Testes ao Covid-19: Portugal nega racionamento, e nos outros países?
Com 33 mortes e 2362 casos de infeção pelo novo coronavírus, Portugal registou mais 302 casos e mais dez mortes do que na segunda-feira. Já recuperaram 22 pessoas. Números avançados esta terça-feira (24 de março) pelo secretário de Estado da Saúde, António Lacerda Sales. Face a suspeitas de que se esteja "a chegar ao limite dos testes disponíveis, e, portanto, a racioná-los", segundo o matemático Jorge Buescu, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, instalou-se um clima de suspeição.
Em conferência de imprensa ao final da manhã desta terça-feira, António Lacerda Sales esclareceu que Portugal tem capacidade para realizar 30 mil testes ao dia, mas afirmou que "estes têm de ser racionalizados em função de vários critérios". O secretário de Estado da Saúde apelou a um critério racional. "Não estamos a poupar em testes, nem na alocação de recursos financeiros. Estamos é a fazê-lo de forma séria a responsável", afirmou.
Se o número de casos aumentar, "muito provavelmente aumentar-se-á a testagem", assegurou. "É um processo de adaptação à evolução do surto", prossegui, relembrando que o país está a aguardar uma encomenda de 180 mil testes, que deverá chegar até ao final da semana.
"Não há racionamento de testes, mas sim racionalização", disse contundentemente, anunciando ainda que está a ser estudado o alargamento dos métodos de despistagem a profissionais de saúde assintomáticos, em coordenação com a Direção-Geral de Saúde (DGS).
Face a este clima de suspeição, é importante perceber como o resto do mundo está a proceder à despistagem do covid-19. Através do cruzamento de vários dados, constata-se que a Coreia do Sul e a Islândia lideram no número de testes realizados, mas há muitas variáveis a ter em consideração.
Um dos métodos mais relevantes para conter a disseminação do coronavírus passa pelos testes de diagnóstico à doença, cujos resultados também permitem perceber a dinâmica de propagação. É importante ressalvar, contudo, que os números mudam muito rapidamente, portanto são provisórios e incertos.
Os testes de rastreio permitem que as pessoas saibam se estão infetadas, o que pode ajudá-las a receber a assistência médica que precisam, e também a tomar medidas para reduzir a probabilidade de contagiar. Igualmente importante é que este método de diagnóstico é crucial para entender as curvas de evolução da doença, permitindo adotar as medidas apropriadas para mitigar a disseminação. Infelizmente, a capacidade para despistar o covid-19 ainda é muito baixa em muitos países.
Aqui encontra um vídeo explicativo sobre como funcionam os testes para o novo coronavírus.
O ideal seria saber com precisão quantas pessoas ao redor do mundo estão a ser testadas diariamente ao covid-19, bem como os resultados e que tipo de testes. Os países estão apenas a realizar testes nos hospitais? Àquelas que apresentam sintomas? São muitas as incógnitas.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) não tem uma base de dados centralizada, portanto, no momento, é muito difícil avançar com números precisos. Vários países emitem estatísticas sobre o número total de testes realizados, porém esses relatórios são publicados em sites individuais, relatórios e comunicados de imprensa - geralmente em diferentes idiomas e atualizados com periodicidade diferente.
As estimativas mais atualizadas datam de 20 de março. Alguns países têm dados mais antigos, o que significa que não é possível fazer uma comparação direta. Por exemplo, a estimativa para a província de Guangdong na China não é atualizada desde 24 de fevereiro.
Naturalmente, como só se pode saber se há pessoas contaminadas através da realização de testes, os países que realizam mais diagnósticos tenderão a ter mais casos confirmados. Por outras palavras, existe uma correlação positiva entre os testes realizados e os casos confirmados. Isso não significa necessariamente que os países que fizeram mais testes tenham realmente mais casos.
No entanto, as diferenças entre os países podem traduzir-se em informação relevante. Por exemplo, verifica-se que alguns países fizeram mais testes por caso confirmado. O Reino Unido fez muito mais testes do que outros países europeus com um número semelhante de casos confirmados.
A Coreia do Sul lidera o número de testes realizados, portanto é de deduzir que o número de casos confirmados - testes positivos - esteja mais próximo do número real de pessoas infetadas do que noutros países. Face a isso, é encorajador ver que o número de casos confirmados diariamente na Coreia do Sul diminuiu.
A Coreia realizou até ao momento um total de 316.664 testes, seguido de Itália, com 206.886 (dados de 20 de Março). Segue-se a Alemanha, com 167 mil, mas cujos dados reportam a 15 de março. Já a Rússia aparece em quarto lugar, com 143.519 testes (19 de Março), seguido dos Emirados Árabes Unidos, com 125 mil testes (dados de 16 de março). Os EUA e Reino Unido, com 103.945 e 64.621 testes, respetivamente, ocupam o sétimo e oito lugar da tabela (ambos os dados reportam a 19 de março).
