Terrorismo, violência, sequestro. Bruno de Carvalho indiciado de 56 crimes
Bruno de Carvalho está indiciado de 56 crimes (de seis tipologias diferentes) relacionados com o ataque aos jogadores do Sporting na Academia de Alcochete, ocorrido no dia 15 de maio, e será nesta terça-feira de manhã ouvido por um juiz do Tribunal do Barreiro. Só depois do interrogatório (pode prolongar-se até quarta-feira) serão conhecidas as medidas de coação ao ex-presidente do Sporting, suspeito de ser o mandante dos ataques. O mesmo vai suceder com Nuno Mendes, conhecido por Mustafá, líder da claque Juventude Leonina, que também foi detido no domingo. Ambos arriscam ficar em prisão preventiva.
O ex-presidente do Sporting está acusado de dois crimes de dano com violência, 20 crimes de sequestro, um crime de terrorismo, 12 crimes de ofensa à integridade física qualificada, um crime de detenção de arma proibida e 20 crimes de ameaça agravada, segundo avançou nesta segunda-feira a TVI, que teve acesso ao mandato de detenção.
Estas são as mesmas infrações de que foram indiciados os elementos da Juventude Leonina que se encontram detidos preventivamente por serem suspeitos das agressões. Na altura em que foram detidos os primeiros 23 elementos, o Ministério Público anunciou que estavam indiciados de "introdução em lugar vedado ao público, ameaça agravada, ofensa à integridade física qualificada, sequestro, dano com violência, detenção de arma proibida agravado, incêndio florestal, resistência e coação sobre funcionário e também de um crime de terrorismo". Ou seja, destes, Bruno de Carvalho só não está indiciado de três destes crimes, por não ter estado no local. Todos os suspeitos dos ataques estão em prisão preventiva. Mesmo depois das penas revistas.
Bruno de Carvalho, que foi detido no domingo à noite e levado para o posto da GNR de Alcochete, onde pernoitou nas duas últimas noites, recebeu nesta segunda-feira a visita do advogado (José Preto) e também da irmã e dos pais. "Ele não fez nada. Ou há factos e provas concretas ou não há nada. E não há nada. Tenho a certeza", referiu Rui de Carvalho, garantindo ter a certeza da "inocência" do filho.
Também nesta segunda-feira, o Sporting, através de uma fonte oficial do clube, reagiu com uma curta declaração à detenção de Bruno de Carvalho. "O Sporting manifesta a sua total confiança no sistema judicial", indicou aquela fonte à agência Lusa. Já Eduarda Proença de Carvalho, antiga vice-presidente da Mesa da Assembleia Geral, considerou que esta situação irá causar danos irreparáveis de ordem financeira e de reputação ao clube.
"A partir do momento em que um ex-presidente é detido desta forma (...), o Sporting será sempre prejudicado, a nível dos contratos que foram rescindidos, a nível da sua reputação. É uma sociedade cotada em bolsa, e, portanto, tudo isto que envolve as suas claques (...) faz um dano à imagem do Sporting, que é uma marca, mais do que tudo", disse à agência Lusa.
Antes de Bruno de Carvalho e Mustafá, a última pessoa a ser detida no âmbito deste processo tinha sido Bruno Jacinto, a 9 de outubro. O ex-oficial de ligação aos adeptos do Sporting terá sido uma peça-chave neste processo, já que terá alertado alguns responsáveis do Sporting, 14 minutos antes, para o ataque que acabou por acontecer na Academia de Alcochete naquele dia 15 de maio, sem que nada na altura tivesse sido feito para o evitar.
A ação da Guarda Nacional Republicana, no âmbito das detenções de Bruno de Carvalho e Mustafá no domingo, surgiu depois de o Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa ter emitido os mandados de busca e detenção que permitiram a ida à casa do antigo presidente leonino, no Lumiar, e à sede da claque, conhecida como A Casinha.
A decisão dos investigadores em avançar com a operação ao domingo surpreendeu, mas não encerra em si nenhuma situação anómala. O artigo 174 do Código de Processo Penal determina os pressupostos para a realização de buscas e em nenhum está escrito que não podem existir detenções em determinado dia da semana.
"Não são os únicos a serem detidos ao domingo. O timing destas ações (detenções e buscas) são um momento de estratégia em termos de investigação. Quando se faz uma busca é porque há a suspeita de que vai permitir recolher dados essenciais para o processo", explicou ao DN Fernando Silva, advogado e professor de Direito Penal.
