Três amigos e um quadro branco. Isto é "Arte"

A peça "Arte" está de volta. Agora com Adriano Luz, João Lagarto e Vítor Norte. Estreia amanhã.
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Um quadro branco, completamente branco. O fundo é branco e "se fecharmos ligeiramente os olhos vemos umas riscas brancas, transversais". Uma tela com 1,60 metros por um 1,20. O dermatologista Sérgio, que está bem na vida e é apreciador de arte contemporânea, comprou o quadro branco, assinado pelo famoso pintor Antrios, por 30 mil euros. O amigo Mário não quer acreditar. É "um sujeito inteligente", engenheiro aeronáutico, mas "faz parte daqueles novos intelectuais que ficam satisfeitos por serem inimigos da modernidade". Ri-se a olhar para o quadro branco. "Tu deste 30 mil euros por esta merda?"

Um quadro branco, completamente branco, está no centro de Arte, a peça de Yasmina Reza, que se tornou um dos maiores sucessos nos palcos portugueses: estreou em 1998, com encenação de António Feio e interpretações de Feio (que fazia Sérgio), José Pedro Gomes (como Mário) e Miguel Guilherme (o terceiro amigo, Ivo, um "tipo simpático" mas um pouco nervoso, que trabalha numa papelaria e tem casamento marcado para daí a duas semanas). Nas duas temporadas em cena, em 1998 e 2003, o espetáculo teve sessões esgotadas e foi visto por quase 200 mil espectadores.

Um quadro branco é arte?

Arte tinha estreado em Paris, em 1994, e foi depois um sucesso na Broadway, tendo ganho o Tony para melhor peça em 1998. O texto é aparentemente ligeiro mas, na verdade, põem-se aqui questões importantes sobre o que é a arte e qual o seu valor, o que é o bom gosto e porque é que gostamos daquilo que gostamos.

E agora está de volta. A ideia de repor Arte foi de Paulo Dias, da promotora UAU, que logo desafiou o encenador Adriano Luz. A responsabilidade de pôr em cena um espetáculo que tantos ainda têm na memória, ainda por cima depois da morte de António Feio, não o assustou: "Acontece em todo o mundo isso de pegar em peças que foram um êxito e fazê-las de novo", diz, Adriano Luz, que também é um dos intérpretes, ao lado de João Lagarto e Vítor Norte.

De resto, apesar de o texto ser o mesmo, o espetáculo é necessariamente diferente, garante o encenador: "Decidimos fazer isto com atores de uma outra geração, na casa dos 50 e 60 anos, e isso faz toda a diferença, porque este é um espetáculo sobre três amigos que discutem por causa de um quadro. E quando três homens quase acabam a sua amizade aos 60 anos isso ganha uma outra dimensão." Por exemplo: há uma cena onde dois dos amigos andam à luta. "Quando se tem 40 anos é uma coisa, mas ver dois homens feitos, de 60 anos, à pancada, já quase não sabem como é que se faz, é bastante ridículo", comenta.

Homens ou "uns rapazolas"?

É que, na perspetiva de Adriano Luz, esta é uma peça sobre arte contemporânea e sobre os meandros do mercado de arte, mas é, acima de tudo, uma peça sobre a amizade destes homens e sobre "as pequenas e grandes zangas entre amigos". "Vê-se que é uma peça escrita por uma mulher. Este é um olhar feminino sobre os homens, e é por isso que eles são tão parvos e inconscientes. São uns rapazolas."

"Não vamos complicar as coisas por causa de um quadro, a vida é demasiado curta", diz, a certa altura Sérgio. São três homens muito diferentes, com interesses culturais diferentes mas, apesar das discussões, conseguem ultrapassar tudo isso. A amizade entre os homens é um pouco assim, admite. "Eles dizem coisas medonhas uns aos outros. As pessoas riem-se de coisas que estão no limiar do insulto. Mas depois vão jantar e tudo se resolve. Se fossem mulheres isto nunca aconteceria. A amizade terminava ali."

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