Na quinta-feira Justin Trudeau vai responder aos deputados da comissão das finanças sobre o mais recente escândalo, mas apesar da sua história atribulada com a ética transparece na imprensa local uma inevitabilidade quanto à continuidade da relação de conveniência do primeiro-ministro com os canadianos..Por exemplo, o editorial de domingo do National Post dá conta de um desencanto e de um pragmatismo em doses iguais. "O primeiro-ministro não acredita que as regras se lhe apliquem. O ministro das Finanças parece não se conseguir lembrar se as quebrou ou não. Mas ambos permanecerão no cargo. Afinal, estes são, como nos recordam constantemente, tempos sem precedentes.".Linhas antes lia-se: "Infelizmente, os canadianos estão provavelmente presos a eles. Porque nenhum partido deseja uma eleição em plena emergência, e porque os liberais, apesar de todas as suas antigas promessas de liderar um governo melhor e mais transparente em benefício da classe média (e, sim, daqueles que trabalham arduamente para se juntarem a ela), desistiram claramente do último intento.".Trudeau foi reeleito em outubro passado, apesar do chamado escândalo SNC-Lavalin, e tem como líder da oposição Andrew Scheer, o homem que perdeu as eleições pelos conservadores e está demissionário desde dezembro..Na sexta-feira, Scheer pediu para que o primeiro-ministro e o ministro das Finanças Bill Morneau se demitam, dando a entender que preferia um cenário em que os liberais substituíssem o líder do partido e, em sequência, a chefia do executivo.."Estão dispostos a sacrificar a sua integridade pessoal para proteger o seu líder assolado por escândalos, e para encobrir a corrupção? Ou estão dispostos a tomar uma posição e exigir que Trudeau se afaste? Se os liberais se recusarem a agir, ficam de braços cruzados e não dizem nada, então estão implicitamente a aprovar este comportamento corrupto, e serão tão culpados como Justin Trudeau,".Em fragilidade, o líder da oposição viu o seu pedido cair em saco roto. Na segunda-feira, Scheer voltou à carga. Desta vez voltou a exigir uma investigação criminal ao caso..Conflito de interesses.O que está, afinal, em causa? O governo liberal anunciou no final de junho que confiava à organização WE Charity a gestão de um programa federal para estudantes e que oferece bolsas até cinco mil dólares canadianos (mais de três mil euros) a estudantes em troca de voluntariado junto de associações sem fins lucrativos..O programa, com um orçamento de 580 milhões de euros, dos quais 27,7 milhões destinados à própria organização não governamental, atraiu rapidamente a desconfiança de muitas pessoas devido à proximidade de Trudeau com a instituição fundada pelos irmãos Craig e Marc Kielburger há 25 anos e que tinha como objetivo pôr fim à exploração infantil..No início de julho, em comunicado, os Kielburger anunciaram a saída da WE da gestão do programa porque a WE foi "envolta em controvérsia desde o momento do anúncio" do mesmo. Mas o mal estava feito..O primeiro-ministro não se excluiu das discussões governamentais relacionadas com a decisão de conceder o contrato à WE. "Cometi um erro por não me ter afastado imediatamente das discussões, dada a história da minha família", disse duas semanas depois, num pedido de desculpas..Já então o comissário de Ética Mario Dion (um funcionário independente do Parlamento) iniciara uma investigação ao primeiro-ministro, que se afirmara "dececionado" com o sucedido, e relembrara o seu longo passado de envolvimento em associações juvenis..O ministro das Finanças Bill Morneau também fez parte das reuniões do governo sobre o contrato com a WE e tem igualmente um conflito de interesses. Duas filhas estiveram diretamente envolvidas com a instituição de caridade, uma deles como funcionária..Na semana passada, Morneau disse à Comissão de Finanças da Câmara dos Comuns que a sua família doou 100 mil dólares (mais de 63 mil euros) à instituição nos últimos dois anos e que naquele dia reembolsou a quantia de 26 mil euros pelas viagens familiares ao Quénia e Equador que realizaram para se inteirar de projetos da WE no estrangeiro..