Transferência para filho destapou conta "secreta"

Ex-procurador foi obrigado a recorrer a conta que a Polícia Judiciária procurava há muitos meses
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Com um dos filhos a estudar no estrangeiro, o ex-procurador Orlando Figueira, preso preventivamente por suspeitas de corrupção, foi obrigado no ano passado a recorrer a dinheiro de uma conta bancária para ajudar o jovem. Foi esta operação que levou os investigadores da Unidade Nacional contra a Corrupção (UNCC) da Polícia Judiciária a desfiar um novelo, que permitiu descobrir uma espécie de "conta secreta" do antigo magistrado do Ministério Público, para a qual terão sido transferidos milhares de euros como contrapartida para arquivar processos relacionados com políticos angolanos.

O "golpe de sorte" da Judiciária, como reconheceu ao DN um investigador, foi fundamental para chegar até à suposta origem do dinheiro transferido para Orlando Figueira: a sociedade Primagest, uma subsidiária da petrolífera angolana Sonangol. Terá sido através daquela empresa que, logo após ter arquivado, em janeiro de 2012, um inquérito relativo a Manuel Vicente - vice-presidente de Angola, presidente da Sonangol à altura dos factos - Orlando Figueira começou a receber as primeiras tranches até, numa primeira fase, totalizar 300 mil euros.

A investigação ainda terá tentado, através do Banco de Portugal, obter informações sobre as contas bancárias de Orlando Figueira. Porém, o Banco Privado Atlântico Europa (BPA) nunca terá revelado a existência da tal conta para onde foram canalizadas as transferências. Esta situação levou a que a própria instituição bancária - ainda que uma fonte tenha já dito ao DN que o banco cumpriu todas as normas e regulamentos - fosse constituída arguida por suspeitas de branqueamento de capitais.

No processo, o advogado Paulo Amaral Blanco, que representou, além de Manuel Vicente, outros políticos angolanos, também foi constituído arguido pelo crime de corrupção ativa, em coautoria com o vice-presidente de Angola, que a Procuradoria-Geral da República fez questão de dizer que não tinha sido constituído arguido.

Viagem para Angola

Ouvido pela juíza de instrução Maria Antónia Andrade na semana passada, Orlando Figueira acabou por ficar em prisão preventiva no Estabelecimento Prisional de Évora, o mesmo que albergou o antigo primeiro-ministro José Sócrates durante nove meses. Uma viagem já pré-agendada por Orlando Figueira a Angola terá pesado na decisão da magistrada judicial em considerar que havia perigo de fuga. Maria Antónia Andrade considerou ainda existir perigo de perturbação da investigação, caso Orlando Figueira ficasse em liberdade, assim como esta situação poderia gerar alarme social.

Paulo Sá e Cunha, advogado do ex-procurador, visitou ontem o seu cliente em Évora. O mais provável é que recorra da decisão da juíza de instrução, que acolheu o pedido de preventiva feito pela procuradora Inês Bonina do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP).

MP preocupado

O envolvimento de um ex-procurador em suspeitas de corrupção tem gerado uma onda de preocupação interna no Ministério Público. Ainda por cima, as suspeitas em causa dizem respeito ao "coração" da ação penal do MP, o Departamento Central de Investigação e Ação Penal, onde Orlando Figueira trabalhou durante anos, com acesso aos mais complexos processos--crime da justiça.

Francisca van Dunem, ministra da Justiça, que fez carreira como procuradora do Ministério Público, procurou já desdramatizar a situação: "Não penso que haja um problema de credibilidade do Ministério Público. O MP agiu como entendeu que devia agir, pela forma processual mais adequada."

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