O que começou torto nunca chegou a endireitar-se até acabar, nesta segunda-feira, como um rotundo fracasso. No total, contam-se 138 dias entre aquele fim de tarde de 14 de junho e o anúncio deste fim de tarde de segunda-feira. Foi o tempo que durou a aventura de Julen Lopetegui como treinador do Real Madrid, o técnico que menos aguentou no cargo nesta segunda era de Florentino Pérez no clube merengue, desde 2009..O Real Madrid confirmou nesta segunda-feira, em comunicado após uma reunião da junta diretiva, aquilo que já se sabia desde o apito final do clássico de domingo em Camp Nou (ou, na verdade, até antes - Barcelona serviu apenas de palco perfeito para a capitulação): Julen Lopetegui, o homem que enjeitou a oportunidade de lutar pelo título mundial com a seleção espanhola para agarrar a oportunidade de treinar o Real Madrid, já não mora no Santiago Bernabéu..Apesar das notícias que dão conta de que o italiano Antonio Conte (ex-Chelsea) seria o substituto, o Real informou que o cargo será ocupado provisoriamente pelo argentino Santiago Solari, antigo jogador do clube que treinava o Castilla, a equipa secundária do Real Madrid..Solari vai estrear-se no banco já nesta quarta-feira, dia em que o Real Madrid defronta o Melilla para a Taça do Rei. De acordo com os regulamentos da Real Federação Espanhola, o técnico argentino só pode estar duas semanas na condição de interino..Aparentemente, de acordo com a imprensa espanhola, Conte recusou o convite por ter informações de que não teria grande parte dos jogadores a favor da sua entrada no clube. Mas outras versões apontam para algumas exigências feitas pelo técnico italiano, como a duração do contrato e o número de adjuntos..Lopetegui caiu após protagonizar o pior arranque de um técnico estreante no Real Madrid em mais de 70 anos. Com tantas derrotas como vitórias (seis) nos primeiros 14 jogos oficiais, o antigo treinador do FC Porto tem de recuar até 1948 para encontrar um técnico que tenha feito pior arranque no Real Madrid: o inglês Michael Keeping, com cinco vitórias, três empates e seis derrotas nos primeiros 14 jogos..Mesmo sem ganhar qualquer troféu, Keeping ainda aguentou duas temporadas sob a presidência de Santiago Bernabéu. Lopetegui não chegou a cinco meses. Deixa a equipa num inusitado nono lugar, ao fim de nove jornadas, num ciclo de três derrotas consecutivas na Liga espanhola e sem ganhar há cinco jornadas. Logo no início da temporada perdeu também a oportunidade de conquistar um troféu como técnico do Real, ao perder a Supertaça europeia para o vizinho e rival Atlético de Madrid..Lopetegui, que foi o 12.º treinador de Florentino Pérez no Real Madrid, bate o recorde da mais curta duração no banco merengue nesta segunda passagem do empresário pela presidência do clube. Antes, na primeira era de Florentino no Santiago Bernabéu, dois treinadores conseguiram ficar ainda menos tempo no cargo na atribulada temporada de 2004-05: o ex-benfiquista José Antonio Camacho, que aguentou 117 dias como sucessor de Carlos Queiroz antes de bater com a porta, após um mau início da Liga e da Champions, e o seu substituto Mariano García Remón, que ainda detém o recorde de permanência mais curta como treinador do Real Madrid: 101 dias..A reboque da demissão de Lopetegui, recordemos então o nome dos 12 treinadores que já passaram pelo Real Madrid em 15 anos de Florentino Pérez, aquilo que conquistaram e quanto tempo duraram no cargo. Desde Del Bosque e José Mourinho, os que mais aguentaram até aos que quase nem aqueceram o banco, como é o caso agora de Lopetegui..Vicente del Bosque (1999-2003). 1314 dias.Del Bosque já era o treinador do Real Madrid, com uma Liga dos Campeões acabada de conquistar, quando Florentino Pérez ganhou pela primeira vez as eleições para o clube merengue, no verão de 2000, com o "roubo" do português Luís Figo ao rival Barcelona como grande trunfo eleitoral. Antigo jogador do clube, conhecedor dos códigos e dos rituais do Santiago Bernabéu, Del Bosque exerceu uma gestão sábia e tranquila na primeira versão dos galácticos, que rendeu mais duas ligas espanholas, uma Liga dos Campeões, um Mundial de Clubes e uma Supertaça espanhola. Aguentou três temporadas inteiras com Florentino, completando 1314 dias como treinador, desde que foi nomeado em 1999 pelo presidente anterior, Lorenzo Sanz. Saiu no final de 2002-03, após vencer o campeonato, porque Florentino Pérez considerava que o ciclo mostrava "sinais de esgotamento" e o clube precisava de um treinador "mais tático"..Carlos Queiroz (2003-04). 