Em 1989, Nizar Trabelsi, jogador de futebol de origem tunisina, parecia ter conquistado o sonho de uma vida. Deixou o seu país, onde se ia afirmando como uma das maiores revelações, e rumou à Europa para representar os escalões jovens do Standard de Liège. Do clube belga saltou para a Bundesliga, assinando contrato com o Fortuna Dusseldorf, da I liga alemã. Só que num ápice o sonho deu lugar a um pesadelo. Não se adaptou ao emblema germânico, foi caindo para clubes de divisões secundárias, refugiou-se no álcool e nas drogas, e tornou-se num alvo fácil para a rede de captação da Al Qaeda. Hoje, com 49 anos, Trabelsi está preso numa cadeia de alta segurança nos Estados Unidos..Na sequência de uma megaoperação da polícia belga, em setembro de 2001, dias depois do atentado às Torres Gémeas, em Nova Iorque, o jogador foi acusado de ligações à Al Qaeda e de ter planeado um ataque suicida contra a base militar da NATO em Kleine Bogel, na Bélgica. Algo que não chegou a concretizar porque entretanto foi preso..Nizar Trabelsi, que foi condenado na Bélgica a 10 anos de prisão, enfrenta atualmente uma pena de prisão perpétua, por ter sido extraditado para os EUA, onde ainda está a ser julgado. O antigo jogador tenta provar que a extradição foi ilegal, têm tido o apoio de organizações humanitárias e até o parecer favorável de um tribunal belga de primeira instância. Mas para já mantém-se preso nos EUA..O início das ligações à Al Qaeda.A decadência de Trabelsi começou nos anos 1990. O Fortuna Dusseldorf acabou por ser um fardo demasiado pesado para a então jovem promessa tunisina. Esteve um ano no gigante alemão, não vingou, e os anos a seguir foram passados em clubes secundário germânicos, como o Wuppertaler, o Wulfrath e o Neuss. Foi nesta altura que começou a levar uma vida de excessos (droga e álcool) e conheceu o argelino Djamel Beghal (condenado por planear um atentado contra a embaixada dos EUA em Paris), que acabaria por se tornar na sua porta de entrada na organização terrorista..Em 1998, Trabelsi desapareceu sem deixar rasto. Soube-se mais tarde que se mudou para o Afeganistão, onde numa primeira fase se tornou uma peça chave da Al Qaeda no financiamento da organização terrorista através do tráfico de diamantes. Dois anos depois regressou à Alemanha, para comunicar à família que se ia mudar em definitivo para o Afeganistão, porque tinha decidido tornar-se num mártir de Alá..A partir daqui as relações à Al Qaeda começaram a estreitar-se. Instalou-se na cidade afegã de Jalalabad e foi aqui que decidiu que queria dedicar a sua vida à vingança contra o Ocidente. Entrou em contacto com as altas ramificações da Al Qaeda e encontrou-se pessoalmente com Osama Bin Laden. Nessa reunião, terá ficado impressionado com com o discurso do líder da organização terrorista, que conhecia todo o seu passado, inclusivamente como futebolista. "Bin Laden disse-me que era como um pai para mim e por isso amo-o", chegou a dizer durante o seu julgamento..Da primeira à grande missão.O fanatismo de Trabelsi deixou Bin Laden entusiasmado. E a primeira missão dada ao ex-jogador foi a destruição dos Budas de Bamiyan, situados a 240 km de Cabul, no Afeganistão. Ao mesmo tempo, o tunisino ia-se reunido cada vez com mais frequência com líderes da Al Qaeda, encontros onde lhe mostravam vídeos da cidade de Gaza a ser bombardeada e imagens de mulheres muçulmanas a serem violadas. Naqueles dias começava já a ganhar forma um forte ataque terrorista aos Estados Unidos e também na Europa..A influência de Nizar Trabelsi na organização terrorista foi crescendo. E a dada altura foi-lhe comunicada uma missão que o levou de regresso para a Bélgica em 2001 - o objetivo era planear um ataque contra a base militar de Kleine-Brogel com um camião carregado com 950 quilos de explosivos. O ataque deveria ser consumado à hora do almoço, quando o refeitório da base da NATO estava repleto de soldados e funcionários norte-americanos ali sediados..O atentado não chegou a consumar-se, porque a 13 de setembro, precisamente dois dias depois dos ataques terroristas nos Estados Unidos, Trabelzi foi preso na sequência de uma enorme operação da polícia belga contra células da Al Qaeda. Na realidade, Trabelzi já estava sob forte vigilância há alguns meses, mais precisamente desde que Djamel Beghal tinha sido detido em julho desse mesmo ano. A acusação era a de que estava a planear um ataque a uma base aérea belga e à embaixada americana em Paris. Na altura da detenção, no seu apartamento em Ucle, a polícia encontrou armas e várias listas de componentes químicos utilizados em explosivos..Em tribunal, o antigo futebolista admitiu ter planeado um ataque à base aérea de