma audição sobre as suspeitas que apontam para o envolvimento de Donald Trump na publicação de emails de Hillary Clinton na Wikileaks durante a última campanha para as presidenciais americanas, pagamentos a mulheres para abafar alegados escândalos sexuais e relações obscuras com a Rússia. Tudo suspeitas confirmadas por Cohen, que deve apresentar provas de pagamentos feitos por Donald Trump Jr. a Stormy Daniels, para encobrir a relação do pai com a atriz pornográfica.
No seu testemunho escrito, que o New York Times e a CNN publicam esta quarta-feira, Cohen garante que Trump tinha conhecimento dos esforços de Roger Stone, seu consultor político, para entrar em contacto com o fundador da Wikileaks, pouco tempo antes da publicação de emails que comprometiam a corrida à presidência da candidata democrata. Michael Cohen detalha um telefonema em alta voz de Stone para Trump em 2016, onde aquele informa o então candidato republicano que "acabara de falar com Julian Assange ao telefone e que Assange o tinha tinha informado que dentro de poucos dias haveria uma enorme libertação de emails que prejudicariam a campanha de Hillary Clinton". Ao que, segundo Cohen, Donald Trump terá respondido com um "isso seria excelente".
Stone, que tal como Cohen está a ser investigado por perjúrio e obstrução à justiça, tem negado sempre estas acusações, quer as que o ligam a Assange, como que o presidente soubesse desses contactos. A confirmarem-se as informações de Michael Cohen, é a primeira vez que alguém diretamente envolvido no processo prova a ligação de Trump ao escândalo dos emails, que manchou a campanha de Clinton.
Durante o período em que ocupou o cargo de secretária de Estado dos EUA (2009-2013), Hillary Clinton utilizou um servidor privado de emails para tratar de assuntos profissionais - que incluíram o envio de mensagens com conteúdo classificado como top secret -, em vez de um servidor com um nível mais elevado de proteção, detido e administrado pelo governo. O portal WikiLeaks publicou mais de 30 mil desses emails e cerca de vinte mil mensagens enviadas e recebidas por membros da Comissão Nacional Democrata. Informação que, em 2016, Julian Assange negou ter-lhe chegado através de fontes russas.
A audição de hoje na Comissão de Supervisão da Câmara dos Representantes (câmara baixa do Congresso), que deve durar todo o dia e acontece numa altura em que Trump está ausente do país numa mediática cimeira com o líder norte-coreano, é a segunda de três que Cohen protagonizará esta semana e única à porta aberta. É também a oportunidade para o advogado contar "toda a verdade" sobre o presidente americano, como já ameaçou fazer, depois de ter mentido perante o Congresso em 2017, um dos crimes que lhe valeram uma condenação a três anos de prisão, que deve começar a cumprir no próximo mês. Na altura, Cohen negou que Trump tivesse interesses económicos em Moscovo ou tivesse contactado com russos, declarações que reconheceu depois serem falsas e que atribui a uma "revisão e edição" do seu testemunho por parte dos advogados do presidente.
Michael Cohen argumentará hoje que, em 2016, em plena campanha eleitoral, o agora presidente continuava muito empenhado na construção de uma Torre Trump em Moscovo. "Sejamos claros, Trump sabia e conduziu as negociações sobre a Torre Trump e mentiu sobre elas. E mentiu sobre elas porque nunca esperou ganhar as eleições. E também mentiu porque queria ganhar centenas de milhões de dólares com o negócio imobiliário em Moscovo".
No entanto, Cohen admite que não recebeu qualquer ordem direta do presidente para mentir no Congresso, embora as suas posições públicas o tivesse levado indiretamente a fazê-lo. Se ele diz publicamente que não tem qualquer negócio com a Rússia "está, à sua maneira, a pedir-me para mentir".
