Só 41,8% das mortes em excesso em Portugal estão ligadas à covid-19. "Falta uma análise urgente"

Os dados são do INE e especialistas ouvidos pelos Dinheiro Vivo admitem preocupação com o excesso de mortalidade no país, pedem uma análise urgente e contrariam conclusões ligeiras dos números que justificam aumento de mortalidade em novembro apenas com a covid-19.
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A pandemia chegou oficialmente a Portugal a 2 de março de 2020 (altura em que se registaram os primeiros casos) e a primeira morte por covid-19 foi a 16 de março. Desde então e até final de novembro, houve mais 10 776 óbitos acima do que seria expectável - de acordo com a média no mesmo período dos últimos cinco anos - e só 41,8% (4 505) dessas mortes terão sido por covid-19.

Os dados foram divulgados esta sexta-feira pelo INE (Instituto Nacional de Estatística, que recolheu dados do Sistema Integrado do Registo e Identificação Civil) e estão em linha com os dados da EuroMOMO (base de dados europeia de epidemiologistas) que têm revelado dados de excesso de mortalidade em 2020 bem acima do normal e bem para além dos números da pandemia.

A informação sobre óbitos é obtida a partir dos dados do registo civil (assentos de óbito) apurados no âmbito do Sistema Integrado do Registo e Identificação Civil (SIRIC) e foi recolhida até 8 de dezembro.

De facto, de 2 a 29 de novembro registaram-se mais 2 009 óbitos do que seria esperado face à média dos últimos cinco anos e, nesse período, com o aumento das mortes de covid-19 no país, as 1 915 atribuídas diretamente à pandemia representam 95,3% desse valor mas, tal como o INE acaba por indicar no final do seu comunicado, a análise aos números, percentagens e às causas de excesso de mortalidade não pode ser ligeira e imputada desde logo à covid.

O médico e epidemiologista líder da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública, Ricardo Mexia, explica ao Dinheiro Vivo que não se pode extrapolar ao dizer que a covid-19 justifica desde logo quase todo o excesso de mortalidade em novembro. "Não temos dados de causas de morte, mas é muito provável que tenha havido em novembro em Portugal um decréscimo de mortalidade por doenças infecciosas respiratórias".

O uso intensivo de máscaras e o facto das pessoas se protegerem mais por causa da pandemia pode estar a ajudar que se morra menos de outras doenças e de pneumonias.

Ou seja, se houver menos mortes de doenças respiratórias em geral, as mortes por covid-19 em novembro podem representar uma percentagem bem inferior aos 95,3% do tal excesso de mortes na prática. Não se pode, assim, aferir que os números preocupantes de excesso de mortalidade no país em 2020, bem para lá das mortes por covid-19, se estejam a esbater em novembro "até porque terão diminuído as mortes por umas causas e aumentado por outras", explica Ricardo Mexia.

O especialista destaca ainda a importância "de se conhecerem as causas" deste fenómeno de excesso de mortalidade no país, algo que só a Direção-Geral de Saúde e o Ministério da Saúde poderão revelar - como já tinhamos indicado em setembro, as autoridades só contam fazer a análise já em 2021.

Henrique Martins, o médico e ex-líder dos Serviços Partilhados do Ministério de Saúde, concorda e diz mesmo que novembro até foi "um mês de sol, mais calor e menos frio do que o habitual", o que também ajuda a "haver menos mortes de outras causas sem ser por covid-19". Martins diz ainda que "a estatística de mortes "por covid-19" pode estar muitas vezes a mascarar maus registos", admitindo grande preocupação com a redução drástica de consultas no SNS sem a "necessária resposta em consultas por videoconferência e sistemas de telesaúde, que não existem".

O professor do ISCTE deixa ainda um pedido às autoridades: "Falta uma análise urgente aos números. A verdadeira pergunta é - qual a taxa de autópsias e estudos post mostem sérios já feitos? Já foram pedidos? O governo tem uma estratégia de medicina legal?" Esse tipo de dados ajudará a perceber os motivos pelos quais há de facto o excesso de mortes inédito nos últimos cinco anos e que só em 41,8% pode ser justificado pela pandemia e também "aferir se de facto as pessoas estão a morrer de covid ou com covid".

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