Há menos de uma semana Pilar Manjón foi avó pela primeira vez. O neto tem o mesmo nome do tio, Daniel Paz, falecido a 11 de março de 2004, vítima dos atentados terroristas em Madrid, reivindicados pela Al-Qaeda..O bebé traz agora alegria a uma família dilacerada pela dor desde esse fatídico dia em que morreram 191 pessoas e mais de duas mil ficaram feridas..Quinze anos depois dos atentados, as lembranças estão ainda muito vivas. Pilar presidiu durante 12 anos à Associação 11-M - Afetados pelo Terrorismo, cargo que deixou em 2016 e no qual foi sucedida pelo ex-marido Eugenio Paz..Ao DN, Pilar, a mulher a quem os media chamaram "Mãe Coragem", fala dos sonhos que o seu filho tinha, dos erros cometidos pelos serviços públicos e da solidariedade dos espanhóis..Neste ano, com o pequeno Daniel em casa, o aniversário do 11-M será mais suportável? Um neto traz muita alegria, sem dúvida, mas não é o substituto do meu filho. Estamos em contagem para o 11-M e como todos os anos é muito difícil. Cada vez mais. Daniel tinha 20 anos, já passaram 15 e sinto que, em breve, serão mais os anos que estive sem do que com ele. A tristeza não se vai embora, mas acabas por te acostumar à ausência..O que está gravado na sua memória desse 11-M que não consegue esquecer? Poderia contar, com detalhe, tudo o que aconteceu desde as 07.20, hora a que o meu filho saiu de casa, até as 03.00 da madrugada, com os gritos dos familiares ao saber da morte dos seus entes queridos. Lembro-me da angústia, do mal que funcionaram os serviços públicos porque não tinham uma lista de falecidos e feridos, lembro-me de ir aos hospitais. Isso fica tudo gravado..Quando sentiu que o seu filho Daniel podia estar entre os mortos? Sou sindicalista. Trabalhava na [confederação sindical] Comisiones Obreras e nesse dia não saí de casa tão cedo como de costume porque tinha um congresso em Alcalá de Henares. Estava a ouvir a rádio e quando deu a notícia algo me impactou. Fechei os olhos. Levantei o meu outro filho para ir buscar o Daniel à universidade. Sabia que a essa hora estava no comboio. Quando chegámos à estação foi horrível. O meu filho levou-me para casa, porque o Daniel podia ligar. Fiquei ali até às 10.30. Depois começámos a procurá-lo pelos hospitais. A minha chefe paralisou o centro de investigação onde eu estava a trabalhar e deu instruções a todos para irem à procura do meu filho. Houve muitas demonstrações de solidariedade..Foi a parte boa no meio de tanta dor? Foi a parte positiva. Todos os vizinhos da zona foram ajudar, o trabalho da Proteção Civil foi excelente. É pena as autoridades não atuarem melhor pois acho que se podia ter evitado muitas mortes na estação de El Pozo..Como era o seu filho Daniel? Um jovem de 20 anos, que estava no curso de Ciências de Atividade Física e Desporto. Nesse dia havia greve mas foi à universidade para estudar e ia ficar até à tarde para ver um jogo. Era atleta, fez o curso de salvamento e primeiros socorros, um líder nato. Todos os 19 de dezembro, o dia do seu aniversário, junto-me com os seus amigos e tomamos umas cervejas em sua memória. Tinha as ideias muito claras, queria ser nadador-salvador e trabalhar num centro de alto rendimento. Adorava a ginástica rítmica. Como viveu os dias que se seguiram ao atentado com a reviravolta eleitoral [o PSOE ganhou ao PP as eleições de 14 de março]? Depois da má experiência na identificação dos corpos da tragédia militar do Yak-42 [em que morreram 62 militares espanhóis que vinham do Afeganistão] quiseram confirmar com precisão a identificação dos corpos. Só recebi o corpo do meu filho oito dias depois. Por isso, nos dias a seguir ao atentado, só estava preocupada em tê-lo. Levaram-me para votar porque era algo que devia fazer por ele. Enquanto estava à espera do caixão outros estavam à espera de cargos políticos. No dia a seguir ao 11-M já todo o mundo dizia que tinha sido a Al-Qaeda e em Espanha continuaram a mentir. O PP perdeu as eleições por causa das suas mentiras. As vítimas não tiveram nada que ver com isso, estávamos a chorar os nossos mortos e a procurá-los.. Voltar ao seu dia-a-dia não foi fácil... Nestes anos todos recebi muitos insultos e durante oito anos tive escolta. Voltei a trabalhar e fui vítima de mobbing [assédio psicológico em contexto laboral]. Aguentei até um militar dizer "o teu filho morreu por Deus e pela pátria". Tive um ataque de ansiedade e internaram-me. Desde então estou de baixa..Defende que a foto das Açores de Aznar com Bush, Clinton e Barroso foi decisiva para o ataque do 11-M. Daniel foi o primeiro a colocar uma bandeira a dizer "Não à guerra. Outro mundo é possível". Essa foto [da cimeira das Lajes] foi o início de uma invasão ilegítima para ir buscar petróleo. E na foto estavam quatro, Durão Barroso também. Foi feito todo o possível para castigar os autores do atentado? A legislação espanhola estava preparada para o modelo terrorista da ETA, não para o modelo jihadista que é diferente. Conseguimos que seja delito a captação, o doutrinamento e o envio de pessoas para as zonas de conflito. Mas há muitos vazios. A 16 de março de 2014 deixaram sair da prisão a pessoa que conectou duas células. Outros estarão 10 ou 12 anos e no máximo 40 anos.. As vítimas queixam-se de não ter recebido apoios dos políticos. Com o PP mantemos a guerra aberta porque nos consideram responsáveis pela sua derrota nas eleições. Chegou Zapatero, aproximou-se um pouco mas acabou por nos abandonar. Deixaram-nos sozinhos. Perdemos 60% dos subsídios. Nós pagamos terapias médicas e advogados às vítimas e temos poucos meios. Como pensa que irá evoluir o terrorismo jihadista? Na Europa vamos ter problemas, vão voltar as células adormecidas, em que muitos dos membros são da segunda geração. Não sei realmente se é verdade que estão controlados ou se temos de acreditar mais em Trump que diz que vêm todos para Europa. São muitos os que morrem todos os dias e vamos continuar com estas situações porque, por trás delas, estão jogos geoestratégicos que têm um fim económico. O terrorismo jihadista alimenta-se destas coisas. Os terroristas merecem perdão? A lei diz que devem pedir perdão e nunca o fizeram. Mas perdão é uma palavra judaico-cristã, que não tem significado nenhum para os muçulmanos. E não estão arrependidos, o que é outra condição.