Tancos. Coordenadora de segurança interna descarta terrorismo e desvaloriza tráfico internacional
Nem terrorismo e dificilmente tráfico internacional de armas estão ligados ao assalto a Tancos - garantiu a secretária-geral do Sistema de Segurança Interna (SSI) esta quinta-feira ao deputados na Comissão de Inquérito para apurar as consequências e responsabilidades políticas do furto aos paióis.
Helena Fazenda sublinhou que a sua opinião era sempre baseada nas informações que foram sendo partilhadas no SSI pelas forças e serviços de segurança.
Estas são as principais linhas de investigação do Ministério Público (MP), tendo os suspeitos do roubo sido detidos e indiciados por estes crimes, validados pelo juiz de instrução criminal.
António Carlos Monteiro, deputado do CDS, afirmou que o SIS tinha elaborado, até essa altura, 27 relatórios sobre Portugal e o mercado ilícito de armas. Foi também este deputado do CDS que questionou a coordenadora das polícias sobre se as autoridades não descuraram a relação de Tancos com outros furtos, na mesma altura, de material militar noutros países europeus.
"Informei o primeiro-ministro do resultado das diligencias, alavancada na avaliação do grau de ameaça. Informei que não havia dados objetivos de ligação ao terrorismo e essa perspetiva tem-se mantido ao longo do tempo e tem sido partilhada pela entidade responsável pela investigação (PJ) em sede da Unidade de Coordenação Antiterrorista (UCAT)", assinalou.
A magistrada partilhou também com os deputados a sua posição, sempre "alavancada" nas informações que recebe desde início do processo, sobre uma possível ligação dos suspeitos do assalto a organizações de tráfico internacional de armas. "Os factos que todos temos vindo a assistir desde o dia 29 de junho (quando o Exército divulgou um comunicado a dar conta o furto) falam por si", assinalou.
"O material foi levado para um local a algumas dezenas de quilómetros, para casa de familiares. Ficou ali perto. Para haver ligações internacionais, na minha opinião, o material não seria colocado neste sítio de recuo à espera de ser adquirido, mas já estaria o escoamento todo preparado. Os factos falam por si", afiançou. "O risco de ficar com o material em casa de um familiar, como foi o caso, é enorme", ironizou ainda.
Questionada pelo deputado do PCP, Jorge Machado, sobre o que levou então ao Ministério Público (MP) a avançar com um inquérito para investigar, entre outras, suspeitas de ligações a organizações terroristas e tráfico internacional de armas, o que classificou de "contraditório" com a avaliação de ameaça feita, a coordenadora do SSI foi clara: "Porque essa qualificação jurídica permite que as linhas de investigação sejam alargadas e utilizar um conjunto alargado de meios de obtenção de provas, atribuindo de imediato as competências de titularidade do inquérito ao Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) coadjuvado pela Polícia Judiciária".
Os problemas de comunicação entre as diferentes autoridades e as suas consequências na concretização do roubo, bem como na reação ao mesmo, foram outros dos pontos alvo de perguntas dos deputados.
Mas a procuradora-adjunta Helena Fazenda, que é quem coordena as polícias e secretas que integram o SSI e faz a articulação com as Forças Armadas, não quer "tirar ilações" sobre aquilo que para o PSD são "falhas óbvias" de comunicação, entre estas entidades , a começar pelo facto de ter sabido do assalto aos paióis de Tancos pela comunicação social e apenas no dia a seguir ao furto.
Vários foram os exemplos apresentados e o deputado do PSD, Rui Silva, chamou-lhes "perplexidades do cidadão comum".
O socialista Diogo Leão quis saber como Helena Fazenda tinha sabido do furto pelos jornais se na manhã desse dia tinha havido uma reunião nas secretas militares, com a presença do Serviço de Informações de Segurança (SIS) - que integra também o SSI - onde o Exército deu conta do sucedido. "Nessa reunião, que decorreu na manhã do dia 29 de junho de 2017, não estava nenhum representante do SSI nem do meu gabinete. Terão estado entidades que integram o SSI, como é o caso do SIS, mas não em representação do SSI. Não tive por aí nenhuma informação", reconheceu.
Não deu também nenhuma explicação para o facto de a Polícia Judiciária Militar (PJM), segundo a documentação que chegou à Comissão de Inquérito, ter tido informação dois meses antes do furto de que estaria iminente um assalto a instalações militares na zona centro do país (onde está localizada a base de Tancos) sem que tivesse informado o SSI ou, pelo menos, as Forças Armadas.
Fugiu também a uma crítica pelo facto do SIS ter tido conhecimento, meses antes do roubo, através dos seus congéneres internacionais, que havia uma "lista de compras" a circular nos meios do tráfico de armas europeus, cujo material era semelhante ao que saiu de Tancos. A informação, segundo a ata da reunião da UCAT, teria até sido partilhada com o primeiro-ministro, que tutela o SSI. Mas Helena Fazenda , tal com os outras forças só souberam dela depois do furto.
"Se tivesse sabido desta lista de compras antes do furto qual teria sido a sua reação? Teria por exemplo alertado as chefias militares, no sentido de protegerem os locais onde pudesse haver esse material?", questionou Rui Silva. "Se o SIS não partilhou a informação é porque concluiu que nada tinha a ver com Tancos. Só posso concluir isso", respondeu Helena Fazenda. " Mas SIS não devia ter falado antes?", insistiu o social-democrata. "Se o SIS não partilhou a informação é porque concluiu que não teria impacto na segurança interna" reforçou a secretária-geral.
Se deveria ter sido informado do roubo por outra via que não a comunicação social, Helena Fazenda respondeu que "institucionalmente nunca" questionou "porque a informação chegou por onde devia": "não é o meu papel avaliar a esse nível o comportamento das Forças Armadas. A magistrada sublinhou mesmo que seria "injusto" por causa deste episódio tirar a ilação que a comunicação não funciona entre a diversas autoridades.
"Diz que não pode tirar ilações de que os canais de comunicação não funcionam, mas esse canais existem precisamente para responder nas situações de crise e esta foi uma das maiores crises dos últimos tempos", reforçou António Carlos Monteiro, do CDS. De novo, a não resposta: "Não estou em condições de julgar, mas concordo perfeitamente que este caso tem de ter lições aprendidas".
O furto de Tancos ocorreu na noite de 28 de junho de 2017, tendo o Exército feito um primeiro comunicado dia 29 perto das 11 horas, tendo dia 30 acrescentado mais algum material furtado. A secretária-geral reuniu a UCAT dia 30 ao final do dia.
O inquérito de Tancos, que investiga o furto e o reaparecimento da armas, tem duas dezenas de arguidos, metade dos quais em prisão preventiva, indiciados pelos crimes de terrorismo internacional, associação criminosa, tráfico de droga, furto, detenção e tráfico de armas, tráfico de influência, e denegação de justiça e prevaricação, falsificação de documento e abuso de poder.