No próximo dia 2, quando o Parlamento Europeu tomar posse, há 27 eurodeputados de 14 países que não vão poder ocupar os seus lugares em Estrasburgo e Bruxelas. Isto porque os eurodeputados britânicos continuam no hemiciclo e ainda não houve Brexit. Sandro Gozi, italiano, eleito pela lista Renaissance em França, é um dos eurodeputados no banco. "Eu até inventei uma alcunha para nós: "os eurodeputados Picard." Picard é uma empresa francesa de produtos congelados", diz ao DN em entrevista telefónica..O italiano, de 51 anos, diz-se disposto a esperar alguns meses, mas não pretende esperar para sempre. "Depois de ter estado no governo eu trabalhava como consultor e tive de renunciar a vários contratos que não eram compatíveis com as eleições europeias. Tive de renunciar a contactos que tinha feito e, do ponto de vista profissional, isso afeta-nos. Claro que profissionalmente é difícil, porque não te consegues organizar, não consegues assumir um compromisso com outro emprego ou com outro contrato sabendo que podes ser chamado a integrar o PE no próximo mês", desabafa Gozi, ex-deputado italiano e ex-membro do governo de Matteo Renzi..Até aceita que os britânicos revoguem o artigo 50.º, fiquem na UE, mas pede que se decidam rápido. "É do interesse do Reino Unido e da UE acabar com a incerteza e a ambiguidade e sair a 31 de outubro. Mas se os britânicos quiserem ficar, encontrarei outro emprego, já fui deputado, já estive no governo e não é por não entrar no PE que iria ficar sem emprego", diz o membro do Partido Democrático, que concorreu na lista transnacional promovida pelo partido do presidente francês Emmanuel Macron, o La République en Marche!..Ex-funcionário da Comissão Europeia e, mais tarde, membro do gabinete de Romano Prodi, Gozi conta que, em França, participa nas reuniões da lista Renaissance e dos eleitos do grupo político Renovar a Europa, o qual integrará, mas não é reconhecido como eurodeputado de pleno direito pelo Parlamento Europeu. Nem tem direito a levantar a sua acreditação..Advogado de formação, diz que a decisão de deixar os britânicos participar nas europeias depois de terem falhado sair da UE a 29 de março, como previsto, foi tomada numa base política e não legal. "O cálculo político saiu errado. Só serviu para fortalecer [Nigel] Farage [líder do Partido do Brexit], os nacionalistas e os hard brexiteers do Partido Conservador.".E aponta o dedo especificamente a Donald Tusk e a Angela Merkel, atual presidente do Conselho Europeu e chanceler alemã. "Os britânicos nunca usaram o tempo extra que lhes foi dado para fazer nada. Mantiveram-se nesta incerteza. A incerteza é a pior coisa. E isso é responsabilidade de Tusk, que decidiu salvar os britânicos de si próprios. Eu sei que Tusk é um grande fã dos Beatles, mas eu, como antigo DJ, posso informar Tusk de que o Reino Unido, entretanto, produziu outro tipo de rock e recomendar-lhe outro tipo de música. Merkel fez vários erros nos últimos anos em Bruxelas e o maior é que ela nunca quer decidir nada, apenas quer adiar, pois parece que adiar é algo que interessa à Alemanha. O único que estava certo é Macron, graças a ele a extensão do artigo 50.º só vai até 31 de outubro deste ano e não até março de 2020, porque a 1 de novembro temos de lançar um novo ciclo político, com uma nova Comissão Europeia, um novo presidente do Conselho, etc...".Sandro Gozi, que estudou, viveu e trabalhou em França, diz que conhece Macron há muito tempo e que decidiu integrar a lista Renaissance por apoiar há muito a ideia de listas transnacionais nas eleições para o Parlamento Europeu. "Essa proposta foi chumbada no Parlamento Europeu, porque o PPE e, nomeadamente, o eurodeputado português Paulo Rangel, foi contra, cometendo um erro, no meu ponto de vista. Mesmo assim decidimos mantê-la viva e Macron decidiu fazer uma lista de sete nacionalidades em França, a partir do La République en Marche!, que é a lista Renaissance.".Europeu convicto, presidente da União dos Federalistas Europeus, acredita que o novo grupo político Renovar a Europa vai ser uma espécie de terceira via, a par dos Verdes, numa altura em que os dois maiores grupos políticos tradicionais, PPE e Socialistas e Democratas, viram a sua hegemonia posta em causa após as eleições. "A divisão direita e esquerda já não corresponde às expectativas dos cidadãos. Nós queremos fazer avançar a agenda reformista na Europa. A Europa tem dois inimigos: o nacionalismo e o status quo." O eleito italiano denuncia: "Os dois maiores grupos políticos, sobretudo o PPE, têm uma grande responsabilidade no status quo. Sempre se opuseram a reformas na Europa."