O Tribunal de Contas (TdC) recusou novamente dar visto prévio ao contrato de manutenção dos motores dos helicópteros EH-101, com os quais Portugal garante as missões de busca e salvamento aéreo numa área do oceano Atlântico superior a cinco milhões de quilómetros quadrados..O Ministério da Defesa disse ao DN que "qualquer esclarecimento relativamente aos contratos de manutenção" dos EH-101 "deverá ser obtido junto da administração da DEFLOC, uma vez que esta é a entidade responsável pela gestão da manutenção dos motores das aeronaves". O gabinete do ministro João Gomes Cravinho adiantou, no entanto, que "continuará a acompanhar de perto o trabalho" da empresa "no sentido de encontrar a solução que melhor corresponda ao interesse público"..O DN não conseguiu obter qualquer resposta do presidente da DEFLOC, criada para adquirir os EH-101 em regime de leasing operacional. A empresa está em extinção e é proprietária de dez dos helicópteros operados pela Força Aérea, mas tem a responsabilidade de garantir a manutenção e a operação dos 12 aparelhos junto do fabricante, Leonardo, e da SAFRAN (para os motores)..Uma das questões suscitadas pelo veto do TdC reside em saber como é que a DEFLOC vai continuar a pagar à SAFRAN sem haver novo contrato validado pelo tribunal - pelo que, se os pagamentos forem suspensos, deverão implicar a paragem dos helicópteros (a exemplo do sucedido com o aparelho que não voa há cerca de três anos por falta de pagamento ao fabricante)..Note-se que o TdC, se no primeiro acórdão falava em irregularidades (passíveis de ser corrigidas), refere agora ilegalidades (com possíveis implicações criminais)..Se, em dezembro, o TdC alertava que a DEFLOC "não logrou demonstrar que a despesa plurianual [de 81 milhões de euros] se encontra regularmente autorizada" (via Lei de Programação Militar), agora declarou que "a subsunção de ilegalidades (...) implica necessariamente a recusa de visto e [também] a proibição de quaisquer efeitos jurídicos do contrato"..Segundo o Ministério, "o atual contrato de manutenção de motores encontra-se em execução até 30 de junho de 2019, sendo suscetível de prorrogação". Além disso, "só foram efetuados pagamentos relativamente ao contrato em vigência" - já prorrogado pelo menos uma vez, no início deste ano..Mas com o TdC a relacionar este contrato com os celebrados nos anos 2000 e a dizer que agora há uma "proibição de quaisquer efeitos jurídicos" do documento, fica por saber como é que os pagamentos podem legalmente continuar a ser feitos - e mesmo como o foram nos últimos meses, algo quo o TdC deverá querer saber quanto lá chegar o próximo pedido de visto para o novo contrato..Juízes sem dó nem piedade.O acórdão com data de 28 de março, publicado nesta semana na página digital do TdC, tem por base o recurso da empresa pública DEFLOC à sentença da primeira instância, em dezembro, que recusara dar visto prévio ao referido contrato por haver "violação de normas financeiras" e incumprimento das regras associadas às parcerias público-privadas (PPP), soube o DN..Elemento central de divergência entre a DEFLOC e o TdC reside na alteração do entendimento que o tribunal agora faz sobre as PPP e a necessidade de haver visto prévio nesse contrato. Em 2002, o tribunal declarara que ele não era necessário. Mas, como no acórdão recorrido, os juízes voltam a explicar que a jurisprudência em matéria de parcerias público-privadas evoluiu nos últimos anos e, em especial, após a intervenção da troika..O teor deste segundo acórdão é muito duro - uma das fontes disse ao DN que se sentiria "insultado" se fosse destinatário do acórdão - nalguns dos pontos, o que pode explicar-se com a linguagem usada pela DEFLOC no recurso. Exemplos? Afirmar repetidas vezes que o TdC "interpretou e aplicou incorretamente" a lei quando "é particularmente evidente que o contrato não consubstancia uma PPP"..Os juízes recorreram mesmo a argumentos usados pelo advogado e agora ministro Pedro Siza Vieira para fundamentar a sua posição de que o contrato em causa constitui uma PPP, contrária à argumentação da DEFLOC - o que diferentes fontes ouvidas pelo DN coincidiram em dizer que não foi por acaso, dado o elevado número de autores com doutrina sobre o assunto que o TdC poderia citar..A DEFLOC queixou-se ainda no recurso de que "o tribunal não solicitou qualquer esclarecimento à recorrente sobre as medidas que adotou e sobre as diligências encetadas previamente ao lançamento do procedimento