Transportes sob pressão com aumento da procura. E ainda falta o passe família
Comboios cheios, pessoas a queixarem-se da qualidade dos serviços, um ministro a pedir desculpa e outro a dizer que não há "caos" nos transportes na Área Metropolitana de Lisboa. Pouco mais de dois meses depois do início do passe único - a 1 de abril entraram em vigor o navegante metropolitano (40 euros, o preferido por 68% dos novos utilizadores) e o municipal (30 euros) -, há mais 160 mil pessoas a utilizar os transportes públicos na zona da capital, uma procura a que as operadoras estão a ter dificuldades em responder.
A solução imediata passou por aumentar a velocidade no metro e retirar bancos tanto no comboio subterrâneo como na ligação ferroviária explorada pela Fertagus entre Lisboa e Setúbal. E as duas empresas estão a estudar a alteração dos horários para reforçar as horas de maior procura. Isto num momento em que não está ainda disponível o passe família, cuja entrada em vigor está prevista para julho. Aí, uma família pagará no máximo 80 euros (ou 40 no caso de só utilizar transportes num município), independentemente do número de pessoas do agregado.
Além da subida da procura, há uma outra questão a contribuir para os protestos dos passageiros: as greves, principalmente na Soflusa e na Transportes Sul do Tejo. No caso da primeira depois das paralisações dos mestres dos navios, está agora prevista uma paragem dos maquinistas no início de cada turno no dia 18 (inicialmente esta marcada para quinta-feira, 12) e os marinheiros também já entregaram um pré-aviso de greve válido para o dia 24. Já os TST têm cumprido greves de dois dias por mês - como estava a acontecer nesta terça-feira, mas agora suspensa depois de os trabalhadores terem decidido num plenário realizado esta manhã aceitar uma proposta da empresa de um aumento salarial para 685 euros em julho e agosto que passará para 700 entre setembro e novembro. Ao mesmo tempo as negociações com a TST continuam.
Nos dois primeiros meses de passe único os pedidos de título de transporte subiram cerca de 20% quando se compara abril e maio com o período homólogo do ano passado, existindo mais cerca de 160 mil pessoas com passe. Segundo os dados enviados ao DN pela Área Metropolitana de Lisboa, em abril os passes ativos passaram de 554 mil (em 2018) para 623 mil e em maio esses valores subiram de 556 mil para 710 mil. Os registos permitem perceber que do primeiro para o segundo mês de passe único os totais mostram um aumento de 87 mil passes. No total dos dois meses haverá mais 164 mil novos detentores de passes.
O aumento de procura dos transportes mostrou que as empresas transportadoras não têm meios humanos e materiais suficientes para responder às solicitações, principalmente nas horas de ponta da manhã e da tarde. As maiores queixas relacionam-se com o serviço dos comboios - nomeadamente na ligação entre Lisboa e Setúbal operada pela Fertagus -, metro de Lisboa e ligação fluvial entre o Barreiro e Lisboa (Transtejo). Menos visível foram as queixas dos utilizadores dos autocarros na Margem Sul. Nas respostas ao DN, a AML confirma que foram "identificados problemas de insuficiência na oferta de algumas carreiras, nomeadamente na península de Setúbal, que entretanto já foi possível reforçar aumentando a frequência nas horas de ponta nuns casos, e fazendo ajustamentos noutros [houve um reforço das ligações da Moita, Montijo e Alcochete para Lisboa]". Destaca a "dimensão reduzida dos problemas identificados face ao conjunto da rede de transporte público rodoviário de passageiros".
Não. Além da falta de meios materiais - de barcos na Transtejo e de composições na CP e na Fertagus - e humanos, acrescente-se as greves por alguns períodos dos mestres das embarcações que ligam o Barreiro a Lisboa e que levaram à supressão de horários e aos protestos dos passageiros, que chegaram a partir vidros na estação do Barreiro. Neste momento, a Transtejo tem a decorrer um concurso para a aquisição de embarcações, mas só deverá receber a primeira no final de 2020 e a CP está a recuperar comboios que estavam a necessitar de manutenção. Mesmo assim, vai reduzir ligações na Linha de Sintra a partir de dia 23 alegando que durante as férias escolares há menos procura.
Já a Fertagus tem 18 comboios, estando diariamente 17 a funcionar. Portanto, não consegue aumentar a oferta. Na Transtejo faltam mestres e marinheiros para se conseguirem completar as 21 tripulações necessárias à operação total. Quem também tem enfrentado dificuldades devido às greve são os utentes da Transportes Sul do Tejo, todos os meses têm existido paralisações de 48 horas consecutivas. Situações confirmadas pela Comissão de Utentes do Barreiro, que diz serem a "falta de material circulante e muitas carruagens com problemas de manutenção [no que diz respeito aos comboios] e falta de pessoal" os principais problemas que afetam os passageiros. Um dirigente, José Encarnação, retira peso às greves e garante, citando o Relatório de Fiscalização à Soflusa divulgado em abril de 2018, que, "em 2017, 76% das supressões na Soflusa [ligação Barreiro-Lisboa] deveram-se à falta de meios humanos e de material".
A Fertagus já tem em teste um comboio em que retirou bancos tanto na parte inferior da composição como na superior, de forma a poder transportar mais passageiros em pé. Sistema idêntico também está em prática no metro de Lisboa. Apesar de agora ter sido mais mediatizada, a empresa garantiu que já tinha esta medida no terreno desde 2017. No caso do metropolitano, outra decisão foi a de aumentar a velocidade comercial para 60 km/hora, o que terá permitido aumentar a frequência dos comboios. Outra intervenção que está a ser estudada, por exemplo na Fertagus, é a alteração dos horários. Ao DN, fonte oficial confirmou que essa mudança está a ser analisada e, por isso, não está estabelecida uma data para entrar em vigor. Essa mudança pode passar por uma diferente distribuição dos comboios duplos nas horas de ponta e o reforço das ligações a Setúbal, tal como a antecipação da chamada hora de ponta da tarde.
Uma das questões que os operadores têm apresentado diz respeito às compensações do défice tarifário que a redução do preço dos passes implicou. A AML frisa que está garantido esse pagamento de forma a evitar "ruturas e paragem de serviços por indisponibilidade financeira para pagamento de ordenados, de energia - combustível e eletricidade -, de manutenção, segurança e outros custos indispensáveis ao funcionamento dos transportes". Adianta ainda que está equacionado "num segundo momento o pagamento de compensações, em função das disponibilidades financeiras decorrentes do aumento de procura geradas pela redução tarifária, associadas às validações - estimulando e compensando os operadores pelo ajustamento, reorganização e reforço dos seus serviços para uma melhor resposta à procura". Ou seja, uma espécie de prémio a quem conseguir responder com qualidade à procura de transporte público.
Até ao final do ano vai ser lançado o concurso para a concessão do transporte rodoviário na Área Metropolitana de Lisboa. De acordo com a AML, está a ser desenhada a "futura rede" prevendo a entidade que gere estas questões "um aumento significativo da atual oferta, estando em curso todos os estudos e preparação das peças formais para promover o concurso público internacional que permitirá a futura concretização desta ambição (importa ter presente que um concurso desta natureza e amplitude impõe não só estudos e trabalhos exigentes mas também tem procedimentos que obrigam a prazos demorados e impedem a sua concretização no imediato)".
Com Valentina Marcelino
(Texto atualizado após a suspensão da greve nos Transportes Sul do Tejo)