Sonhos, azevias e a semana de 4 dias

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Na sexta-feira dia 15 de dezembro cruzei-me com uma vizinha, que me disse "depois dos feriados das duas últimas semanas, já estava a habituar-me a ter semanas de 4 dias!". Sorri e disse-lhe que, um dia, todas as semanas serão de 4 dias!

Tínhamos acabado de conhecer os resultados preliminares do projeto-piloto da semana de 4 dias em Portugal, que são muito encorajadores. A saúde mental dos trabalhadores melhorou: diminuiu a ansiedade, a fadiga, as insónias, a tensão e a solidão. A exaustão provocada pelo trabalho diminuiu 19%. E a conciliação entre trabalho e família melhorou substancialmente, com apenas 8% dos trabalhadores a indicarem que é uma conciliação difícil, face aos 46% de antes do teste-piloto. São resultados encorajadores, embora não surpreendentes.

Quem nunca se queixou de não ter tempo para nada? Quem nunca se angustiou com a sucessão de dias iguais e com o tempo contado, entre acordar, ir trabalhar, chegar a casa, banhos, jantar e dormir, sem tempo para estar com a família ou amigos ou apenas para se fazer o que se gosta? Quem nunca desesperou com um fim de semana ou dias de folga onde se acumulam todas as tarefas que não se consegue fazer nos dias "úteis", como ajudar crianças com trabalhos, limpar a casa, cozinhar para a semana que se segue, e tantas outras? Dificilmente encontraremos alguém, sobretudo se for mulher.

Esta falta de tempo das pessoas que trabalham não as afeta apenas elas. Na Europa, as crianças portuguesas são as que passam mais horas na creche. A solidão das pessoas mais velhas é apontada como um problema grande de saúde pública. Mais novos e mais velhos sofrem com a pouca disponibilidade e a pouca atenção que a falta de tempo provoca. Mas também o país é afetado: a coesão social e a criação de laços de comunidade que tornam uma sociedade mais forte precisam de tempo de convívio, a participação cívica requer tempo e disponibilidade mental, a cultura e a leitura exigem tempo, a exaustão, o burn-out e a depressão que também são provocadas pela falta de tempo têm custos enormes.

Além do impacto no bem-estar e na saúde dos trabalhadores, há outros resultados do projeto-piloto que são relevantes: 95% das empresas avalia positivamente o teste e várias estão mesmo a considerar manter o modelo, o que mostra que as empresas reconhecem o valor e o benefício que a semana de 4 dias pode ter para o seu negócio.

A beleza da semana 4 dias é que pode ser um ganho para todos os lados: para trabalhadores e para as empresas, para cada pessoa e para as famílias, para a sociedade e para o país. Tem seguramente muitos desafios, sobretudo num país onde os salários são ainda tão baixos, onde ainda muitas pessoas trabalham, na prática, mais do que os cinco dias ou onde existem tantas pequenas e médias empresas que vivem com as contas tão apertadas. Mas todas estas lutas entrecruzam-se e podemos fazê-las de forma conjunta: mais rendimento e mais tempo para todas as pessoas, aumento de produtividade para as empresas em Portugal. A reinvenção de Portugal e do nosso modelo de desenvolvimento passa também por uma melhor vida para todas as pessoas, onde consigamos mais tempo para estar uns com os outros e mais tempo para fazermos o que queremos, aprender coisas novas, ler, descansar, pensar, dançar.

Hoje, começa mais uma semana de 4 dias. E a próxima também será. Esta época de festas é uma boa altura para sonharmos em conjunto como seria a nossa vida trabalhando apenas quatro dias por semana. 2024 será o ano para continuarmos a trabalhar para isso.

N.º2 da lista de candidatos a deputados pelo Livre em Lisboa

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