333 dias.O antigo selecionador português foi o primeiro treinador contratado por Florentino Pérez, então aconselhado por Jorge Valdano, que exercia o cargo de diretor desportivo do Real. Queiroz era adjunto de Alex Ferguson no Manchester United e foi considerado o nome ideal para liderar um projeto de "Zidanes e Pavones", que misturava estrelas consagradas do futebol mundial (como Zidane) e jovens da cantera merengue (como o defesa central Pavón). Carlos Queiroz até começou bem, conquistando a Supertaça espanhola frente ao Maiorca de Jaime Pacheco, mas terminou a temporada em descrédito absoluto, com um quarto lugar na Liga espanhola, e não resistiu à chicotada de Florentino Pérez, que catalogou o português como "um erro", acusando-o de "falta de autoridade" perante o plantel..José Antonio Camacho (2004). 117 dias.O espanhol, referência histórica do Real Madrid enquanto jogador nos anos 1980, foi o escolhido por Florentino Pérez para virar a página de Carlos Queiroz. Camacho tinha conquistado uma Taça de Portugal pelo Benfica, batendo na final o FC Porto de José Mourinho, que haveria de sagrar-se campeão europeu dias depois, e era um nome querido da afición madridista. Ao contrário de Queiroz, era visto também pelo presidente como o homem capaz de domar um balneário de feras. Mas o furacão Camacho não resultou como esperado e deixou Florentino com novo problema nas mãos ao fim de apenas 117 dias. Depois de um fraco arranque da Liga espanhola e de uma derrota por 3-0 com o B. Leverkusen para a Liga dos Campeões, Camacho bateu com a porta em setembro de 2004, sem troféus e sem dar tempo a despedimentos..Mariano García Remón (2004). 101 dias.Camacho foi-se mas sugeriu a Florentino Pérez que entregasse o comando da equipa ao seu adjunto, Mariano García Remón. E este conseguiu ficar ainda menos tempo do que o ex-treinador do Benfica ao comando do Real Madrid. "Estará nesta temporada e esperemos que muitas mais", disse o presidente merengue quando da oficialização de García Remón no cargo, em setembro de 2004. A ideia era regressar ao estilo de gestão Del Bosque, que tinha proporcionado duas conquistas europeias. Mas García Remón não chegou sequer a passar o réveillon no Santiago Bernabéu, sucumbindo a uma derrota caseira com o Sevilha. Nunca um treinador (não interino) durara tão pouco tempo no Real. 101 dias. Um recorde que ainda sobrevive a Lopetegui..Vanderlei Luxemburgo (2005). 340 dias.Goradas as experiências com símbolos da casa, Florentino Pérez procurou um nome sonante no mercado de treinadores e viu no currículo impressionante do brasileiro Vanderlei Luxemburgo na América do Sul um bom cartão de entrada no Santiago Bernabéu. Luxemburgo era o técnico da moda no futebol sul-americano, tinha conquistado cinco títulos brasileiros repartidos por várias das equipas de topo no Brasil (Palmeiras, Corinthians, Cruzeiro, Santos) e difundia uma imagem cuidada de sucesso. O Real Madrid foi o seu canto do cisne. O técnico brasileiro ainda conseguiu levar a equipa a um bom final de temporada de 2004-05, com o segundo lugar, mas não resistiu ao início da seguinte e saiu antes do Natal, depois de uma vitória caseira por 1-0 frente ao Getafe que ficou marcada por uma substituição fatal: a de Ronaldo "fenómeno" pelo trinco dinamarquês Gravesen, a quatro minutos do fim, perante o olhar fulminante de Florentino..López Caro (2005-06). 178 dias.Treinador da filial, foi o último técnico escolhido por Florentino Pérez na sua primeira passagem pela presidência do Real, antes de o empresário se demitir em fevereiro de 2006. López Caro assumiu o cargo após a demissão do brasileiro Luxemburgo e comandou a equipa até ao final dessa temporada de 2005-06. Acabou a Liga em segundo lugar, a 12 pontos do Barcelona, e saiu..Manuel Pellegrini (2009-10). 358 dias.Líder de um excelente Villarreal que cativava pelo bom futebol ofensivo, o treinador chileno foi o escolhido por Florentino Pérez para dar início à sua segunda era como presidente do Real Madrid, assinalada, tal como da primeira vez, pela contratação recorde de um jogador português. Se em 2000 fora Figo, desta vez foi Cristiano Ronaldo o escolhido para rosto principal de um novo projeto galáctico. Apesar do investimento recorde (mais de 250 milhões em contratações, de Ronaldo a Kaká, Xabi Alonso ou Benzema) e de ter batido o recorde de pontos do clube na Liga espanhola, Pellegrini não conseguiu vencer nenhum troféu. Superado pelo Barça de Guardiola no campeonato, ficou marcado sobretudo pelas eliminações-choque diante do Alcorcón na Taça do Rei e frente ao Lyon nos oitavos-de-final da Liga dos Campeões. "Precisamos de um novo impulso", justificou Florentino..José Mourinho (2010-13). 