Suportar o insuportável

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A mais recente obra literária de Ana Zanatti, O Sexo Inútil (Sextante, 2016), é uma boa ilustração das sábias palavras da escritora dinamarquesa Karen Blixen: "Todos os sofrimentos podem ser suportados se os colocarmos no interior de uma história ou se contarmos uma história sobre eles."

O tema central do livro é o sombrio universo de segregação, humilhação, desprezo, violência a que centenas de milhões de pessoas em todo o mundo, pertencentes ao universo LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transgéneros), têm sido vítimas. Desde 1982, quando a lei portuguesa descriminalizou a homossexualidade, até aos dias de hoje, um difícil mas positivo caminho foi percorrido no terreno legislativo. Mas a questão da orientação sexual não se limita às leis e à inscrição de direitos, por muito importantes que eles sejam. Trata--se, no essencial, de uma questão de identidade profunda. Aquilo que somos, no plano sexual e erótico, não resulta de uma deliberação, mas é uma realidade anterior ao juízo. Tão inerente e singular como o carácter de cada um. Um dos méritos fundamentais deste livro é a cumplicidade que a autora estabelece com os leitores, todos eles, desde a primeira à última página.

Para o livro concorrem as vozes de muita gente, mas sobretudo da autora, ao longo do tempo. As suas memórias e experiências. A sua descoberta de si própria. As suas dúvidas e incertezas. A sua correspondência. O livro ergue-se como uma verdadeira fenomenologia da sexualidade como parte da nossa identidade pessoal. A manifestação da realidade destapa no preconceito, a sua raiz perversa, feita de medo, ignorância e do desprezo pelos outros, só por serem diferentes. Com este livro, Ana Zanatti ajuda-nos a crescer. Não apenas como cidadãos, mas sobretudo como pessoas.

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