Quando recebeu a chamada do DN, Ana Deus tinha acabado de receber um pacote com os primeiros exemplares do novo álbum de originais dos Três Tristes Tigres, Mínima Luz. "As cores ficaram muito bem", diz orgulhosa ao companheiro de banda Alexandre Soares, que também participa neste telefonema a três vozes. "Apesar do streaming e dos downloads, o objeto físico ainda continua a ter o seu valor", reconhece a vocalista, explicando que foi por essa razão que decidiram fazer "a capa em em digipack e não naquelas caixas de plásticos horríveis, que depois se partem"..É certo que, por agora, as lojas de discos ainda continuam fechadas, mas quem quiser adquirir o álbum pode fazê-lo através do mail (correiodostigres@gmail.com) da banda e recebê-lo em casa por apenas 10 euros. Mais tarde, quando a vida voltar à normalidade possível, será também editado em formato vinil, que segundo Ana "vai ficar muito mais bonito e acrescentar ainda mais a esse fascínio material pelo objeto"..Para muitos parecerá que foi ontem, mas a verdade é que já se passaram 22 anos desde o último disco de originais dos Três Tristes Tigres, Comum, que em 1998 encerrava uma trilogia que marcou a década de 90 na pop portuguesa, em conjunto Partes Sensíveis (1993) e especialmente Guia Espiritual (1996). Os Tigres, como os próprios gostam de dizer, são compostos por aquilo que se convencionou chamar dois nomes históricos da música moderna portuguesa, como à época se dizia: o guitarrista e compositor Alexandre Soares, membro fundador dos GNR, e a vocalista Ana Deus, que fez parte dos Ban. Ambos formam também os Osso Vaidoso, um projeto só de guitarra e voz, já com dois ditos editados..À dupla junta-se ainda a poetisa Regina Guimarães, "a terceira tigre", que através das letras ajudou a criar o universo muito próprio da banda, feito de um cruzamento perfeito entre poesia, guitarras elétricas e música eletrónica. Tal como agora volta a acontecer neste Mínima Luz, um disco no entanto bem diferente dos anteriores, com uma sonoridade mais crua e direta, mais rock até, mas com muitas derivações e explorações eletrónicas. "É que nós somos hoje", explica Alexandre Soares..Porquê este regresso, agora, à denominação Três Tristes Tigres, 22 anos depois do último disco?.Ana Deus - Este regresso aconteceu por completo acaso, na sequência de um convite, em 2017, por parte da organização do Porto Best Of, uma série de concertos só com bandas da cidade, que nos desafiou a reinterpretar em palco o álbum Guia Espiritual. Entretanto, depois desse momento, demos mais alguns espetáculos e começámos a sentir que necessitávamos de material novo para apresentar ao vivo. E pronto, agora já temos muito mais coisas para mostrar..Se bem que na verdade vocês nunca tenham deixado de trabalhar juntos, nomeadamente do projeto Osso Vaidoso, do qual este novo disco dos Três Tristes Tigres, em termos de sonoridade, até parece mais próximo, concordam?.Alexandre Soares - O Osso Vaidoso partiu sempre e apenas de uma base de guitarra e voz, que mantivemos sempre nos dois discos que gravámos, mas já então me apeteceu sempre fazer um som maior, com mais elementos, como faço, por exemplo, quando trabalho para dança. É natural que seja parecido, porque o Osso é o que nós somos agora, apenas voltámos ao nome antigo porque ele estava ligado a esse som maior que pretendíamos voltar a explorar. Percebo perfeitamente essa comparação, mas este disco é o resultado de um exaustivo trabalho de dois anos, comigo à procura de uma sonoridade que nos representasse agora e com a Ana a fazer o mesmo com os textos..Ana Deus - A principal diferença é que quando nos juntámos nos Osso Vaidoso, pegámos numa série de poemas já existentes, que eu andava a declamar ma altura, e adaptámo-los às música, enquanto no Tigres sempre usámos textos exclusivos, como agora, que voltamos a ter cinco poemas da Regina Guimarães, um meu, outro do Luca Argel e duas traduções de textos de William Blake e Langston Hughes..A Regina Guimarães é desde o início uma espécie de terceira Tigre, mas como e porque é que aparece aqui o Luca Argel?.Alexandre Soares - A Regina é efetivamente a terceira Tigre, sem dúvida....Ana Deus - O Luca aparece porque trabalhei com ele cerca de um ano, num projeto sobre o Fernando Pessoa e além de gostar muito dele, tanto pessoal como artisticamente, pareceu-me interessante ter a visão de alguém com uma outra idade e outra naturalidade neste álbum. Pedi-lhe exatamente o mesmo que pedi à Regina, para fazer uma letra inspirada num conceito de profecias, responsos e curativos. Quando canto gosto de me sentir num sítio de esperança e é isso que estas letras me dão..Um sentimento que não existe nestes estranhos tempos em que vivemos atualmente?.Ana DEUS - Sim, mas tempos são sempre estranhos e a realidade nunca é como nós esperamos..O disco conta com a participação de alguns convidados, como o baterista Fred Ferreira ou a harpista espanhola Angelica Salvi, o que é que eles trouxeram ao som dos Três Tristes Tigres?.Alexandre Soares - O Fred era já um desejo antigo, sempre tive vontade de trabalhar com ele mas tal nunca se tinha proporcionado. Entretanto achei que havia um tema em que ele poderia entrar bem, falámos e acabou por participar em três. Com a Angelica, fui eu que produzi o primeiro álbum dela e acabei por me interessar bastante pelo instrumento e pelo modo como ela o aborda. Creio que liga muito bem com a guitarra. E depois participam também o baixista Rui Martelo, que já colabora connosco há muito tempo e ainda o percussionista Gustavo Costa..Como é que acham que os fãs mais antigos vão reagir a esta nova sonoridade, mais direta e de certa forma mais rock?.Alexandre Soares - Creio que já ninguém estaria à espera de fossemos fazer o mesmo de há 20 anos. Mesmo nessa altura sempre nos sentimos muito livres para fazermos o que bem entendíamos, especialmente em palco. Sempre improvisámos muito ao vivo, nunca estivemos presos a nenhuma fórmula e as pessoas sabem disso, até porque é em palco que nos sentimos melhor..O concerto de apresentação, que tinham agendado para o dia 17, no Auditório de Espinho, foi cancelado devido à pandemia, já têm entretanto alguma outra data?.Alexandre Soares - Ainda não, mas vamos começar a trabalhar como se tivéssemos. Aliás, daqui a pouco vamos ensaiar para o meu estúdio, que é um autêntico bunker onde nada entra (risos).