1097 dias.Com o sucesso como imagem de marca e o rótulo de anti-Guardiola alimentado por uma eliminação do Barcelona (aos pés do seu Inter de Milão) nas meias-finais da Liga dos Campeões, José Mourinho surgiu como a solução óbvia para Florentino Pérez desafiar o domínio interno do Barça e tentar o regresso às conquistas europeias (fórmula que Mourinho tinha acabado de reunir com sucesso na Champions com o Inter). Começou assim uma era que marcou profundamente o futebol espanhol, com a rivalidade Real-Barça a atingir os seus níveis mais inflamados. Mourinho conseguiria mesmo destronar o Barcelona de Guardiola, na segunda época, mas os conflitos internos e externos que abriu e a ausência de um título europeu levaram a um desgaste que fez acabar a relação no final da terceira temporada, com uma Liga, uma Supertaça espanhola e uma Taça do Rei no palmarés. Depois de Del Bosque, Mourinho foi o único a aguentar três épocas inteiras com Florentino Pérez..Carlo Ancelotti (2013-15). 698 dias.Depois do estilo intempestivo de Mourinho, Florentino virou-se para a calma de um italiano low profile mas com currículo também recheado. Carlo Ancelotti conquistou adeptos e plantel com a postura elegante e, apesar de ter terminado apenas em terceiro na Liga espanhola, devolveu o clube às tão ambicionadas conquistas europeias, com a "Décima" Taça/Liga dos Campeões, a que juntou também a Taça do Rei e, já no início da época seguinte, a Supertaça europeia e o Mundial de clubes. Mas a degradação dos resultados da equipa na segunda metade dessa segunda temporada sentenciaram o destino do técnico italiano, que já não cumpriu o terceiro ano de contrato..Rafael Benítez (2015-16). 215 dias.Florentino Pérez virou-se para o técnico espanhol, numa escolha que conheceu críticas desde início e se foi deteriorando rapidamente. Um estilo de futebol pouco atrativo, a má relação de Benítez com alguns jogadores, como Cristiano Ronaldo, e os maus resultados, entre os quais um doloroso 0-4 diante do Barcelona no Santiago Bernabéu, precipitaram a demissão de Rafa Benítez ao fim de apenas sete meses. "Uma difícil decisão", apresentou Florentino Pérez no dia da rescisão, em janeiro de 2016..Zinedine Zidane (2016-18). 878 dias.Com Zidane a fazer estágio no Castilla desde 2014, Florentino Pérez encontrou no francês uma escolha de pouco risco para suceder a Benítez. Uma das maiores referências do futebol mundial e do Real Madrid da primeira década deste século, o francês era um nome respeitado por todos, do plantel aos adeptos. E soube traduzir isso da melhor forma no banco, como hábil gestor dos recursos e dos egos do balneário. Como resultado, o Real Madrid viveu a sua melhor fase das eras Florentino, com três Ligas dos Campeões consecutivas, dois Mundiais de Clubes, duas Supertaças europeias, uma Liga espanhola e uma Supertaça de Espanha. No final da época passada, com a perspetiva da saída de Cristiano Ronaldo já vincada no horizonte, Zidane surpreendeu tudo e todos e saiu de cena, deixando Florentino Pérez com mais um problema em mãos..Julen Lopetegui (2018) . 138 dias.Depois das recusas de vários técnicos contactados, como Mauricio Pochettino (Tottenham), Massimilliano Allegri (Juventus), Jürgen Klopp (Liverpool) ou Naggelsman (Hoffenheim), Florentino Pérez viu na recetividade de Lopetegui a solução para resolver com urgência a questão do treinador, que ameaçava complicar ainda mais um verão já marcado pela gestão da saída de Cristiano Ronaldo. O Real Madrid agarrou o selecionador espanhol a poucas horas do início do Mundial, provocando o caos na seleção, e Lopetegui não se importou de deixar fugir a hipótese de lutar pelo título mundial na Rússia para agarrar o lugar no Bernabéu. Acaba de forma inglória, depois do pior início do Real Madrid na Liga espanhola desde 2001, ao fim de 138 dias. É esta a primeira marca a bater pelo seu sucessor. Lopetegui, esse terá a consolação de uma indemnização milionária pela rescisão de um contrato de três anos que valia seis milhões de euros por ano (18 milhões no total).