À medida que os dias passaram mais pormenores chegaram à tona. Veio a saber que a mãe e o irmão de Trudeau foram remunerados para falar em vários eventos da WE ao longo dos anos..Margaret Trudeau recebeu 250 mil dólares (quase 160 mil euros) por falar em 28 eventos da WE ao longo de quatro anos, enquanto o irmão Alexander recebeu 32 mil dólares (20 mil euros) por ser orador em oito ocasiões entre 2017 e 2018..Justin Trudeau também foi presença regular nas atividades da WE e a mulher, Sophie Grégoire-Trudeau, é embaixadora honorária da instituição, tem um podcast sobre saúde mental no site da WE, e recebeu pelo menos uma vez dinheiro (em 2012, antes de Trudeau ser primeiro-ministro, por ter apresentado um evento)..Trudeau enfrenta a terceira investigação em cinco anos de mandato. Além desta decisão de adjudicar um contrato que beneficiava a WE Charity em 27 milhões de euros, a anterior comissária de Ética censurara o primeiro-ministro por ter violado a lei de conflitos de interesses em duas ocasiões: em 2017, por ter aceitado passar férias na ilha particular de Aga Khan, e no ano passado por tentativa de influenciar processos judiciais no caso SNC-Lavalin..Neste último caso, as ministras das Justiça (e procuradora-geral) e da Saúde acabaram demitidas do governo e do partido por terem manifestado relativamente às alegadas pressões sofridas pela primeira, Jody Wilson-Raybould, no sentido de não levar a tribunal a empresa SNC-Lavalin num caso de corrupção que envolvia o regime de Muammar Kadhaffi..A ex-comissária Mary Dawson, em declarações à CBC, disse que Trudeau "tem um ponto cego em questões éticas"..Não gosta de oposição.O Hill Times ouviu vários deputados atuais e antigos liberais e a conclusão a que se chega é que Justin Trudeau não tem neste momento que levante a voz e, por outro lado não é homem que goste de ser questionado, o que explica o destino das duas ministras que levantaram a voz..David Herle, ex-conselheiro de primeiros-ministros disse no seu podcast que todos os que estão familiarizados com a forma como Trudeau funciona sabem que o primeiro-ministro não gosta de " divergências".."Qualquer pessoa que tenha trabalhado com Trudeau compreenderia quão indesejável é a divergência", disse..Atuais e antigos deputados liberais disseram ao Hill Times temerem que Trudeau e a sua equipa, satisfeita com a gestão da crise da pandemia, esteja a viver numa espécie de bolha..O Canadá, com 37 milhões de habitantes, regista cerca de 115 mil infetados, dos quais morreram menos de nove mil pessoas. Em abril as autoridades de saúde previram até ao final da pandemia entre 11 e 22 mil óbitos..A resposta das autoridades é tida como positiva, em especial nas ajudas à economia e aos cidadãos, e no encerramento das fronteiras com os EUA. No lado negativo registaram-se surtos em lares e problemas na província de Ontário. Segundo a CNBC, as políticas de saúde pública falharam quando se registou uma quebra nos testes e nas máscaras disponíveis. Mas a imagem do governo saiu reforçada.."Talvez estejam todos completamente alheios à questão ética e convenceram-se de que estamos todos a fazer um bom trabalho", disse um deputado. "Eles responderam à grande crise do século XXI, e etc, etc. E as únicas pessoas com quem se fala são pessoas que pensam e falam exatamente como elas. Pode-se entrar num círculo que que não permite qualquer dissidência.".Outro deputado liberal que falou disse que até ao início do escândalo WE, havia unanimidade na bancada liberal sobre a forma como o executivo estava a lidar com a crise do novo coronavírus, com um pacote de medidas de mais de 200 mil milhões de dólares (127 mil milhões de euros) para contrariar a crise económica e social, mas danificou o capital político com a última decisão. "É inacreditável. Estamos a perder toda a simpatia [dos eleitores] nos últimos mil milhões de dólares gastos."
