"Nem queríamos acreditar no que estava a acontecer", afirmou o diretor nacional da Polícia Judiciária (PJ) sobre o comportamento dos militares da Polícia Judiciária Militar (PJM) na investigação do furto a Tancos. Frontal, Luís Neves criticou a forma como a PJM se comportou após o assalto, em junho de 2017, admitindo que a investigação da PJ "foi destruída e esventrada" com sucessivas fugas de informação para a comunicação social, de que responsabilizou indiretamente a Judiciária Militar..Luís Neves foi ouvido esta terça-feira na Comissão Parlamentar de Inquérito a Tancos. Segundo este dirigente, o furto "está nesta altura totalmente esclarecido e a investigação sustentada" e contou com cumplicidades internas (há um militar, que estava ao serviço nos paióis, em prisão preventiva): O diretor afirma que se tratou de "crime organizado", afastando a tese de "amadorismo" que foi avançada por alguns dirigentes das secretas e da segurança interna, incluindo o ex-diretor da PJ, Almeida Rodrigues, em anteriores audições..O diretor da PJ também confirmou que houve, de facto, "uma encenação" montada pela PJM em acordo com um dos suspeitos do furto, para recuperar as armas e que, "no decurso da investigação foi desmontada"..Investigação "destruída e esventrada".Ressalvando que "estão em causa pessoas e não à instituição", este alto responsável - que dirigia a Unidade Nacional de Contraterrorismo na altura do assalto, responsável pela investigação - situou as suas impressões negativas, principalmente na pessoa do ex-diretor da PJM, Luís Vieira, um dos arguidos deste processo, sob suspeita de ter participado na alegada encenação do reaparecimento do material militar.."Logo do dia 30 (data em que é conhecida pelas polícias a decisão de que seria a PJ a investigar) sentimos que houve uma grande repulsa da parte da PJM", declarou Luís Neves, acrescentado que se "foi sentindo um grande obstáculo, sobretudo da parte do coronel Luís Vieira". O diretor da PJ deu depois alguns exemplos da "obstaculização" da parte da PJM que, acabaram por comprometer a investigação..Uma delas foi quando Luís Vieira, num encontro em Tancos a 4 de julho (cinco dias depois do furto) revelou aos presentes, entre os quais as chefias militares e o Presidente da República, que a PJ tinha recebido uma denúncia anónima, quatro meses antes do assalto, a alertar para a possibilidade desse crime se realizar. No dia a seguir toda a história foi publicada na imprensa. "A partir daí os próprios suspeitos ficaram a saber que eram suspeitos e acabou com o efeito surpresa da investigação", sublinhou. A investigação "foi destruída e esventrada", afiançou..Neves revelou ainda que "tudo o que era dito" nas reuniões com a PJM (que o MP tinha também colocado na equipa para apoiar a PJ), nas quais eram definidas estratégias de investigação, "era replicado nos jornais"..Outro caso foi quando a sua equipa foi "barrada" à entrada do quartel de santa Margarida, local para onde a PJM tinha levado o material recuperado. "Além do local onde o material foi supostamente achado já estar contaminado, não foi também possível fazer perícias técnicas essenciais para a prova", assinalou..O ponto alto desta tensão foi mesmo atingido no dia em que a PJM anuncia ter encontrado o material. "O que posso dizer, no mínimo, é que toda a descrição foi bizarra. Por um lado diziam que tinha sido feito um telefonema anónimo a indicar o local onde estava o material, mas por outro lado, no comunicado diziam que tinha sido no âmbito de uma investigação com a GNR...", recordou, frisando que nem a PJ, nem o MP, titulares do inquérito, tinha sido informadas.."Trabalho na PJ há 24 anos, na área do crime violento que tem sempre mais potencial de conflito com outras forças de segurança e nunca sentimos uma atitude destas, nunca tinha visto uma coisa destas. Foi absolutamente inédito", assinalou..Denúncia anónima foi verbal.Luís Neves esclareceu os deputados que a já tão falada denúncia anónima (da qual só teve conhecimento no dia do furto) foi "uma informação verbal" dada a um inspetor da PJ do Porto, o qual a partilhou com um oficial da PJM (nomeou o major Pinto da Costa, outro arguido neste processo), com quem estava a trabalhar numa investigação relacionada com tráfico de armas. A informação "era vaga e não precisava o onde, quem, quando e como se iria concretizar" o crime..Ainda assim, questionado pelos deputados sobre porque essa informação não foi partilhada com o Exército ou com as outras forças e serviços de segurança, este diretor reconheceu que "tendo em conta o que se sabe hoje", nem o elemento da PJ, nem o da PJM, "a valorizaram" ao ponto de a partilhar sequer com a hierarquia. Luís Neves disse que soube dessa denúncia no dia do furto e, como é sabido a hierarquia militar também a desconhecia.."Tudo aponta para que a informação não tenha sido valorizada, foi transmitida a um oficial (da PJM) que não a partilhou (...) O que se podemos perceber é que o major Pinto da Costa não credibilizou nem transmitiu a informação à hierarquia. Se o tivesse feito provavelmente as coisas teriam sido diferentes", afiançou. "Mas avaliações negativas todos fazemos. É fácil falar agora", acrescentou..O furto do material militar, entre granadas, explosivos e munições, dos paióis de Tancos, foi noticiado em 29 de junho de 2017 e parte do equipamento foi recuperado quatro meses depois. Em setembro de 2018 foram detidos, numa operação do Ministério Público e da PJ Judiciária, sete militares da Polícia Judiciária Militar e da GNR, suspeitos de terem forjado a recuperação do material em conivência com um dos presumíveis autores do crime, também capturado no mesmo dia. No final do ano, em dezembro, uma nova operação da PJ levou à detenção de oito suspeitos relacionados diretamente com o assalto..O inquérito ao furto, iniciado pela PJM, foi incorporado no inquérito aberto com a denúncia anónima (7/4/2017), e a estes juntou-se também o inquérito à recuperação do material. Há duas dezenas de arguidos, entre suspeitos do furto, militares da PJM e da GNR, alegadamente envolvidos na "encenação".