A operação da Guarda começou ao final da tarde deste domingo quando os adeptos começavam a chegar ao Estádio de Alvalade para assistir ao jogo da 10.ª jornada entre o Sporting e o Desportivo de Chaves, para a Liga NOS (vitória por 2-0 dos anfitriões).
Alguns elementos estiveram na casa de Bruno de Carvalho onde apreenderam diverso material (computadores e tablets) e outra equipa dirigiu-se à sede da Juventude Leonina situada junto ao estádio.
Além do dia das detenções também as horas a que foram efetuadas algumas buscas levantaram dúvidas, mas mais uma vez a legislação foi cumprida pois foram efetuadas entre as 07.00 e as 21.00.
Apesar de as buscas na casa de Bruno de Carvalho e na sede da Juve Leo terem sido dentro dos parâmetros definidos pela lei, durante a madrugada os investigadores estiveram na casa de Mustafá.
Neste caso, o número dois do 177 do Código de Processo Penal justifica esta ação.
Diz este que "Entre as 21.00 e as 07.00, a busca domiciliária só pode ser realizada nos casos de:
a) Terrorismo ou criminalidade especialmente violenta ou altamente organizada;
b) Consentimento do visado, documentado por qualquer forma;
c) Flagrante delito pela prática de crime punível com pena de prisão superior, no seu máximo, a 3 anos.
Esta operação da GNR ao domingo pode ter duas justificações, segundo Fernando Silva. "Uma é a estratégia de evitar que o que não fosse detido ficasse avisado e a outra razão pode estar relacionada com o facto de um dos investigados ser membro de uma claque e que naquele momento estaria na sede da mesma e essa poderia ser a altura adequada para se efetuar a busca nesse local", frisou.
Na operação na Casinha, como é conhecida a sede da Juve Leo, os investigadores encontram 20 gramas de cocaína e haxixe - o que vai acrescentar tráfico de estupefacientes aos crimes imputados a Mustafá. Foram também apreendidos os bilhetes para o jogo com o Desportivo de Chaves, o que fez que a zona da bancada reservada para a Juventude Leonina tivesse ficado vazia.
A detenção de Bruno de Carvalho é mais uma consequência de uma relação antiga entre o ex-presidente do Sporting e a Juventude Leonina, o principal grupo de adeptos organizados do clube.
Desde muito novo que Bruno de Carvalho começou a frequentar o ambiente da Juve Leo (1985), durante boa parte da sua adolescência, mais concretamente entre os 13 e os 18 anos. Por essa altura, já havia traçado que o seu sonho seria o de ser presidente do Sporting, tendo antes disso sido vice-presidente da secção de hóquei em patins e da Associação de Patinagem dos leões. Acabaria por concretizar o sonho em 2013, com apenas 41 anos, dois anos depois de ter perdido a eleição para Godinho Lopes. Nessa altura, constatou-se que tinha agregado em seu redor uma larga franja de jovens associados, entre os quais os das claques do clube. Pertenceu também mais tarde à Torcida Verde.
Bruno de Carvalho nunca descurou essa proximidade com os grupos organizados de adeptos, tendo inclusive promovido as boas relações entre elas, nomeadamente entre a Juve Leo e o Diretivo XXI, que acabaram por se juntar na mesma bancada, colocando ponto final a vários anos de discórdia.
A proximidade do ex-presidente à Juventude Leonina foi sempre enorme, como o prova uma publicação no seu Facebook a 18 de março de 2016, por ocasião do 40.º aniversário da claque. "Há 40 anos, a Juve empreendeu uma caminhada que já chegou ao dia de hoje e que nos irá acompanhar ao longo de vidas que desejamos sejam longas e coroadas de sucessos e de alegrias", escreveu na altura.
Consciente da importância das claques ao longo da história recente do Sporting, Bruno de Carvalho fez sempre questão de lhes dar um papel de relevo, até porque foram uma importante base de apoio nos seus mandatos como líder leonino. A maior prova disso foi ter nomeado, em setembro de 2016, um membro de cada uma das claques para integrarem a comissão de audição aos anteriores presidentes do clube, na sequência da auditoria à gestão das anteriores direções.
