Um quarto de lua, de brilho intenso, acompanha-nos na estrada ao nível das árvores. Estamos a caminho de Périgueux e entramos nas 6 horas locais. Depois de ter conduzido o automóvel durante meio dia, Myron cedera por fim, e encostara o carro e o corpo um par de horas antes. A viagem é retomada como antes, ao som do motor. O motorista ucraniano do grupo Bel (cujo proprietário é também acionista principal do DN) dispensa ouvir rádio. E assim fica na cabeça o refrão dos The Police em Message in a bottle, que se ouvia na cafetaria da estação de serviço. Sting enviou um S.O.S. para o mundo e foi mais bem-sucedido do que o presidente Volodymyr Zelensky e as suas mensagens, talvez à deriva no mar de Azov, onde a frota russa bloqueou a passagem de outros navios..Myron Fedoriv prefere concentrar-se no asfalto e nos pensamentos. O seu país voltou a ser invadido pela Rússia, desta vez em modo declarado. Compara Putin a Lenine e a Estaline, figuras que, recorda, desprezavam a vida alheia. Mas também lista, amargurado, a galeria de presidentes ucranianos, e o balanço, valha a verdade, é uma deceção..Mais tarde, o GPS atira-nos para uma estrada, N79/E62 para os interessados, em conversão para autoestrada. Ao longo de intermináveis quilómetros a velocidade cai, com os condutores franceses a circularem qual Sr.Hulot em férias, para frustração de Myron. A esta hora a filha está num autocarro com os dois filhos de 4 e 9 anos na fila da fronteira em Shehyni, com Medyka, na Polónia. A páginas tantas imobiliza o veículo e pede para trocarmos de posição. O sol da manhã deixa-o com sono. Não que vá dormir, mas aproveita para seguir as últimas de Miroslava, dos netos Zakharij e Jakiv, e da frente militar..A histórica predisposição dos franceses para erguer barricadas parece confirmar-se, porque as obras espalharam-se, qual Ómicron do betão, às vias seguintes, com a vantagem não desprezível de o automobilista poder observar a inatividade das vacas charolesas. Os quilómetros passam sem história, porque aquela que importa para Myron não está ali. Quando não está de volta do telefone esfrega as mãos sapudas. Suspira..A tarde avança e na Alemanha das autobahns sem limite de velocidade o carro abranda. Miroslava e os filhos estão num autocarro que não avançou um centímetro em quatro horas, tal como os seis à sua frente, desabafa, descrevendo um cenário de crianças para lá de impacientes. A esperança do reencontro nas próximas horas esboroa-se, e os restantes 350 quilómetros até à checa Pilsen, onde se marcou encontro, são uma mistura de sentimentos ainda maior. "Não sei como vai ser.".Jornalista.* O DN a caminho da Europa de Leste a acompanhar o esforço de um ucraniano que vive em Portugal para ir buscar a família.