Estima-se que, na Coreia do Sul, 90% do sistema de saúde seja privado - e que, de igual forma, a capacidade laboratorial esteja na mesma proporção na mãos dos privados. "Por isso, precisávamos do apoio do setor privado", reconheceu Lee Hyukmin, que lidera a equipa destinada para o combate ao novo coronavírus da Sociedade Coreana de Medicina Laboratorial.
Os testes são feitos em centros exclusivamente dedicados para esse fim, dos quais 43 funcionam em sistema de drive-through, permitindo fazer o teste sem sair do carro. Desta forma, a Coreia conseguiu atingir uma capacidade para fazer 15 mil testes ao dia, tendo ultrapassado já a barreira dos 320 mil testes.
A nação do leste da Ásia tem as medidas de proteção mais abrangentes do mundo, e também as mais inovadoras. Uma outra opção para os testes Covid-19 - que a Coreia do Sul disponibilizou mais prontamente do que a maioria dos outros países - envolve "cabines telefónicas" públicas. Um hospital em Seul instalou-as em torno do edifício para oferecer testes rápidos e fáceis à população.
Com lotação limitada a uma pessoa, uma vez no interior da cabine basta segurar num telefone conectado a funcionário hospitalar do outro lado do vidro. Após uma consulta, o técnico pode enfiar os braços em luvas de borracha encaixadas na cabine para limpar rapidamente o "paciente", colhendo uma amostra antes que o expositor seja desinfetado de novo. O exame demora apenas sete minutos.
Itália, que surge em 2º lugar no gráfico, começou por fazer testes massivos à população quando a calamidade começou a agravar, mas depois passou a concentrar-se apenas nas pessoas que apresentavam sintomas - o que faz com que seja mais difícil detetar os casos de pessoas que não têm sintomas (ou ainda não têm sintomas) mas são portadores e transmissores deste vírus altamente contagioso.
Com 4473 testes realizados por milhão de habitantes, Itália, que superou a China como o país com mais mortes de covid-19, é agora o epicentro da pandemia de coronavírus. O problema, segundo vários especialistas, foi a demora na resposta, bem como a moderação. O país registou o seu primeiro caso a 20 de fevereiro e contabilizava já 123 casos confirmados a 23 do mesmo mês. Nesse mesmo dia, as autoridades sanitárias decidiram isolar 11 cidades. Mas a resposta inicial do governo foi ambígua: embora as autoridades exortassem a população a praticar o distanciamento social desde o início e fechassem todas as escolas públicas a 4 de março, também instaram os italianos a não mudar os seus hábitos. À medida que a doença se propagou, o governo começou a responder com mais severidade. A 8 de março, o norte do país foi fechado. A 9 de março, o bloqueio foi estendido ao resto do país. Agora, à medida que o número de mortos continua a escalar, as medidas de bloqueio estão a aumentar. A partir de sábado, os italianos deixam de poder sair à rua para correr.
Em terceiro lugar na tabela, com 167 mil testes realizados (dados de 15 de março), teve esta terça-feira uns adicionais 4764 casos confirmados de coronavírus, o que eleva o total para 27 436, de acordo com o Instituto Robert Koch. O total de óbitos declarados subiu de 28 para 114. A entidade responsável pela prevenção e controlo de doenças admite algum atraso na divulgação dos dados, já que estes são transmitidos individualmente pelas autoridades competentes de cada Estado federado. A Alemanha continua a registar uma baixa letalidade em relação a países como Itália, Espanha ou França.
Com 998 mil testes realizados por milhão de habitantes, foram reportados apenas 306 casos de contaminação pelo SARS-CoV-2 até o início desta semana, segundo a OMS. O governo do presidente Vladimir Putin é acusado pela oposição de manipular os dados. De acordo com o relatório mais recente da OMS, que contabiliza os casos relatados até 21 de março, a Rússia reportou 306 casos confirmados e nenhum morto. Os índices são idênticos aos da vizinha Estónia, um país cerca de 110 vezes menor em termos de população. A Rússia tem 144 milhões de habitantes.
O jornal The New York Times aponta que o número de casos aumentou para 438 na segunda-feira, que a primeira morte foi registada na quinta-feira (19 de março), ou seja, antes da publicação do relatório da OMS. O governo russo alega que a morte foi causada por trombose, e não por Covid-19.