Contudo, houve momentos de alguma tensão, em especial com a Juventude Leonina. Sobretudo em janeiro de 2017, quando a claque utilizou o Facebook para criticar Bruno de Carvalho e o treinador Jorge Jesus pela eliminação da Taça de Portugal, em Chaves. Nessa publicação era questionada a culpa do mau momento que a equipa de futebol atravessava, sendo criticada a contratação de alguns jogadores "que nem na distrital têm lugar". A claque revelava ainda que não iria tomar posição pública nas eleições de 4 de março, que reelegeria Bruno de Carvalho.
Precisamente dois dias depois da eleição para um novo mandato, o Sporting empatou com o V. Guimarães em Alvalade, e no final da partida Bruno de Carvalho foi junto das claques para justificar o mau resultado. Aliás, a presença do presidente junto das claques no final dos jogos era habitual, ao lado dos jogadores, para agradecer o apoio.
Apesar de alguns momentos tensos, a ligação do então líder leonino com as claques manteve-se bastante próxima e logo no início do ano de 2018, Bruno de Carvalho deslocou-se na caixa de segurança dos adeptos leoninos em direção ao Estádio da Luz, onde assistiu ao dérbi com o Benfica na bancada.
Um mês depois, após uma assembleia geral conturbada, que o presidente leonino abandonou exigindo que fossem aprovadas as alterações estatutárias e o novo regulamento disciplinar, Bruno de Carvalho recebeu um forte apoio no Estádio António Coimbra da Mota, na Amoreira, onde o Sporting se deslocou para jogar com o Estoril. Na bancada tarjas exibidas pela Juventude Leonina davam-lhe total apoio: "Bruno, a nossa união é de aço. 90% estão ao teu lado."
Por essa altura, a Juve Leo era de novo um forte aliado de Bruno de Carvalho, que após a derrota em Madrid, com o Atlético, escreveu no Facebook uma publicação onde criticou os jogadores. O resultado não se fez esperar: no jogo seguinte, em Alvalade, com o Paços de Ferreira, o presidente foi alvo da generalidade dos adeptos que pediam a sua demissão, algo que contrastava com a Juventude Leonina, que no seu setor optava por culpabilizar os jogadores, num claro braço-de-ferro entre as duas partes, não se pronunciando sobre o líder.
Rui Patrício, como um dos capitães de equipa, era um dos jogadores em conflito aberto com o presidente, e o arremesso de tochas contra o guarda-redes por parte da claque num jogo com o Benfica, em Alvalade, agudizava o clima tenso. No entanto, Bruno de Carvalho demarcou-se dessa ação. Uma semana depois, a equipa deslocou-se à Madeira para defrontar o Marítimo, onde uma vitória garantia desde logo o apuramento para a Liga dos Campeões. Ao contrário do habitual, o presidente optou por deslocar-se ao Porto para assistir na bancada ao jogo de hóquei em patins entre o Sporting e o FC Porto para a Liga Europeia.
No dia seguinte, a derrota no Funchal deu origem a insultos por parte de membros da claque dirigidos aos jogadores no aeroporto, quando a comitiva se preparava para embarcar para Lisboa. Era o prenúncio para aquilo que iria acontecer a meio da semana, com a invasão a Alcochete, onde vários jogadores foram agredidos em pleno balneário, caso que deu origem a um processo-crime, no qual estão detidos vários elementos que participaram nesse ato.
A 18 de maio, a claque Juventude Leonina realizou uma conferência de imprensa para falar dos tristes acontecimentos ocorridos na Academia de Alcochete. E Mustafá, líder da claque, que também foi detido no domingo, fez questão de desculpabilizar Bruno de Carvalho: "Em nenhum momento houve um pedido, sugestão ou sequer aval do presidente ou de qualquer elemento do Sporting para que a Juve Leo desencadeasse qualquer ação contra os nossos jogadores, o nosso mister (Jorge Jesus), o staff técnico ou qualquer elemento da Academia de Alcochete."
Ainda num altura em que o ataque à Academia estava na ordem do dia, a 21 de maio, a direção do Sporting emitiu um comunicado a anunciar a "suspensão imediata dos benefícios protocolados" à claque Juventude Leonina.
Bruno de Carvalho sempre garantiu que nada tinha que ver com o que aconteceu, mas no final da Assembleia Geral do Sporting em que foi destituído da presidência, a 23 de junho, surgiu acompanhado por vários elementos da claque, que se insurgiram contra a sua queda.