Chegou-se a um ponto em que o atual cinema de ação de Hollywood é obrigado a travestir-se de comédia. No caso desta nova série de filmes Hitman & Bodygard a ideia é mesmo chegar à farsa. Explosões, mais explosões sem ponta de lógica e gagues físicos operáticos. Pancadaria e tiroteios sem serem levados a sério. Tal como o primeiro O Guarda-Costas e o Assassino, surpreendente êxito à escala global em 2017, esta sequela O Guarda-Costa e a Mulher do Assassino, não muda a receita: irrisão em forma de sátira sobre duplas de heróis de ação, neste caso um guarda-costas com problemas de insegurança pessoal e um assassino contratado rabugento, Michael Bryce (Ryan Reynolds) e Darius Koncaid (Samuel L. Jackson). Uma dupla que começou forçada e aqui, algo acidentalmente, é reatada, mesmo num momento em que Michael está sem licença para... proteger..A culpa é da mulher do assassino, Sonia (Salma Hayek), que pede a ajuda a Michael para recuperar Darius, a contas com problemas de retaliação da máfia mexicana. O resultado é um pouco mais do mesmo, mas com um humor de birras mais afinado e uma escala de ação ainda maior - o orçamento aumentou e houve dinheiro ainda para os salários de Antonio Banderas (talvez no mais adorável vilão da carreira) e Morgan Freeman. Joaquim de Almeida e Gary Oldman, despachados de forma brutal no primeiro filme, já cá não moram....Quando chegamos à bela Trieste na primavera de 2019 a covid estava longe de existir e os produtores da Millenium, muito simpáticos com a imprensa convidada, garantiam que a fé era inabalável para o segundo jackpot nas bilheteiras um ano depois. A pandemia não quis nada com esse otimismo e só agora vamos poder ver esta segunda parte, desta feita com predomínio feminino graças a maior destaque a Sonia, a corajosa mulher de Darius, uma Salma Hayek em versão de heroína de ação e com uma personagem que dispara a torto e a direito e fica fula quando alguém lhe diz que já tem idade. Aliás, Jeffrey Greenstein, um dos produtores desta franquia diz-nos, antes de uma cena de perseguição no centro histórico de Trieste, que tudo é melhor e maior nesta sequela. Aliás, em Hollywood, qualquer continuação de um filme tem de ser sempre superior ao antecessor: maior orçamento, maiores valores de produção... E Jeffrey diz-nos isso mesmo com um sorriso otimista, sobretudo uns minutos antes de um vilão sair de um carro e disparar de seguida. Uma única cena que demora duas horas e que no filme nem 3 segundos. Mas nesse mesmo dia, conforme o produtor nos confidencia, atrasos é coisa proibida: há que filmar tudo como planeado pois é o último dia com Reynolds e ele tem de voar para o Japão para uma obrigação com a Warner - na altura promovia Pokémon Detetive Pikachu, onde era a voz de... Pikachu..Toda esta sequela é filmada na Croácia (onde se passa parte da intriga) e em Itália, com incidência em Trieste, cidade que parou literalmente para que a produção pudesse fazer perseguições de automóveis insanas ou tiroteios barulhentos na zona do porto. Uma das sequências a que assistimos começa depois das 22h00 e tem ordem para acabar só depois das 3 da manhã se Samuel L. Jackson não tropeçar a entrar num barco. Trata-se de uma cidade ao serviço de um filme que enche hotéis e que vai colocar esta mágica cidade no mapa depois de O Estádio de Wimbledon, filme francês de Matthieu Almaric que em 2001 reconfigurava outras coordenadas urbanas a este espaço....Mesmo ao nosso lado, em plena Via del Pescheria vemos dois duplos de Ryan Reynolds com o mesmo guarda-roupa, ou seja, um blaser todo o rasgado (faz sentido, o seu guarda-costa é baleado, atropelado, agredido e maltratado todo o filme). Mais à frente, com um blaser também destruído está o verdadeiro Ryan Reynolds muito descontraído à espera que lhe digam onde tem de estar. A tal viagem ao Japão não o stressa e mal percebe que vai filmar parece estar já dentro da personagem. Estamos a três semanas do final da rodagem mas o mapa diz que Reynolds está já despachado..YouTubeyoutubepXPZamMSbfQ.Jeffrey, o produtor, continua com todos os sorrisos e diz-nos que tudo está a correr bem, não escondendo ter a vontade de levar uma superprodução dessas para Lisboa, cidade que adora..Enquanto isso, muita gente, do outro lado da barreia espreita e pergunta por Samuel L. Jackson. O entusiasmo é grande mas na altura de ouvirmos "action" não há barulho. A boa gente de Trieste parece querer mesmo ajudar esta produção..Mais à frente, já no Castelo de Miramare, roda-se uma cena em que Ryan e Samuel são obrigados a fugir de um tiroteio cerrado dos vilões comandados por Antonio Banderas. Nessa noite Banderas não precisa de lá estar mas é apreciável o tempo de espera de Samuel L. Jackson e Ryan Reynolds, senhores de sorrisos constantes mas com um profissionalismo nato. Esperam, esperam e não desanimam. A cena pede explosivos e tiros. Os explosivos só nos efeitos visuais vão nascer mas o som dos tiros deixa-nos em sentido. Ao nosso lado, um jornalista croata assusta-se de verdade e é alguém da produção que lembra que não são balas verdadeiras. A sequência tem um aparato inacreditável embora no filme não tenha o impacto que se esperasse..Patrick Hughes, o realizador, sabe que nada pode falhar, e mal pode dizer "ação" não hesita. São duas câmaras a tentar que nada se perca num pormenor que pretende colocar Reynolds e Jackson a fugirem para uma lancha. A espera e os ensaios atrasam e começa a ficar um frio de rachar junto ao mar..A certa altura, o DN tem permissão para espreitar a filmagem mesmo junto do monitor do realizador e a larga equipa parece espantada com a presença de alguns jornalistas internacionais. Ryan Reynolds não larga o seu telemóvel, mas, a dada altura, junta-se no mesmo local para também espreitar. Trata-se apenas de uma cena mas com meios e escala que em Portugal nem se imagina. Tudo isto para um, dois minutos de filme....dnot@dn.pt