Kleine Brogel, onde estavam sediados 100 americanos. E também admitiu que conheceu Osama Bin Laden durante uma visita ao Afeganistão. Em 2003 foi condenado por um tribunal da Bélgica a 10 anos de prisão..Em 2007, o nome de Trabelsi voltou a ser notícia. Tudo porque a polícia belga deteve um grupo de 17 pessoas que estariam a planear a fuga do ex-jogador da cadeia de alta segurança de Nivelles..Apesar de estar completamente isolado, na altura foram noticiados relatos de que o antigo futebolista gritava da sua cela em árabe para que os polícias não entendessem o que estava a dizer. Além de outras foras de expressão. "Punha um CD com o volume no máximo com rezas em árabe, onde se ouviam ao mesmo tempo tiros de metralhadora. Os guardas não queriam enfrentá-lo", chegou a contar um ex-recluso à rádio La Libre. Em 2006 chegou a agredir um guarda prisional..A controversa extradição.As autoridades norte-americanas já tinham pedido há muito a extradição de Trabelsi, pelo menos desde 2006, quando o acusaram de conspiração contra os Estados Unidos. Mas só em outubro de 2013 essa intenção foi consumada. O ex-jogador foi extraditado para os EUA - está numa cadeia de alta segurança no estado de Virginia -, onde atualmente ainda está a ser julgado e arrisca uma pena de prisão perpétua, apesar de essa decisão ter sido condenada pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos..O antigo jogador, em conjunto com os seus advogados, iniciou desde essa altura uma dura e ativa batalha legal por considerar a extradição ilegal. Mas a defesa elaborada pelos seus representantes tem sido sistematicamente recusada. Na altura da extradição, a ministra da Justiça belga chegou a reconhecer que tinha a informação das autoridades dos EUA de que Trabelsi seria julgado por um Tribunal Civil e não Militar, convicta de que o ex-jogador não seria obrigado a cumprir prisão perpétua..Em janeiro deste ano, a Liga dos Direitos Humanos voltou à carga, acusando as autoridades belgas de terem cometido uma nova ilegalidade contra o estado de direito por permitirem uma nova audiência de Trabelsi num tribunal norte-americano..Defende esta associação (e também os advogados do ex-jogador) que nos termos do artigo 5 da Convenção de Extradição Bilateral entre a Bélgica e os EUA, um indivíduo não pode ser condenado duas vezes pelo mesmo crime. Aliás, foi com base nesta lei que em 2008, um coletivo de juízes belga indicou que Trabelsi não poderia ser extraditado para os EUA por crimes praticados na Bélgica. Em 2009, o Tribunal de Apelação de Bruxelas confirmou esta decisão. Mas nem isso impediu que o ex-jogador fosse enviado para os EUA, após um acordo secreto entre os governos belga e norte-americano..No passado mês de fevereiro, o antigo jogador obteve uma primeira vitória, com um Tribunal de Primeira Instância belga a defender que a Bélgica teria de informar os Estados Unidos que Trabelsi não poderia ser julgado pelos mesmos crimes a que foi condenado, no caso o ataque à base militar Kleine Brogel..Mas a história é complexa, já que a embaixada da Bélgica enviou uma carta ao Departamento de Estado dos EUA a afirmar que as autoridades belgas mantinham a opinião anterior de que Trabelsi podia ser julgado por todas as acusações indicadas na acusação que resultou no seu processo de extradição.."O despacho (a decisão do governo belga de estabelecer as condições para a extradição) afirma claramente que Trabelsi pode ser julgado por todas as acusações apresentadas nessa acusação e que qualquer semelhança entre o caso dos Estados Unidos e o caso belga não exclui a possibilidade de ele ser julgado pelas acusações de que é alvo", diz a carta..Além disso, a Embaixada da Bélgica em Washington defendeu que a decisão do tribunal estava errada, e que o ministro da Justiça belga pode fazer o que entender em relação à extradição, o que implica que Nizar Trabelsi pode ser julgado e condenado pela segunda vez pelos crimes já julgados na Bélgica.."Depois da sua extradição, que violou as regras mais básicas dos direitos internacionais que protegem os direitos humanos, esta é uma nova afronta ao Estado de Direito. Trabelsi é alvo de um acordo ilícito entre os governos americano e belga, que parecem concordar que toda a sua vida será passada atrás das grades ", respondeu a Liga dos Direitos Humanos..No meio de toda esta batalha legal, Trabelsi, que chegou a perseguir o sonho de se afirmar como jogador de futebol na Europa, mas que se deixou converter aos desígnios da Al Qaeda, continua preso nos EUA a aguardar julgamento. Caso vingue a teoria de que não pode ser novamente julgado, poderá até voltar à liberdade. Caso contrário arrisca ficar preso para toda a vida.