A banda britânica Tindersticks está de regresso a Portugal para três concertos que servem de apresentação ao último disco, No Treasure But Hope, um trabalho editado no início do ano, que o vocalista Stuart Staples apresenta como "um novo começo". Já passou mais de um quarto de século desde a primeira apresentação dos Tindersticks em Portugal, num memorável concerto na Aula Magna, que marcou o início de uma longa relação de amor entre o público português e banda britânica.."Foi nesse concerto que percebemos a importância e o poder da música para unir pessoas", recorda o vocalista Stuart A. Staples. Tal como então, o músico, que atualmente reside em Ítaca, na Grécia, veio de comboio desde Madrid até Lisboa para falar sobre o novo disco No Treasure but Hope, um trabalho "mais humano" e "mais próximo da confiança e da liberdade" que a banda sentia no início da carreira. E para o início do próximo ano, em fevereiro, está novamente de regresso, desta vez na companhia dos restantes Tindersticks, para uma minidigressão de cinco datas por Portugal, com passagem por Faro, Lisboa, Leiria, Coimbra e Porto..Disse a respeito deste disco que gostaria de fazer algo "com significado". O que queria dizer com isto? Provavelmente, todos os discos dos Tindersticks terão algum significado para alguém... E para mim também [risos], mas o que realmente tentei dizer nessa frase é que, passado algum tempo, a rotina de compor, gravar um disco, lançá-lo, apresentá-lo ao vivo e depois repetir tudo outra vez, como fizemos na primeira metade da nossa carreira, acaba por nos sugar toda a energia e criatividade de uma banda. Neste caso demorámos cerca de dois anos e meio a terminar o disco, tivemos tempo para explorar outras realidades musicais e artísticas e depois regressarmos à banda com muito mais vontade de fazer e experimentar coisas novas. E esse desejo de voltar acaba por dar um significado muito maior ao disco, era a isso que me referia..Com uma carreira tão longa como a dos Tindersticks, já com mais de duas décadas, essa rotina de que falou torna-se cansativa? Com o passar do tempo é quase impossível para uma banda não cair nessa armadilha. A solução passa por enriquecermos a nossa vida e a nossa imaginação das mais diversas formas, para depois trazermos isso para a banda. Isto é muito importante para todos nós, esta vida fora dos Tindersticks, que depois acaba por se refletir no nosso trabalho das mais diversas formas. É até algo que nos esforçamos por fomentar, porque não queremos chegar a uma situação em que as coisas simplesmente vão andando, temos sempre a necessidade de sentir, coletivamente, que queremos alcançar algo em determinado momento. É claro que por vezes ficamos cansados, mas há que encontrar sempre novos caminhos, para nos mantermos comprometidos com esta vida..Com uma carreira tão longa e com tantos discos com significado para tanta gente, por vezes deve ser tentador manter sempre a mesma fórmula de sucesso... A formação original da banda esteve junta durante mais de uma década e os primeiros quatro anos foram fantásticos, pelo modo como fazíamos música de forma tão subconsciente, numa total explosão de energia, ideias e emoções, nas gradualmente isso foi-se dissipando com a rotina. Perdemos o tal desejo coletivo de que há pouco falei. Mesmo assim restaram algumas chamas, que em 2007 nos permitiram renascer e voltar a crescer como banda até ao ponto em que estamos hoje. Nessa altura, a única coisa de que tinha certeza é que não estava interessado em nostalgia ou em olhar para trás, essa é a armadilha mais perigosa para uma banda. E o mais surpreendente é que as pessoas que entretanto chegaram à banda fizeram-nos olhar outra vez para nós próprios e para a nossa música de uma forma completamente diferente. E este é talvez o álbum mais próximo da confiança e da liberdade que a banda sentia em 1993, quando editámos o nosso primeiro disco..Porque é que diz isso? Não quero ser mal interpretado e por isso tenho de sublinhar que estou muito orgulhoso do álbum The Waiting Room, que editámos em 2016, e também do anterior, The Something Rain, e não sentimos propriamente que tínhamos de fazer algo diferente. A questão é que esses dois álbuns foram construídos no estúdio, de forma muito automática, ao contrário de agora, em que o processo foi muito mais... humano. Pelo simples facto de estarmos novamente juntos. Isso nota-se no som do piano, porque foi à volta dele que a banda se reuniu e começou a criar as canções, de forma acústica..À moda antiga, portanto... Atualmente, desligar os computadores e os telemóveis parece-me uma forma de expressão muito radical, nada fora de moda. Éramos apenas seres humanos a fazer música juntos, a olhar-se nos olhos e a falar pessoalmente sobre isso. Também por isso é um disco diferente, que transmite uma certa serenidade..Concorda que o título do álbum, No Treasure but Hope, também tem algo de político, tendo em conta o tempo em que vivemos? De certa forma, sim, porque o conceito de política ganhou uma nova força e até um novo significado nestes últimos anos. Sempre fiz música de uma forma mais interior, mas neste álbum não consegui evitar escrever canções mais relacionadas com este momento em que vivemos. Não sou o tipo de escritor que vai referir-se diretamente à crise dos migrantes, mas posso escrever sobre os sentimentos que isso me provoca. O Mediterrâneo, por exemplo, que sempre foi um símbolo de encontro entre civilizações, é hoje um mar de sofrimento. Mais do que uma questão política, trata-se de sermos apenas humanos..E sobre o Brexit, que opinião tem? Em relação a esse assunto, as minhas preocupações têm mais que ver com a Europa, porque agora falamos do Brexit mas daqui a alguns anos podemos estar a falar da mesma situação noutros países. Vivemos um tempo de retrocesso, em que parece que já não queremos estar juntos com os outros. Talvez aqui em Portugal seja um pouco diferente, porque ainda têm uma história muito recente de opressão, que as lições aprendidas ainda estão frescas, mas noutros locais da Europa isso já não acontece. Em todos os debates sobre o Brexit, por exemplo, nunca ninguém falou de paz, que foi só a realização mais importante da Europa..No início do próximo ano vão fazer uma minidigressão de cinco datas por Portugal. Como vão ser esses concertos? Um concerto tem metade que ver com a banda e a outra metade com o público, e a verdade é que nós temos uma relação muito especial com o público português e estamos sempre desejosos de voltar. Desde o primeiro momento que aqui viemos tocar, no início dos anos 1990, que sentimos uma ligação muito forte com os portugueses, é muito estranho e nem sei bem explicá-lo. Somos uma banda do centro de Inglaterra, formada por uns tipos vindos da classe trabalhadora, sem grandes oportunidades na vida, que encontraram na música um escape. E foi só quando demos o nosso primeiro concerto aqui em Lisboa que percebemos a importância e o poder da música, como nos pode unir emocionalmente, mesmo que não tenhamos nada que ver uns com os outros. Foi a primeira vez que sentimos isso e foi muito marcante para todos nós. Compor e gravar é um processo um pouco abstrato, mas tocar com e para as pessoas, isso é que dá verdadeiro significado a ser músico. É o mais difícil, mas também é o mais recompensador.