No documento que vai levar aos representantes, Cohen garante que Donald Trump tinha conhecimento de uma reunião do seu filho com russos na Torre Trump, em Nova Iorque, algo que os dois sempre negaram. O antigo advogado do presidente garante que ouviu, em junho de 2016, Donald Trump Jr. dizer ao pai que estava "tudo combinado para a reunião". "Não se passava nada no mundo Trump, especialmente em campanha, sem que o Sr. Trump soubesse e aprovasse. Portanto, concluo que a reunião a que Don Jr. se referia estava relacionada com lixo sobre Hillary".
Além de provas testemunhais, Cohen promete ainda levar documentos que confirmam os subornos, em 2016, à atriz de filmes pornográficos Stormy Daniels, para silenciar uma alegada relação com Trump. O advogado já tinha confirmado em tribunal que pagou a duas mulheres - a Stormy Daniels e à ex-modelo da Playboy Karen McDougal -, com quem Trump terá tido relações amorosas, em troca de silêncio, de modo a que não prejudicassem a imagem de Trump nas eleições presidenciais de 2016. Agora, Cohen deve apresentar um cheque assinado pelo filho do presidente que confirmam esses subornos. Donald Trump Jr. terá ressarcido o advogado por pagamentos efetuados a Stormy Daniels, o que pode colocar judiciais ao filho mais velho do presidente.
No seu testemunho, o advogado recorda ainda dois episódios que, no seu entender, atestam os defeitos de personalidade do presidente. Por um lado, adianta que Trump lhe terá confirmado que que engendrou um esquema para não ser alistado para o Vietname. O presidente argumenta que não foi para a guerra porque tinha um problema ósseo, embora não existam registos médicos que o confirmem. "Achas que eu sou estúpido, eu não ia para o Vietname", garante Cohen ter ouvido da boca de Trump.
Por outro lado, o advogado acusa o presidente de repetidos comentários racistas, apontando um episódio em que, quando passavam por um bairro pobre de Chicago, Trump ter-lhe-á dito que "apenas os negros podem viver desta forma". "Uma vez perguntou-me se eu podia dizer o nome de um país dirigido por um negro que não fosse 'um buraco de merda'". Donald Trump consideraria mesmo que os afro-americanos nunca votariam nele "porque são demasiado estúpidos".
Cohen vai concluir a declaração - que vai ler perante o Congresso - com um pedido de desculpas "por ter trabalhado ativamente para esconder a verdade sobre Trump".
Depois de Cohen ter sido ouvido na terça-feira na Comissão dos Serviços de Inteligência do Senado, onde também pediu desculpa por ter mentido em 2017, a Casa Branca criticou as audições do antigo advogado do presidente, uma linha de argumentação que deve ser seguida hoje pelos republicanos da Câmara dos Representantes. "O criminoso caído em desgraça MIchael Cohen vai para a prisão por mentir ao Congresso e prestar outros testemunhos falsos. Infelizmente, ele vai ser ouvido no Congresso esta semana e podemos esperar mais do mesmo", afirmou Sarah Sanders, a secretária de imprensa do presidente, na terça-feira, considerando "risível que alguém leve a sério a palavra de um mentiroso condenado e patético que tenha oportunidade de espalhar as suas mentiras".
A audição de hoje deve deixar de fora muitas das questões relativas ao envolvimento entre Trump e a Rússia, reservadas para esta quinta-feira, no âmbito do inquérito liderado pelo conselheiro especial, Robert Mueller, cuja investigação está baseada na alegada interferência russa nas eleições presidenciais dos EUA de 2016 e de possível conluio entre a campanha de Trump e Moscovo.
De Hanói, no Vietname, onde se encontra para uma cimeira com o líder norte-coreano, Kim Jong-un, Donald Trump já tweetou a sua irritação com Cohen, sublinhando que ele "era apenas um dos muitos advogados que me representaram (infelizmente). Tinha outros clientes". E acrescentou que Cohen "acaba de ser expulso da ordem pelo Supremo Tribunal estadual por mentir e por fraude. Fez coisas más não ligadas a Trump. Está a mentir para reduzir o seu tempo de prisão".