Tadej Pogacar, o miúdo tímido e destemido que conquistou o mundo do ciclismo
O tímido Tadej Pogacar superou os seus ídolos, espantando o mundo do ciclismo com a sua incomparável precocidade, mas também com a sua perseverança, ao vencer a Volta a França logo no seu ano de estreia. No ano passado, quando conquistou a primeira vitória como profissional, na segunda etapa da Volta ao Algarve (haveria também de vencer a geral), o ciclista da UAE Emirates era um teenager, com a cara cheia de borbulhas, que mal falava inglês e que se sentia intimidado pelos jornalistas, embora fosse extremamente educado.
Hoje, é um portento do ciclismo mundial, que subiu ao pódio das duas únicas grandes Voltas em que participou (logo na estreia, na Vuelta2019, foi terceiro, na primeira vez que completou uma prova de três semanas).
A timidez não o abandonou, mas apurou o inglês e, com ele o discurso, demonstrando inteligência e maturidade, e um qb de utopia, em cada declaração - não será por acaso que em cada entrevista pós-etapa foi falando da amarela, como se ela estivesse ao seu alcance e não no corpo de um aparentemente imbatível Primoz Roglic (Jumbo-Visma). Os vídeos de rap, publicados durante a quarentena, demonstram, além da sua falta de jeito para a música, que não se leva demasiado a sério, embora na estrada seriedade não lhe falte.
Neste Tour, foi o mais insatisfeito, o mais inconformado com o domínio sufocante da Jumbo-Visma, atacando quando nenhum outro candidato o fazia e tentando, segundo a segundo, reduzir a distância para o seu compatriota, uma diferença que vinha da sétima etapa, quando foi apanhado num corte motivado pelo vento e pelo trabalho da INEOS e perdeu 01.21 minutos.
A descontração com que encarou o contratempo desse dia foi, talvez, um dos segredos do seu estrondoso e precoce triunfo na sua estreia na Grande Boucle. O outro terá sido a sua coragem, que o levou a arriscar tudo para ganhar, em vez de ser cauteloso para preservar o que já tinha (o segundo lugar), que, aliada a um talento natural, uma autoconfiança e um instinto invejável na estrada, fazem do rapaz, nascido em 21 de setembro de 1998, em Komenda, um caso sério no pelotão.
"Penso que uma das minhas forças é saber como ler a corrida, mas não gosto de ficar demasiado excitado e atacar sem sentido. Prefiro esperar para ver o que outros fazem e, a partir daí, 'seguir a corrente'", descreveu numa entrevista à publicação especialista Cyclist.
Mas o primeiro amor de Pog nem foi o ciclismo, modalidade que apareceu quase por acaso na sua vida, quando era o futebol a força que o movia; foi o irmão Tilen, que se inscreveu no clube de ciclismo de Ljubljana, o grande responsável por hoje o esloveno ser o segundo mais jovem vencedor de sempre do Tour. "Quis imediatamente imitar o meu irmão, mas não tinham uma bicicleta tão pequena no clube", revela no seu site pessoal.
Fazendo jus à perseverança evidenciada nesta edição da prova francesa, não desistiu de seguir as pisadas de Tilen e, em pleno inverno, com apenas nove anos, começou a acompanhar o irmão nos treinos, participando na sua primeira corrida logo em 2008, com bons resultados, para nunca mais parar.
O potencial tremendo, corroborado pela conquista da Volta a França do Futuro (2018), chamou a atenção da UAE Emirates, que lhe ofereceu um contrato para as temporadas seguintes, com o desfecho que agora se conhece: são 17 as vitórias no seu currículo, seis delas em etapas de grandes Voltas (três na Vuelta, onde também foi o melhor jovem, três no Tour deste ano), além das gerais da Volta à Califórnia (2019) e da Volta a Valência (2020), de dois títulos nacionais de contrarrelógio e do título esloveno de ciclocrosse.
"Este trabalho obrigou-me a tomar decisões importantes numa tenra idade, quando comparado com os meus amigos. Cresces tão rápido quanto a necessidade o obriga", refletiu.
O jovem de Komenda sucedeu no palmarés de vencedores do Tour a dois dos seus ídolos, o espanhol Alberto Contador e o luxemburguês Andy Schleck, dois atacantes em que se inspirou para o seu percurso no ciclismo, a modalidade que ocupa todos os aspetos da sua vida, inclusive da pessoal, já que a sua namorada corre na equipa Alé BTC Ljubljana, do WorldTour feminino.