Na quinta-feira Justin Trudeau vai responder aos deputados da comissão das finanças sobre o mais recente escândalo, mas apesar da sua história atribulada com a ética transparece na imprensa local uma inevitabilidade quanto à continuidade da relação de conveniência do primeiro-ministro com os canadianos..Por exemplo, o editorial de domingo do National Post dá conta de um desencanto e de um pragmatismo em doses iguais. "O primeiro-ministro não acredita que as regras se lhe apliquem. O ministro das Finanças parece não se conseguir lembrar se as quebrou ou não. Mas ambos permanecerão no cargo. Afinal, estes são, como nos recordam constantemente, tempos sem precedentes.".Linhas antes lia-se: "Infelizmente, os canadianos estão provavelmente presos a eles. Porque nenhum partido deseja uma eleição em plena emergência, e porque os liberais, apesar de todas as suas antigas promessas de liderar um governo melhor e mais transparente em benefício da classe média (e, sim, daqueles que trabalham arduamente para se juntarem a ela), desistiram claramente do último intento.".Trudeau foi reeleito em outubro passado, apesar do chamado escândalo SNC-Lavalin, e tem como líder da oposição Andrew Scheer, o homem que perdeu as eleições pelos conservadores e está demissionário desde dezembro..Na sexta-feira, Scheer pediu para que o primeiro-ministro e o ministro das Finanças Bill Morneau se demitam, dando a entender que preferia um cenário em que os liberais substituíssem o líder do partido e, em sequência, a chefia do executivo.."Estão dispostos a sacrificar a sua integridade pessoal para proteger o seu líder assolado por escândalos, e para encobrir a corrupção? Ou estão dispostos a tomar uma posição e exigir que Trudeau se afaste? Se os liberais se recusarem a agir, ficam de braços cruzados e não dizem nada, então estão implicitamente a aprovar este comportamento corrupto, e serão tão culpados como Justin Trudeau,".Em fragilidade, o líder da oposição viu o seu pedido cair em saco roto. Na segunda-feira, Scheer voltou à carga. Desta vez voltou a exigir uma investigação criminal ao caso..Conflito de interesses.O que está, afinal, em causa? O governo liberal anunciou no final de junho que confiava à organização WE Charity a gestão de um programa federal para estudantes e que oferece bolsas até cinco mil dólares canadianos (mais de três mil euros) a estudantes em troca de voluntariado junto de associações sem fins lucrativos..O programa, com um orçamento de 580 milhões de euros, dos quais 27,7 milhões destinados à própria organização não governamental, atraiu rapidamente a desconfiança de muitas pessoas devido à proximidade de Trudeau com a instituição fundada pelos irmãos Craig e Marc Kielburger há 25 anos e que tinha como objetivo pôr fim à exploração infantil..No início de julho, em comunicado, os Kielburger anunciaram a saída da WE da gestão do programa porque a WE foi "envolta em controvérsia desde o momento do anúncio" do mesmo. Mas o mal estava feito..O primeiro-ministro não se excluiu das discussões governamentais relacionadas com a decisão de conceder o contrato à WE. "Cometi um erro por não me ter afastado imediatamente das discussões, dada a história da minha família", disse duas semanas depois, num pedido de desculpas..Já então o comissário de Ética Mario Dion (um funcionário independente do Parlamento) iniciara uma investigação ao primeiro-ministro, que se afirmara "dececionado" com o sucedido, e relembrara o seu longo passado de envolvimento em associações juvenis..O ministro das Finanças Bill Morneau também fez parte das reuniões do governo sobre o contrato com a WE e tem igualmente um conflito de interesses. Duas filhas estiveram diretamente envolvidas com a instituição de caridade, uma deles como funcionária..Na semana passada, Morneau disse à Comissão de Finanças da Câmara dos Comuns que a sua família doou 100 mil dólares (mais de 63 mil euros) à instituição nos últimos dois anos e que naquele dia reembolsou a quantia de 26 mil euros pelas viagens familiares ao Quénia e Equador que realizaram para se inteirar de projetos da WE no estrangeiro..