que conduziu à celebração do contrato, não tendo sido por isso possível" à empresa "esclarecer o que tinha sido, ou não, feito"..Perante isto, o TdC não poupou palavras, começando por lembrar que "o recurso se cinge a matéria de direito". Por isso, "a eventual pretensão suscetível de determinar uma alteração da decisão recorrida teria de incidir na violação pela primeira instância de regras legais imperativas em matéria de direito probatório material"..Em causa a informação, enviada pela DEFLOC em fevereiro deste ano, dando "conhecimento ao tribunal de que foi informada pelo gabinete do ministro" Gomes Cravinho quanto à "intenção de aprovação", em Conselho de Ministros, de uma resolução a autorizar a "despesa em causa". Esse documento está "em processo de agendamento na Presidência do Conselho de Ministros, conforme resulta das mensagens de correio eletrónico que se juntam ao presente requerimento", referiu a empresa..A DEFLOC adiantava que "a aprovação de uma resolução [em data desconhecida] que autorize a realização da despesa em causa permitirá sanar um vício imputado ao contrato de aquisição de serviços que é objeto do processo, e que também levou à recusa do respetivo visto"..Segundo o TdC, cabia também à DEFLOC "o ónus de alegar e provar o preenchimento dos requisitos legais para obtenção do visto" junto do TdC. Além disso, na fase de instrução prévia à primeira sentença, "houve duas devoluções determinadas pelo próprio tribunal ao requerente para alegação de factos e/ou argumentos jurídicos suplementares e junção de prova adicional", recordaram agora os juízes..Lembrando que o TdC é um "órgão constitucional com reserva de competência nesta matéria de concessão ou recusa de visto", os juízes acrescentaram: "A circunstância" de a DEFLOC enviar o contrato ao TdC "sem que todos os elementos necessários para a concessão do visto estivessem reunidos integra a assunção de opções próprias judicialmente insindicáveis".."Foi uma opção" da DEFLOC, "em primeira instância, não ter (...) requerido ou apresentado motivo justificado para a suspensão" do processo antes da decisão de recusar o visto. Acresce, registou o TdC, que esse era um "poder de conformação processual exclusivo do requerente já que o tribunal está vinculado" na tomada de decisão aos "elementos de prova fornecidos para o efeito e vinculado ao prazo perentório estabelecido na lei para o efeito"..A DEFLOC, prosseguiu o TdC, "não invoca a violação do princípio do contraditório nem a existência de qualquer decisão surpresa, tendo a entidade fiscalizada sido confrontada em primeira instância com as questões que vieram a fundamentar a recusa de visto". Por outro lado, teve "a oportunidade de apresentar as provas e argumentos que considerou pertinentes sobre todos os tópicos que conformaram o julgamento proferido" em relação ao Regime Jurídico das PPP..A DEFLOC também "não identificou uma concreta norma legal alegadamente violada" pelo TdC "nem empreendeu a arguição de nulidades" - nem conseguiu "cumprir dois ónus" a que estava obrigada: "Identificar a ilegalidade consubstanciada em supostas omissões indevidas do tribunal" e ainda "fundamentar a respetiva qualificação como nulidade",.Como tal, concluiu o TdC, "a alegação de que não foi 'possível à recorrente esclarecer o que tinha sido, ou não, feito' parece ter subjacente uma perspetiva crítica sobre o procedimento que precedeu a decisão recorrida visando a atividade instrutória desenvolvida pelo tribunal anterior ao julgamento em primeira instância, quanto à qual ressalta que não foram estabelecidos prazos perentórios ope judicis nem rejeitados eventuais pedidos da requerente de dilação do prazo para resposta"..Busca e salvamento.Além das missões militares, os helicópteros EH-101 são um instrumento central para o Estado português cumprir as obrigações a que está vinculado internacionalmente em matéria de busca e salvamento (SAR, sigla em inglês) no oceano Atlântico, abrangendo uma área superior a cinco milhões de quilómetros quadrados..Segundo a Força Aérea, a área de responsabilidade SAR atribuída a Portugal "é a maior da Europa" e coincide com as regiões de informação de voo de Lisboa e de Santa Maria (Açores). A responsabilidade (civil e militar) por essas missões está a cargo de três entidades: a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC), a Força Aérea e a Marinha - "estando todos em permanente coordenação", segundo o ramo aeronáutico das Forças Armadas.