Soldado do Futuro. Exército com dois pesos e duas medidas em concursos de aquisição de material

O Exército revogou o concurso Soldado do Futuro com a justificação de que a exigência da garantia bancária era difícil de cumprir - apenas uma das 12 empresas concorrentes a apresentou. Mas noutros concursos tinha excluído empresas por esse motivo.
Publicado a
Atualizado a

O Chefe do Estado-Maior do Exército (CEME), José Nunes da Fonseca, está a baralhar as empresas candidatas à venda de equipamento para os soldados, alterando exigências de garantias de concurso para concurso. Esses "dois pesos e duas medidas" da parte dos altos responsáveis do ramo são um dos pontos destacados na impugnação de uma empresa que contesta as decisões à medida.

A gota de água a fazer transbordar o copo foi a decisão de 20 de dezembro último, noticiada pelo DN, de revogação do concurso internacional para adquirir parte dos equipamentos do programa Sistemas de Combate do Soldado - conhecido por Soldado do Futuro - no valor de 20 milhões de euros.

Na origem da decisão, conforme assumido no despacho assinado pelo CEME, está o facto de apenas uma das 12 empresas que concorreram ter apresentado a garantia bancária nos termos em que era exigido no caderno de encargos - tendo concluído que os bancos não "estavam disponíveis para dar resposta" à emissão desta declaração, que se destinava a confirmar a capacidade financeira da empresa.

Não conformada com a decisão de deitar abaixo o concurso, essa única empresa que cumpriu todas as exigências invoca alguns factos que, do seu ponto de vista, demonstram que os argumentos do tenente-general Nunes da Fonseca têm por base "pressupostos falaciosos".

Na impugnação administrativa enviada ao CEME a 31 de dezembro, na qual apresenta os motivos pelos quais a decisão de revogação deve ser anulada, a empresa refuta que exista "qualquer relutância" dos bancos em emitir a referida declaração a operadores económicos - desde que lhes sejam prestadas pelos mesmos as necessárias garantias.

Prova disso é que esta empresa a conseguiu - por o banco ter confiado na sua capacidade financeira - ao contrário do que tinha acontecido a outra empresa, apenas dois dias antes, nessa mesma instituição bancária, a quem foi recusada essa declaração.

Garantias, mas só para alguns

Por outro lado, alega a empresa que noutros concursos, processados em 2018, em que essa mesma garantia bancária foi exigida pelo Exército, várias empresas a obtiveram e aquelas que não o conseguiram foram excluídas.

Foi o caso de um concurso para rádios, em que cinco das seis empresas candidatas apresentaram a declaração, tendo sido excluída do procedimento a única que não conseguiu - curiosamente, uma das concorrentes que também falhou esse requisito no Soldado do Futuro.

Foi também o caso do concurso para equipamentos de comando e controlo, em que dois concorrentes apresentaram a declaração bancária e um foi eliminado por não a ter entregado.

A juntar a estes argumentos, a empresa acrescenta ainda o facto de que a justificação do CEME para revogar o concurso não ser nenhuma das previstas legalmente, no Código de Contratos Públicos, citando até Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos (in Direito Administrativo Geral), quando escrevem que uma adjudicação só pode não ser concretizada nos casos especificamente apontados no CCP (n.º 1 do artigo 79.º) - o que não aconteceu, no seu entender.

Em resposta ao pedido de esclarecimentos do DN, o gabinete do CEME respondeu que a impugnação "está a ser analisada pelos serviços competentes". No seu despacho, Nunes da Fonseca determina que "o procedimento será oportunamente lançado". Neste lote de material seriam adquiridas peças como "monóculo intensificador de imagem, apontador iluminador, lanterna tática, monóculo térmico e monóculo de localização de alvos, entre outros".

O projeto Sistemas de Combate do Soldado, com um valor total de 171 milhões de euros, "visa dotar o militar com todos os artigos e equipamentos que são usados, transportados ou consumidos pelo soldado", para uso individual ou de equipas, dividido em três subsistemas: sobrevivência (que abrange o fardamento, sistemas de carga e os equipamentos de proteção), letalidade (que inclui o armamento ligeiro, os sensores e auxiliares de pontaria) e comando, controlo, comunicações e informação (C4I).

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt