Só Governo e PS acreditam que tudo vai correr bem no início do ano letivo. Já Marcelo disse nada

Após a reunião com especialistas, quase todos os partidos com assento parlamentar (só o PCP não falou) manifestaram dúvidas sobre o regresso às aulas e pedem mais fiscalização aos lares de idosos.
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Nem à entrada nem à saída. Pela primeira vez, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, não prestou declarações no âmbito da reunião sobre a situação epidemiológica em Portugal, no âmbito da pandemia de covid-19, que decorreu esta segunda-feira na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, e que juntou peritos, políticos e parceiros sociais. Após o encontro, os partidos com assento parlamentar, à exceção do PS (e do PCP que não reagiu ao que foi dito na reunião), manifestaram preocupação com o arranque do ano letivo e querem mais medidas para um regresso às aulas com maior segurança e mais fiscalização nos lares de idosos.

O otimismo veio todo do lado do governo. "Estamos preparados para enfrentar o regresso à escola em segurança das nossas crianças e jovens adultos" e Portugal está mais bem preparado do que estava no início da pandemia para enfrentar um "eventual recrudescimento da doença", garantiu a ministra da Saúde, Marta Temido, no final da reunião.

Afirmou que o país tem "mais meios, experiência e conhecimento" embora o contexto seja "naturalmente de grande exigência".

"Temos mais capacidade de testes, mais capacidade de cuidados intensivos, equipas na saúde pública que estão mais preparadas para estas respostas localizadas em trabalho com todos os atores", sublinhou.

Ao lado de Marta Temido, o ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, reforçava o discurso. "O que queremos é que as crianças estejam na escola", afirmou, referindo que se está trabalhar nesse sentido.

Mas caso as aulas tenham de ser interrompidas têm de ser "no menor espaço e tempo possível", avisou Tiago Brandão Rodrigues, que assegurou que as escolas estão a fazer tudo para aumentar a segurança e a confiança das famílias.

Apesar de garantir total segurança no arranque do ano letivo, Tiago Brandão Rodrigues sublinhou que o Governo está a criar condições para, se necessário, garantir o ensino à distância e misto.

O ministro revelou que está em curso "um enorme projeto para a digitalização da escola", que estava previsto no programa do Governo e que acelerou devido à pandemia. Afirmou também que em relação ao Estudo em Casa vai haver "novidades".

Antes, toda a oposição - com exceção do PCP que não teve nenhum representante a reagir à reunião dos especialistas - manifestavam preocupação face ao regresso às aulas, que vai acontecer já na próxima semana.

O presidente do PSD, reiterou, aliás, o apelo ao Governo que já tinha feito de manhã, após visitar uma escola em Vila do Conde.

"Era absolutamente vital que o Governo, com as autarquias, câmaras e até juntas de freguesia, criasse um modelo de transporte dos alunos para as escolas de modo a minorar os contactos, que aí até serão com o público em geral", afirmou.

Segundo o líder do PSD, na reunião desta segunda-feira "ficou claro" da exposição dos técnicos que, se for possível "reduzir substancialmente os contactos entre jovens nas escolas", será também um travão à possibilidade de uma segunda onda da pandemia.

"Se nada fizermos, é quase certo que teremos segunda onda", alertou, defendendo que, se nos jovens será impossível uma redução de contactos de 70%, considerou viável uma diminuição para "menos de metade", o que colocaria o país "num patamar razoável de prevenção" quanto a uma segunda onda.

Questionado se concordava com o presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, que disse hoje na reunião - numa parte que já não deveria ser aberta, mas que continuou a ser transmitida - não compreender como é que ainda não se retiraram lições do que aconteceu nos lares numa primeira vaga da pandemia da covid-19, o presidente do PSD respondeu afirmativamente.

"Há lares que eu próprio tive oportunidade de visitar que tive consciência que estão a fazer bem as coisas, mas há outros que não", disse.

Rui Rio defendeu ser "premente reforçar a vigilância sobre os lares", eventualmente até com a ajuda da nova aplicação StayawayCovid, mas também que se testem "todas as pessoas que tiveram um contacto próximo com o vírus, ainda que assintomáticos".

"Há pouco, contaram-me o caso de alguém que tem uma idade muito avançada e teve um contacto, mas como não tem sintomas não se testa. Assim não, nessa idade se não se testa e dá positivo, não é necessariamente fatal, mas já está lá muito próximo", disse.

Também confrontada com a posição do presidente da Assembleia da República sobre a questão dos lares, a ministra da Saúde, Marta Temido, respondeu dizendo depois aos jornalistas que o Estado "não se demite" de garantir a proteção dos utentes dos lares, apontando que estas são estruturas "muito complexas" e que o "dever de guarda" recai sobre os seus proprietários.

"Aquilo que estamos a falar é de uma área de atividade muito complexa, onde há vários atores, desde logo os proprietários das instituições, muitas destas instituição maioritariamente são instituições privadas ou do setor social. Há aqui um dever de guarda que incumbe, em primeira mão, às estruturas que abrem portas para receber estas pessoas e depois, há um dever do qual o Estado não se demite de garantir o seu melhor para aquilo que é a proteção destas pessoas", sublinhou.

Mais contundente foram as declarações do líder do CDS-PP. "O Governo, infelizmente, está já neste momento a falhar, uma vez que muitas famílias portuguesas, milhares delas, estão absolutamente inseguras porque ainda não compreendem quais as regras de segurança que os seus educandos vão ter nas escolas", disse o líder do partido, Francisco Rodrigues dos Santos.

Na sua opinião, o Governo tem ainda muitas respostas a dar nesta matéria. Para o CDS o executivo de António Costa não se pode queixar de falta de informação por parte dos técnicos, cientistas e especialistas de que procedimentos deve adotar para que o início do ano letivo se faça em segurança.

Neste momento, entendeu, o executivo tem na sua posse todos os elementos necessários para tomar decisões que evitem uma segunda vaga da pandemia "catapultada" pelo regresso às aulas presenciais.

"Mas, já está a atuar tarde e a más horas porque já existe um grande receio na comunidade", considerou o líder do CDS-PP.

Além da questão da educação, o centrista lembrou ainda a situação dos lares que precisam de ser dotados de mais meios humanos e técnicos, de maior vigilância e fiscalização por parte da tutela para proteger os idosos.

"Os lares continuam a ser responsáveis por 40% da mortalidade em Portugal (...) precisamos de cuidar de quem cuidou de nós", sublinhou.

O que também precisa de ser reforçado é o Serviço Nacional de Saúde (SNS) porque os números de consultas adiadas ou de exames de diagnósticos cancelados são "alarmantes", frisou Francisco Rodrigues dos Santos.

Para o Bloco de Esquerda (BE) há "três áreas fundamentais" onde deve existir uma "maior intervenção do Estado, reforço do Estado e principalmente reforço de profissionais", defendeu o deputado Moisés Ferreira..

As escolas, o Serviço Nacional de Saúde e a intervenção mais decidida nos lares ou nas residências para pessoas idosas são essas três áreas onde os bloquistas pedem maior intervenção.

"Sobre os novos casos e os novos surtos continua a haver uma caracterização de casos muito baseada apenas na idade e no sexo das pessoas infetadas, mas continua a faltar uma caracterização socioeconómica, sobre o seu contexto social, o contexto profissional, que nós voltamos hoje a insistir que deveria existir para percebermos melhor aquilo que é a doença e aquilo que são os fatores que vulnerabilizam mais ou menos uma determinada pessoa", criticou.

De acordo com Moisés Ferreira, na reunião foi dito que "há um estudo que está em preparação, exatamente para perceber que variáveis é que podem distinguir entre uma pessoa ser infetada ou não ser infetada".

"Nós esperamos que esse estudo saia rapidamente porque realmente para travarmos a pandemia sem vacina nós temos de saber onde intervir para que não haja novos casos ou para interromper a transmissão do vírus e isso não se faz com tiros no escuro, faz-se sabendo o contexto onde o vírus se reproduz e é bom que esse estudo aconteça", defendeu.

Tal como o PSD, o Chega também defende um plano referente ao transporte de alunos neste início de ano letivo. "É incompreensível que o Governo, a uma semana do arranque do ano escolar, não tenha definido, desenhado e implementado um projeto e um plano específico de transportes para estudantes entre as suas escolas e meio escolar, havendo o risco de termos de fechar as escolas pouco depois de as reabrirmos", afirmou André Ventura.

O também candidato presidencial disse esperar que "tudo corra bem" neste arranque do ano letivo, mas afirmou que "a grande probabilidade neste momento é que não corra tudo bem na reabertura do ano escolar".

O deputado avançou que o Chega entregou hoje, na Assembleia da República, um projeto de resolução para garantir que o transporte entre as casas dos estudantes e os respetivos meios escolares seja "feito, pensado e desenhado de forma mais segura".

"Ficamos a saber que um dos principais problemas que podemos vir a ter em termos de contágio são os transporte, isso significa que era fundamental que existisse um plano de transportes articulado com as autarquias porque, se não o tivermos, vamos ter uma situação muito complicada na reabertura do ano escolar e, isso, pode obrigar ao encerramento de escolas e nós não podemos correr esse risco", frisou.

André Ventura adiantou que na reunião ficou claro, pelos especialistas, que há o risco significativo de uma segunda vaga, ainda que seja possível contê-la.

Segundo o deputado, este é um risco sério e significativo, mas que o Governo continua a não validar e a não ter em conta.

Também Bebiana Cunha, a "preocupação" do PAN "com a forma como está a decorrer este regresso às aulas".

"Consideramos que ele é obviamente fundamental, é fundamental que decorra e que sejam criadas as condições o mais seguras possível nos contextos escolares, mas é fundamental que o Governo faça, então, a sua parte", declarou.

Defendendo que os especialistas devem "direcionar as decisões políticas", a deputada do PAN alegou que segundo estes "é fundamental reduzir-se o número de contactos" dos alunos em contexto escolar.

"Isso faz-se obviamente criando medidas para o efeito, e não passam, a nosso ver, somente pelas medidas de equipamentos de proteção individual. Nós entendíamos que este era o momento para reduzir quer o número de alunos por turma quer os conteúdos programáticos", acrescentou.

Por outro lado, Bebiana Cunha reiterou a importância do "reforço de especialistas em saúde pública", embora ressalvando que o Governo "está comprometido com isso, comprometeu-se a fazer o reforço em 33 profissionais".

A deputada do PAN mostrou igualmente "preocupação com os vários surtos que continuam a surgir" em lares de idosos.

"Não querendo aqui alavancar uma necessidade do nosso país que é a desinstitucionalização dos nossos idosos, gostaria apenas de marcar a posição de que sabemos que os vários profissionais que estão no terreno, seja nas instituições particulares de solidariedade social (IPSS), nos lares, no Serviço Nacional de Saúde (SNS), escolas, estão comprometidos para que tudo corra da melhor maneira possível, assim o Governo lhes dê os meios e as ferramentas para o efeito", afirmou, a este propósito

O partido "Os Verdes" (PEV), pela voz de Mariana Silva, considera ser necessário "contratar mais auxiliares para que possam estar perto dos alunos" e ajudar à limpeza das escolas e ter "mais professores para que se possa fazer o desdobramento de turmas".

"Para que todos os alunos tenham direito às aulas presenciais" e "não fiquem de fora", "social e economicamente", os que "não podem participar em aulas 'online' ou com outros instrumentos aos quais não têm acesso", afirmou ainda.

Para a parlamentar dos Verdes, o parque escolar "não está assim tão preparado para todas estas regras rigorosas" na reabertura das aulas, previsto para dentro de uma semana.

O Iniciativa Liberal, representado por Tiago Mayan Gonçalves, considerou que a foi "dececionante" já que "o grande objetivo declarado para esta reunião ser pública era de prestar informação direta aos cidadãos sobre a questão da pandemia".

"E o que vimos foi uma reunião claramente expositiva, técnica e nunca dirigida aos cidadãos. Vimos pessoas mais preocupadas a trocar cumprimentos entre si e com grandes salamaleques de introdução e muito pouco preocupadas em dirigir uma mensagem para os cidadãos", lamentou.

Outra das falhas apontadas pelo liberal foi o facto de "o grande objetivo declarado desta reunião era ter sido a reunião para começar a definir os termos" da situação de contingência anunciada para começar no dia 15 e não ter havido "uma única palavra quanto a este aspeto".

O futuro candidato presencial criticou ainda que tenha havido "questões não respondidas".

"Uma delas foi o que fará o Governo quanto à questão não só das vacinas da gripe, mas do apoio dos pais aos seus filhos caso apanhe alguma doença que não covid", elencou.

Outra pergunta que a Iniciativa Liberal disse ter ficado sem resposta foi "qual será afinal o destino dado a esta APP da Stayaway Covid".

"É uma APP de adesão voluntária, mas a verdade é que todos os discursos que ouvimos lá dentro parecem orientar para um caminho que poderá ser alarmante", disse.

Assim, Tiago Mayan Gonçalves quer perceber se, com a situação de contingência, vai "ter algum tipo de obrigatoriedade do uso desta APP ou se está se tornará condição para usar os serviços públicos ou estarmos em espaços públicos".

O secretário-geral adjunto do PS, José Luís Carneiro, defendeu, por sua vez, que as famílias podem ter confiança na abertura do ano letivo.

Advertiu que "todos os cuidados" em termos de prevenção da covid-19 "devem prosseguir, porque houve um aumento do número de contágios a partir de 15 de agosto".

"Mas quero deixar uma nota de confiança relativamente à abertura do ano escolar, que está preparada ao mais ínfimo detalhe, em articulação do Ministério da Saúde com o Ministério da Educação, estando disponíveis orientações claras. É possível todos os portugueses, todas as famílias e escolas poderem alicerçar as suas decisões com base nesse quadro de orientações", sustentou.

Reforçou dizendo que "tudo está pronto para que o ano letivo arranque em condições de seguranças, mas, como é evidente, a responsabilidade é de todos, a começar nas famílias e a continuar nas escolas".

Em relação à situação dos lares em Portugal, José Luís Carneiro citou na sua resposta intervenções de vários especialistas e adiantou que está em vias de divulgação "um estudo científico que demonstra algumas tendências", sendo uma delas a de que "há segurança nas instituições que acolhem os mais idosos".

"Há segurança pelo menos ao mesmo nível da que ocorre em todas as outras instituições da nossa vida coletiva. A confirmarem-se as conclusões, tudo indica que os nossos cidadãos mais idosos estejam ainda mais protegidos em lar e em estruturas residenciais para idosos do que em muitas outras instituições da nossa sociedade", referiu o secretário-geral adjunto do PS.

Neste ponto, José Luís Carneiro disse mesmo ser necessária "uma mensagem de confiança para as famílias que têm seus entes queridos em estruturas residências para idosos".

Confrontado com a preocupação relativamente à situação nos lares que terá sido transmitida por Ferro Rodrigues nesta reunião, o secretário-geral adjunto do PS defendeu que Portugal "está entre os países que maior número de testes realiza no quadro europeu".

"Apesar de o indicador de contágio ter aumentado, verificamos mesmo assim que, com o desconfinamento geral, estamos com 1.17, o que significa que a situação está sob controlo. Quanto aos lares, cito o professor Henrique de Barros, de que os indicadores mostram que há razões para que as famílias continuem a confiar nessas autênticas mãos amigas que cuidam dos nossos cidadãos seniores", insistiu.

O encontro de hoje foi o primeiro depois do verão e o primeiro a realizar-se no Porto e contou com a participação do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, o primeiro-ministro, António Costa, o presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, bem como líderes e representantes partidários, patronais e sindicais.

A pandemia de covid-19 já provocou pelo menos 889.498 mortos e infetou mais de 27,1 milhões de pessoas em 196 países e territórios, segundo um balanço feito pela agência francesa AFP.

Em Portugal, morreram 1.843 pessoas das 60.507 confirmadas como infetadas, de acordo com o boletim mais recente da Direção-Geral da Saúde.

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