Não há outro país que tenha feito tantos testes por milhão de habitantes que a Islândia. À data de 20 de março, tinham sido realizados 26.772 testes de rastreio por cada milhão de habitantes. Todavia, há que considerar que a Islândia tem apenas 340 mil habitantes, muito longe do milhão de habitantes utilizado como referência.
Os testes de rastreio começaram a 13 de março. Até 21 de março, o Ministério da Saúde islandês dava conta de um total de 4197 testes feitos pelo setor público e 5571 pela deCODE Genetics. Os testes podem ser feitos por qualquer pessoa, sem custos para o utente. No caso da deCODE Genetics, há um sistema de drive-through, em que a pessoa pode fazer o teste sem sair do carro.
A América do Sul é um dos continentes com menos casos confirmados. A 14 de março, o vice-presidente, Rosario Murillo, organizou uma manifestação pública, chamada "Love in the Time of Covid-19" (em alusão ao romance "O Amor nos Tempos do Cólera", de Gabriel Garcia Marquez). Milhares de pessoas saíram às ruas em festa, erguendo cartazes que explicavam como o coronavírus afeta o sistema respiratório. O evento foi realizado em homenagem ao presidente Daniel Ortega, Agora, qual é a forma mais eficaz de propagar a doença? Agrupando pessoas em manifestações públicas. A Nicarágua ainda não declarou publicamente se alguém no país foi infetado.
O Senegal, que reagiu firmemente ao surto de ébola em 2014, está bem preparado para o coronavírus. O país abriga o Instituto Pasteur, um laboratório de pesquisa que faz parceria com a OMS para combater surtos virais e é o criador de uma das primeiras vacinas contra a febre-amarela. E agora o Instituto Pasteur uniu-se à Mologic, uma empresa britânica de biotecnologia que desenvolveu os kits rápidos de gravidez, para trabalhar num teste de diagnóstico ao covid-19, capaz de oferecer um resultado em apenas 10 minutos.
Segundo o Instituto Pasteur, os kits serão lançados dentro de três meses e custarão menos de um euro por unidade. Até lá, os técnicos senegaleses estão a usar kits que diagnosticam os pacientes em apenas quatro horas.
Se antes se pensava que os cães eram imunes ao coronavírus, notícias recentes de Hong Kong sugerem o contrário. A 19 de março, o Departamento de Agricultura, Pescas e Conservação de Hong Kong (AFCD) anunciou que um pastor alemão acusou positivo ao Covid-19. Este é já o segundo cão infectado pela doença em Hong Kong, sendo que este último morreu. Todavia, não se sabe se em causa terá estado o vírus. Nenhum dos cães apresentou sintomas, e o departamento garantiu que não havia qualquer evidência de transmissão para os humanos.
"Atualmente, não há evidências de que animais de estimação possam ser uma fonte de transmissão de Covid-19 para humanos ou que esse vírus possa causar a doença em cães", disse um porta-voz da AFCD. "Os donos de animais de estimação devem manter as boas práticas de higiene e sob nenhuma circunstância devem abandonar os seus animais de estimação."
Após os horrores da SARS, há 17 anos, Singapura desenvolveu uma infraestrutura robusta para lidar com pandemias, e tem-se mostrado preparada para o novo coronavírus. "Durante o tempo de paz, planeamos epidemias como esta", disse Lalitha Kurupatham, vice-diretora do departamento de doenças transmissíveis em Singapura, ao New York Times.
Quando surgiram os primeiros relatos de um novo vírus na China, Singapura proibiu, logo em janeiro, a entrada de viajantes vindos da China continental. Atualmente, todos os que chegam têm a temperatura medida, assim como as pessoas que entram nas escolas e restaurantes. (As escolas permanecem abertas, embora com escalas, para evitar aglomerados.)
O país tem capacidade para testar 2.000 pessoas por dia, conseguindo também delinear rapidamente o histórico de cada paciente. Também desenvolveu um teste sorológico que pode determinar se um paciente possui ou não anticorpos para o vírus no seu sistema, o que significa que podem ser portadores do covid-19 mas sem sintomas. O teste é gratuito. A quarentena é obrigatória para aqueles que tiveram contacto próximo com casos confirmados. A 22 de março, Singapura registou duas mortes devido ao coronavírus.
Entre os países africanos que adotam uma linha particularmente dura contra o covid-19 está a Tunísia. O país registou 29 casos do vírus na semana passada e o governo instaurou o recolher obrigatório para controlar uma possível disseminação. Das 18:00 às 06:00, todos os dias, policias e militares patrulham as ruas para garantir que ninguém sai à rua. A única exceção é quando os habitantes precisam de assistência médica. Nenhuma atividade ao ar livre é permitida.