À medida que os dias passaram mais pormenores chegaram à tona. Veio a saber que a mãe e o irmão de Trudeau foram remunerados para falar em vários eventos da WE ao longo dos anos..Margaret Trudeau recebeu 250 mil dólares (quase 160 mil euros) por falar em 28 eventos da WE ao longo de quatro anos, enquanto o irmão Alexander recebeu 32 mil dólares (20 mil euros) por ser orador em oito ocasiões entre 2017 e 2018..Justin Trudeau também foi presença regular nas atividades da WE e a mulher, Sophie Grégoire-Trudeau, é embaixadora honorária da instituição, tem um podcast sobre saúde mental no site da WE, e recebeu pelo menos uma vez dinheiro (em 2012, antes de Trudeau ser primeiro-ministro, por ter apresentado um evento)..Trudeau enfrenta a terceira investigação em cinco anos de mandato. Além desta decisão de adjudicar um contrato que beneficiava a WE Charity em 27 milhões de euros, a anterior comissária de Ética censurara o primeiro-ministro por ter violado a lei de conflitos de interesses em duas ocasiões: em 2017, por ter aceitado passar férias na ilha particular de Aga Khan, e no ano passado por tentativa de influenciar processos judiciais no caso SNC-Lavalin..Neste último caso, as ministras das Justiça (e procuradora-geral) e da Saúde acabaram demitidas do governo e do partido por terem manifestado relativamente às alegadas pressões sofridas pela primeira, Jody Wilson-Raybould, no sentido de não levar a tribunal a empresa SNC-Lavalin num caso de corrupção que envolvia o regime de Muammar Kadhaffi..A ex-comissária Mary Dawson, em declarações à CBC, disse que Trudeau "tem um ponto cego em questões éticas"..Não gosta de oposição.O Hill Times ouviu vários deputados atuais e antigos liberais e a conclusão a que se chega é que Justin Trudeau não tem neste momento que levante a voz e, por outro lado não é homem que goste de ser questionado, o que explica o destino das duas ministras que levantaram a voz..David Herle, ex-conselheiro de primeiros-ministros disse no seu podcast que todos os que estão familiarizados com a forma como Trudeau funciona sabem que o primeiro-ministro não gosta de " divergências".."Qualquer pessoa que tenha trabalhado com Trudeau compreenderia quão indesejável é a divergência", disse..Atuais e antigos deputados liberais disseram ao Hill Times temerem que Trudeau e a sua equipa, satisfeita com a gestão da crise da pandemia, esteja a viver numa espécie de bolha..O Canadá, com 37 milhões de habitantes, regista cerca de 115 mil infetados, dos quais morreram menos de nove mil pessoas. Em abril as autoridades de saúde previram até ao final da pandemia entre 11 e 22 mil óbitos..A resposta das autoridades é tida como positiva, em especial nas ajudas à economia e aos cidadãos, e no encerramento das fronteiras com os EUA. No lado negativo registaram-se surtos em lares e problemas na província de Ontário. Segundo a CNBC, as políticas de saúde pública falharam quando se registou uma quebra nos testes e nas máscaras disponíveis. Mas a imagem do governo saiu reforçada.."Talvez estejam todos completamente alheios à questão ética e convenceram-se de que estamos todos a fazer um bom trabalho", disse um deputado. "Eles responderam à grande crise do século XXI, e etc, etc. E as únicas pessoas com quem se fala são pessoas que pensam e falam exatamente como elas. Pode-se entrar num círculo que que não permite qualquer dissidência.".Outro deputado liberal que falou disse que até ao início do escândalo WE, havia unanimidade na bancada liberal sobre a forma como o executivo estava a lidar com a crise do novo coronavírus, com um pacote de medidas de mais de 200 mil milhões de dólares (127 mil milhões de euros) para contrariar a crise económica e social, mas danificou o capital político com a última decisão. "É inacreditável. Estamos a perder toda a simpatia [dos eleitores] nos últimos mil milhões de dólares gastos."